Cuidados paliativos: quando a legitimidade traduz um dever médico

Este artigo aproveita a recente publicação do Código de Ética Médico para lembrar de suas contribuições decisivas para os Cuidados Paliativos. Confira:

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Aproveito a recente publicação do Código de Ética Médico em abril passado para lembrar de suas contribuições decisivas para os Cuidados Paliativos desde a versão de 2010 e mantidas no texto atual. Nele, há a legitimação do compromisso ético médico no reconhecimento e cuidado proporcional do paciente em final de vida, evitando-se a distanásia.

São eles: o princípio XXII e o artigo 41:

  • O princípio XXII dispõe: “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.” Talvez o maior desafio para nós médicos seja reconhecer o paciente em final de vida, uma vez que a morte desde a década de 60 passou a ser enxergada mais como um fracasso da tecnologia e da intervenção médica. Infelizmente, não temos números brasileiros, mas nos Estados Unidos em 2005 cerca de 32% dos gastos totais do Medicare foram com pacientes com doença crônica em seus dois últimos anos de vida. Somos formados para “salvar vidas”, quando na realidade apenas um número reduzido de doenças é passível de cura. Empreendemos uma verdadeira “guerra” muitas vezes em ambiente de terapia intensiva com artifícios de ponta prolongando o sofrimento do paciente e sua família contra a condição humana inerente e inexorável: a morte.
  • O parágrafo único do art. 41: “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.” Esse parágrafo reforça a ideia do princípio XXII e coloca a questão das diretivas antecipadas de vontade do paciente quando fala sobre considerar a vontade expressa dele e na ausência de seu representante legal. Muitos profissionais interpretam de maneira equivocada essa ideia literalmente jogando decisões técnicas dicotômicas para a família já fragilizada emocionalmente: “entuba ou não entuba?”, “dialisa ou não?”; “investimento total ou cuidados paliativos?”. O plano de cuidados é um exercício de deliberação ética, deve sim levar em conta os valores e desejos do paciente em primeiro lugar, mas quem detém o conhecimento técnico e decide somos nós. Foi muito ilustrativo quando ouvi um colega comparar essa postura com a situação da queda de um avião: o comandante não chega e pergunta aos passageiros o que preferem fazer.

Importante relembrar que essas alterações derivam da Resolução CFM nº1.805/2006, que no seu artigo 1 versa: “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou do seu representante legal“. Essa resolução aborda o tratamento apropriado as pessoas em final de vida. Ela como todas resoluções é um ato administrativo de uma autarquia federal (CFM) que tem por finalidade prevista em lei regulamentar atos e procedimentos médicos auxiliando a justiça nas decisões da área.

A Resolução 1805/2006, em especial, tem força de lei, pois resultou em processo que tramitou em julgado na Justiça Federal com sentença positiva. Além disso, tem constitucionalidade, pois encontra consonância com a dignidade, um princípio geral do Estado Democrático de Direto, legitimada na Constituição de 1988 que proíbe a submissão de pessoas a tratamentos desumanos e degradantes.

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Nesse sentido, o Código de Ética Médico e a Resolução CFM 1.805/2006 são instrumentos que asseguram e legitimam ao médico maior segurança na hora de tomar decisões relacionadas ao tratamento desejável ao doente em fim de vida, deixando evidente a necessidade dos Cuidados Paliativos nesse período. Necessitamos aumentar a conscientização da morte como parte da vida e reconhecer os pacientes em fim de vida não como uma doença, mas como pessoas inteiras com uma trajetória de vida, valores e desejos.

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Referências:

  • Tavares RC, Parsons HA. Manual de Cuidados Paliativos ANCP Ampliado e atualizado. 2a ed. São Paulo: Acad Nac Cuid Paliativos, 2012.
  • Neves NMBC, Siqueira JE. A bioética no atual código de ética médica. Rev. bioét. (Impr.). 2010;18(2):439-50.
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA: RESOLUÇÃO CFM no 1805/06 Bioética, 2005;
  • CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM – Brasil). Código de ética médica. Resolução nº 2217/2019. Brasília: Tablóide, 2019.
  • Cherny N, et al. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5th ed. Oxford: Oxford University Press, 2015.

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