Como diagnosticar citopenia autoimune na leucemia linfocítica crônica

O diagnóstico de citopenia autoimune em paciente com leucemia linfocítica crônica é difícil pela dificuldade de diferenciar autoimunidade e aplasia medular.

O diagnóstico de citopenia autoimune (CAI) em paciente com leucemia linfocítica crônica (LLC) representa um desafio devido à dificuldade de diferenciação entre autoimunidade e aplasia medular por progressão de doença ou efeito de quimioterapia. A elucidação diagnóstica é fundamental, por se tratarem de condições com tratamento e prognóstico distintos.

A CAI mais frequente é a anemia hemolítica (AHAI), seguida pela trombocitopenia (PTI). As duas condições podem ocorrer isoladamente, sequencialmente ou concomitantemente (a chamada síndrome de Evans). De acordo com a literatura, AHAI e PTI estão associadas a fatores relacionados ao paciente e à doença: idade avançada, estágio avançado, duplicação rápida da contagem de linfócitos, alterações citogenéticas desfavoráveis, expressão de ZAP-70, ausência de mutação nos genes da região variável da cadeia pesada de imunoglobulina e tratamento citotóxico prévio. Tais fatores, por si só, já impactam negativamente a sobrevida dos indivíduos.

Apesar do prognóstico de pacientes com CAI ser melhor do que aqueles com citopenias por falência medular, parece que os eventos autoimunes têm impacto negativo na sobrevida e no tempo de tratamento. A morbidade relacionada à anemia, ao sangramento, às reações transfusionais e às infecções secundárias à terapia imunossupressora contribui para esse prognóstico mais reservado.

Veja também: ‘Transfusão de hemocomponentes: conceitos básicos’

AHAI

O mecanismo da AHAI na LLC ainda não é totalmente esclarecido. As próprias células clonais estão envolvidas no processo ao favorecerem à autoimunidade a partir de produção de anticorpos, apresentação de antígeno e ativação linfocitária.

AHAI é classicamente associada ao tratamento com análogos de purina, como a fludarabina. Pacientes que receberam vários esquemas quimioterápicos prévios estão sob maior risco de desenvolver AHAI do que os pacientes virgens de tratamento, e especula-se que a complicação tenha mais relação com características da doença do que com o agente quimioterápico. Entretanto, a incidência de AHAI é maior em pacientes que usaram fludarabina do que naqueles que fizeram esquemas alternativos. Acredita-se que a ocorrência de AHAI durante ou após tratamento com fludarabina seja consequência da redução das células T regulatórias envolvidas na supressão de respostas autoimunes.

Ciclofosfamida com ou sem rituximabe parece atenuar os efeitos da AHAI nos pacientes em uso de fludarabina. Observa-se que pacientes tratados com FC (fludarabina + ciclofosfamida) ou RFC (rituximabe + fludarabina + ciclofosfamida) têm menos AHAI do que os tratados apenas com fludarabina. História pregressa de AHAI não é contraindicação para RFC, desde que a hemólise esteja controlada ao início do tratamento. A decisão de suspender ou não o tratamento em pacientes que estão fazendo FC ou RFC e desenvolvem AHAI depende do julgamento clínico do médico.

O diagnóstico é estabelecido quando há evidências laboratoriais de hemólise, reticulocitose e teste de antiglobulina (teste de Coombs) direta positivo. Geralmente ocorre queda aguda da hemoglobina, sem outra causa aparente. Vale enfatizar que a LDH pode estar elevada simplesmente por conta da doença de base. Reações transfusionais tardias pela presença de aloanticorpos devem ser excluídas quando há história de transfusão sanguínea recente. Anemia por falência medular também é um diagnóstico diferencial, mas é pouco provável quando há reticulocitose. No entanto, na doença avançada ou progressiva, pode não ocorrer o aumento esperado na contagem de reticulócitos, o que dificulta o diagnóstico. Hematoscopia de sangue periférico é útil para a pesquisa de achados clássicos, como microesferócitos, policromatofilia e eritroblastos.

A estratégia terapêutica depende da indicação ou não de tratamento da LLC. Para pacientes sem indicação de tratamento da leucemia, o manejo da AHAI baseia-se em imunossupressão. Se a condição for refratária a mais de um imunossupressor, deve-se considerar tratamento específico para a LLC na tentativa de controlar a hemólise.

Corticosteroides são as drogas mais usadas inicialmente. Em geral, faz-se prednisona 1 mg/kg/dia durante 4-12 semanas, com posterior desmame até suspensão da medicação, se a hemólise for controlada. Imunoglobulina endovenosa é uma boa opção, particularmente para pacientes que demandam um rápido controle da hemólise, e pode ser feita isoladamente ou em associação à prednisona.

Se o tratamento inicial com corticosteroide ou imunoglobulina for ineficaz ou a AHAI recair durante o desmame da prednisona, deve-se considerar as opções de segunda linha. O rituximabe, anticorpo monoclonal anti-CD20, é eficaz e geralmente bem tolerado. A droga é feita na dose de 375 mg/m²/semana EV por quatro semanas. As taxas de resposta são boas (70-100%), além do benefício de evitar quimioterapia citotóxica e promover algum tratamento à doença de base (mas, por conta da dose e da monoterapia, não é tão eficaz quanto outros esquemas). Ciclosporina foi estudada em pacientes refratários. Em um estudo, os autores mostram que a maioria dos pacientes responde à medicação. Por sua eficácia e pela facilidade de administração (via oral), é uma boa opção para tratamento de segunda linha.

Se nenhum tratamento de primeira ou segunda linha surtir efeito, as opções terapêuticas para AHAI primária são tentadas, como micofenolato e azatioprina, sendo a esplenectomia o único recurso.

Veja mais: ‘Linfoma folicular: conduta expectante ou tratamento imediato?’

PTI

A fisiopatologia é ainda menos entendida. Deve-se suspeitar do diagnóstico diante de paciente com queda rápida da contagem plaquetária (mais de 50%) sem história de quimioterapia mielossupressora recente ou outra causa e que não responde à transfusão de plaquetas. Hematoscopia de sangue periférico é útil para exclusão de pseudotrombocitopenia e microangiopatia trombótica. Aspirado e biópsia de medula óssea evidenciam hiperplasia de setor megacariocítico.

Os objetivos do tratamento são prevenir e tratar os eventos hemorrágicos. Pacientes assintomáticos com trombocitopenia leve são candidatos à conduta expectante. A decisão de começar algum tratamento baseia-se no risco de sangramento e na contagem plaquetária. Em geral, inicia-se terapia quando há eventos hemorrágicos e/ou quando a plaquetometria encontra-se menor ou igual a 20000-30000/mm³. O alvo de plaquetas é individualizado de acordo com o risco de sangramento.

O tratamento, assim como o da AHAI, baseia-se em imunossupressão, para pacientes sem indicação de tratamento específico para LLC. A primeira opção é geralmente prednisona 1 mg/kg/dia. Imunoglobulina está indicada para casos em que se necessita de rápido aumento da contagem plaquetária (para procedimentos invasivos ou se sangramento). Uma boa alternativa para PTI refratária ou recaída é o rituximabe, assim como a ciclosporina. Agonistas do receptor de trombopoietina (romiplostim e eltrombopag) estimulam a produção plaquetária e são novas opções para o tratamento de PTI. A esplenectomia é uma alternativa em último caso.

 

 

 

 

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Referências:

  • Rogers KA, Woyach JA. Secondary autoimmune cytopenias in chronic lymphocytic leukemia. Seminars in Oncology. Elsevier. 2016.
  • Greer JP, Arber DA, Glader B, List AF, Means RT, Paraskevas F, Rodgers GM. Wintrobe’s Clinical Hematology. Wolters Kluwer. 2014.

 

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