O tema abordado hoje na sessão conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, é você sabe diagnosticar morte encefálica? Descubra o diagnóstico em seis etapas.
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Introdução
- A abordagem deste tema é igualmente importante e delicado, e deve ser feito com muita atenção, cuidado e obediência aos protocolos.
- A detecção da morte encefálica pode ajudar a diminuir o sofrimento da família que, na maior parte das vezes, se desgasta com as intercorrências do paciente com internação prolongada. Ao mesmo tempo, após o diagnóstico da morte encefálica, pode-se considerar a doação de órgãos, trazendo esperança para aqueles que sofrem nas longas filas de espera.
Morte Encefálica (ME): É a definição legal de morte. Sendo conceituada como a interrupção completa e irreversível de todas as funções cerebrais, mesmo na presença de atividade cardíaca ou reflexos primitivos.
Principais Causas:
- Politraumatizados com TCE;
- Acidente vascular cerebral (AVCH /AVCI);
- Tumores cerebrais primários;
- Anóxia cerebral (afogamentos, pós-parada cardiorrespiratória);
- Intoxicação exógena.
Importância:
- Estabelecer o plano terapêutico e evitar terapias inúteis;
- Fornecer informações seguras aos familiares;
- Reduzir custos e otimizar a ocupação dos leitos do CTI;
- Oferecer à família a opção pela doação de órgãos.
Protocolo de Morte Encefálica
1º) Exclusão de condições clínicas que possam causar interferência no exame clínico:
- Distúrbios acido-básico e hidroeletrolíticos graves;
- Alterações hormonais causadoras de coma;
- Ausência de hipotermia (Temperatura ≥ 36,5oC), hipotensão (PA sistólica ≥ 90 mmHg), intoxicação exógena ou uso de drogas sedativas e bloqueadores neuromusculares (suspender e aguardar o triplo da meia-vida da medicação para iniciar o protocolo); Se indicado, considerar dosagem sérica da droga.
Importante: Achados clínicos que não excluem o diagnóstico de ME:
- Movimentos involuntários (reflexos espinhais):
- Sinal de Lázaro (movimentação dos membros);
- Reflexos tendíneos, abdominais, cremastéreo ou sinal de Babinsky persistentes; movimentos ondulares dos dedos dos pés;
- Ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos reflexores de retirada dos membros inferiores ou superiores, reflexo tônico cervical;
- Contrações faciais (“caretas”).
Níveis tensionais normais:
- Adulto: PAS > 90mmHg ou PAM > 65mmHg;
- Recém-Nascidos: PAS > 60 mmHg;
- Lactentes: PAS > 70mmHg;
- Crianças maiores de 2 anos: PAS > 70 + (2 x idade em anos).
2º) Avaliar os critérios para abertura do protocolo de ME:
- Conhecer a causa do coma, através da história clínica, exame físico e exames complementares;
- Estado de coma arreativo e aperceptivo;
- Escala de Coma de Glasgow = 3;
- Ventilação mecânica (assistida);
- Excluir uso de drogas depressoras do sistema nervoso central com níveis capazes de causar o coma e mimetizar a ME;
- Ausência de hipotermia, hipotensão ou distúrbios hidroeletrolíticos;
- Mínimo de 6 horas de tratamento intensivo / observação hospitalar após a lesão.
Parâmetros hemodinâmicos e metabólicos recomendados para abertura de protocolo de morte encefálica:
- PAS > 90mmHg;
- PAM > 65mmHg;
- Sat O2 > 90%;
- PaCO2: 20-45mmHg;
- PaO2/ FiO2 > 100;
- Uréia < 300;
- Sódio plasmático: 120-160 mEq/L;
- Glicemia: 80 a 300mg/dL;
- Hemoglobina >que 9;
- Temperatura > a 32.5°C.
3º) Primeiro Exame Clínico Neurológico:
Checklist:
- Coma aperceptivo;
- Pupilas fixas e arreativas;
- Ausência de reflexo;
- Ausência de reflexos óculocefálicos;
- Ausência de resposta às provas calóricas;
- Ausência de reflexo de tosse;
- Apneia.
Etapas:
1. Confirmar o coma (Escala de Coma de Glasgow = 3), com exame bilateral
- Estímulo retromandibular (Pares cranianos V e VII) ;
- Estímulo axial (esternal ou supraorbitário) e apendicular (ungueal).
2. Examinar reflexos do Tronco Encefálico:
- Ausência de reflexo pupilar fotomotor (II e III pares) bilateral;
- Ausência de reflexo córneo-palpebral (V e VII pares) bilateral;
- Ausência de reflexo oculoencefálico bilateral (VIII par);
- Rotação da cabeça em 90o, para cada lado e no plano vertical, com movimentos rápidos de báscula. Atenção para presença de trauma raquimedular cervical;
- Ausência de reflexo oculovestibular (VII, III, VI pares) bilateral:
- Otoscopia (verificar se obstrução ou perfuração) inicial, seguida da Prova Calorimétrica: Com a cabeceira a 30o, instilar 50 mL de SF 0,9% gelado (próximo a 0o C) ao longo de um minuto. Observar por até 1 minuto após. Aguardar 5 minutos antes de testar outro lado.
- Ausência de reflexo de tosse (IX e X pares): Testar com espátula na faringe posterior bilateral e sonda de aspiração pelo tubo endotraqueal.
- Ausência de drive respiratório (“teste de apnéia”).
Teste de Apneia
- Pré-requisitos: Temp. ≥ 36,5oC; PA sist ≥ 90 mmHg; balanço hídrico nas 6 horas positivo);
- Ventilar o paciente (±10 minutos com FiO2 de 100%), para PaO2 alvo ≥ 200 mmHg) ;
- Desconectar o circuito do respirador, mantendo uma cânula de O2 na topografia da Carina com fluxo 6 L/min);
- Observar movimentos respiratórios (se possível, com ventilômetro acoplado) por até 10 minutos ou até pCO2 ≥ 55 mmHg ;
- O teste deverá ser interrompido se hipotensão, arritmia ou queda da saturação de O2.
- Atenção: para pacientes cujo PCO2 basal já é ≥ 55 mmHg, aguardar elevação acima de 20 mmHg do pCO2 basal para teste confirmatório.
Interpretação
- Positivo
1. PCO2 > 55mmHg;
2. Aumento da PCO2 em 20mmHg comparada com a gasometria inicial. - Negativo
1. Movimentos respiratórios;
2. Resultados de PCO2 na gasometria inferior aos resultados anteriores. - Inconclusivo
1. Instabilidade hemodinâmica durante o teste;
2. SaO2 < 90%;
3. Arritmias cardíacas.
4º) Segundo Exame Neurológico: Os exames devem ser realizados por profissionais diferentes, 6 horas após o primeiro, que não poderão ser integrantes da equipe de remoção e transplante, sendo pelo menos um dos exames realizado por neurologista ou neurocirurgião.
Intervalo mínimo exigível entre os exames: Depende da faixa etária do paciente:
- 7 dias – 2 meses: 48 horas;
- 2 meses – 1 ano: 24 horas;
- 1-2 anos: 12 horas;
- > 2 anos: 6 horas.
5º) Exame Complementar Confirmatório: Escolher um dentre os disponíveis: de fluxo, atividade elétrica ou metabolismo. Principais opções:
- Eletroencefalograma;
- Doppler Transcraniano ;
- Arteriografia cerebral de 4 vasos;
- Tomografia por emissão de fóton único (SPECT);
- Tomografia por emissão de próton (PET);
- Potenciais Evocados somatossensitivos (PESS).
Interpretação
- EEG: é o único exame possível abaixo de 1 ano de idade. Deve demonstrar ausência de atividade bioelétrica cerebral (silêncio elétrico cerebral é definido como a ausência de atividade elétrica maior que 2 microV, por um mínimo de 30 minutos);
- Doopler transcraniano: Demonstra ausência de insonação dos vasos cerebrais, em pacientes previamente insonados; Ausência de fluxo diastólico ou reverberante; Pequenos picos sistólicos isolados.
- Arteriografia cerebral: Ausência de fluxo sangüíneo na entrada do cérebro dos quatro vasos em vinte segundos; Parada circulatória no polígono de Willis; Enchimento lento acima de quinze segundos do seio longitudinal superior cerebral;
- Cintilografia cerebral: Ausência de perfusão cerebral pelo radioisótopo confirma o diagnóstico de morte encefálica.
Nota: Para pacientes abaixo de 2 anos:
- De 1 ano a 2 anos incompletos: 2 EEGs, com intervalo de 12 horas.
- De 2 meses de idade a 1 ano incompleto: 2 EEGs com intervalo de 24 horas.
- De 7 dias a 2 meses de idade (incompletos): 2 EEGs com intervalo de 48h.
6º) Conclusão: A constatação do óbito se dá no momento da conclusão do protocolo, o que pode ser no momento da segunda avaliação clínica, ou do exame complementar (prevalece aquele que for realizado por último).
- Após constatada a ME, deve-se: (1) Comunicar o médico assistente; (2) Comunicar a família do paciente – sem falar sobre transplante de órgãos; (3) Comunicar a central de doação de órgãos, e considerar o protocolo, se indicado; (4) Enviar uma cópia da declaração ao órgão controlador estadual; (5) Registrar todos os passos do protocolo na Folha de evolução e na Folha padronizada.
- O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) é um sistema de vigilância epidemiológica nacional, cujo objetivo é captar dados sobre os óbitos do país a fim de fornecer informações sobre mortalidade para todas as instâncias do sistema de saúde. O documento de entrada do sistema é a Declaração de Óbito (DO), padronizada em todo o território nacional. Atentar para o preenchimento correto da documentação: evitar termos como “morte encefálica” ou “parada cardiorrespiratória, pois são eventos da morte (a morte propriamente dita), e não a causa.
- Toda morte violenta deverá ser encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML), acompanhada do relatório cirúrgico de cada órgão retirado.
- É adequado, diante da constatação da ME em não-doador, suspender os procedimentos de suportes terapêuticos O cumprimento desta decisão deve ser precedida de comunicação e esclarecimento (pelo médico assistente ou seu substituto) sobre a ME aos familiares ou representantes, com registro adequado no prontuário. Nesse caso, a data e hora registradas na Declaração de Óbito devem ser as mesmas da determinação de morte encefálica.
- Após o primeiro exame ser conclusivo para ME, comunicar à comissão de transplante do Hospital. Após a confirmação por outro profissional, comunicar à família a confirmação diagnóstica. A morte encefálica é de notificação obrigatória ao RIO Transplante. O Termo de Declaração de Morte Encefálica deve ser preenchido, bem como o laudo do exame complementar confirmatório de ser anexado ao prontuário do paciente (mesmo em pacientes não doadores). Cópia do termo deve ser encaminhada ao órgão controlador estadual.