Febre maculosa: o que eu preciso saber?

Dados do Ministério da Saúde mostram que entre 2007 e 2021 foram notificados 36.497 casos de febre maculosa.

A doença recebeu o nome de febre das montanhas rochosas devido à grande quantidade de estados americanos cortados pela Cadeia das Montanhas Rochosas. 

Descrita pela primeira vez em 1906, nos Estados Unidos, o primeiro caso brasileiro de febre maculosa foi identificado em São Paulo, em 1929, mais de 20 anos depois da descoberta da doença.   

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Por tratar-se de uma patologia pouco conhecida e com vasta manifestação clínica, precisamos nos atentar para identificação de casos suspeitos, uma vez que sem tratamento, a doença pode cursar com formas leves e atípicas, de gravidade variável até formas graves com elevada taxa de letalidade. E, ao contrário do que muitos pensam, ela é significativamente prevalente no Brasil, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, que respondem por 90% dos casos notificados e quase todos os óbitos.  

Aqui, abordaremos pontos importantes sobre epidemiologia básica, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento dessa enfermidade.  

febre maculosa

Agente etiológico e vetores 

A febre maculosa é causada por uma bactéria gram negativa intracelular obrigatória, sendo a Rickettsia rickettsi a mais conhecida e prevalente. Porém, há mais de 13 tipos diferentes de riquetsias patogênicas para o ser humano.   

É transmitida principalmente pela picada do carrapato da espécie Amblyomma sculptum, porém, na região metropolitana de São Paulo, o Amblyomma aureolatum se destaca. Costumam ser parasitas de animais silvestres, mas podem infestar outros tipos de animais. Vale ressaltar que qualquer carrapato é suscetível ao contágio pela riquetsia, incluindo os que parasitam animais domésticos, como cães e coelhos.   

O homem é apenas um hospedeiro intermediário nesse ciclo. O modo de transmissão ocorre através da picada do carrapato infectado pela riquetsia, sendo que a adesão precisa ser de quatro a seis horas no ser humano.   

Epidemiologia 

Duas espécies de riquetsias estão associadas à doença no Brasil: a Rickettsia rickettsii, que, como dito anteriormente, leva ao quadro de febre maculosa brasileira, uma doença grave, registrada no norte do estado do Paraná e nos estados da região sudeste; e a Rickettsia parkeri, que tem sido registrada em ambientes de Mata Atlântica (como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e Ceará), e tem caráter benigno, sem óbitos descritos até o momento, com dois sinais clínicos que chamam muito a atenção (adenopatia e escara de inoculação).   

A doença parece ter um pico de incidência entre os meses de julho e novembro, o que sugere que eventuais aumentos do número de casos podem estar relacionados ao ciclo do carrapato, pois nesse período ocorre aumento das ninfas.   

Dados do Ministério da Saúde mostram que entre 2007 e 2021 foram notificados 36.497 casos de febre maculosa, dos quais 7% (2.545) foram confirmados, sendo 2.538 com exposição de risco relatada e 32,8% com evolução para óbito. Do total, 74,7% relataram exposição a carrapato e 41% a cães e gatos. A taxa de letalidade no mundo gira em torno de 25-70%.   

Atualmente, está sendo registrado um surto em Campinas, na fazenda Santa Margarida, após dois grandes eventos realizados por lá (em 27/05 e 03/06). Até o momento, cinco casos são suspeitos, três foram confirmados, quatro morreram e um segue internado.   

É sempre válido ressaltar que essa é uma patologia de notificação compulsória.  

Manifestações clínicas 

Após um período de incubação que varia de 2 a 14 dias, sintomas inespecíficos como febre, mialgia e cefaleia ocorrem. Ocasionalmente, conjuntivite petequial pode ser observada. Crianças podem queixar-se de dor abdominal intensa, o que pode confundir com gastroenterites ou abdome agudo. Geralmente essa paucidade inicial de sintomas atrasa o diagnóstico. A epidemiologia, nesses casos, é fundamental.  

Nem sempre haverá na história do paciente o relato de picada pelo carrapato. Isso porque, o indivíduo pode não sentir (lembrar que a picada de ninfas pode ser indolor) e até não notar o local de inoculação (couro cabeludo, pele mais escura). Menos de um terço apresenta lesão de inoculação. Portanto, o diagnóstico nunca deverá ser excluído com base nessa informação, principalmente se o paciente reside em área com grande concentração de casos.  

Quanto ao exantema, que dá nome à doença, ele aparece entre o 2º e o 5º dia. Inicialmente macular, surge em tornozelos e punhos e progride de forma centrífuga para plantas e palmas e, posteriormente, de forma centrípeta, para membros e tronco. Após uma semana, torna-se maculo papular com petéquias centrais. As máculas, inicialmente, somem ao serem pressionadas, mas esse efeito desaparece com o tempo e ocorre o escurecimento da lesão. Em casos graves, pode ocorrer necrose de extremidades.   

Seria mais fácil identificar a doença com base nesse achado tão clássico de exantema. Infelizmente, ele está presente em apenas 40-50% dos pacientes e em metade deles está ausente nas primeiras 72 horas de doença. Então, mais uma vez, não podemos depender da presença do rash para suspeitar do diagnóstico. 

Após a instalação desses sintomas inespecíficos, o indivíduo pode desenvolver uma doença que varia de leve a fulminante, que vai depender da virulência da riquetsia que o infectou.  

Casos graves 

  • Edema de membros inferiores;  
  • Hepatoespenomegalia: pode alcançar níveis alarmantes; houve relatos de rompimento de baço nessas circunstâncias;  
  • Acometimento renal: principalmente por insuficiência pré-renal;  
  • Manifestações pulmonares: pneumonia intersticial, derrame pleural volumoso;  
  • Manifestações hemorrágicas: sangramento muco cutâneo, digestivo e pulmonar.  

Manifestações neurológicas estão presentes em até 40% dos casos.  Pode ocorrer meningite, em geral, que apresenta-se com um liquor claro e semelhante ao das meningites virais, com discreta pleocitose linfocítica com proteinorraquia e glicorraquia variáveis;  

Em casos mais graves, ocorre encefalite, com aumento da pressão intracraniana e torpor que pode progredir para o coma. Crises convulsivas podem estar presentes.  

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Diagnóstico 

Após suspeita clínica inicial, existem alguns exames laboratoriais que ajudam na confirmação. No entanto, sempre que houver suspeita, o tratamento deve ser prontamente iniciado, independente do resultado de qualquer exame que será citado a seguir, uma vez que a letalidade dessa doença sem o tratamento precoce específico é muito alta.   

Reação de imunofluorescência indireta (RIFI)  

É o teste padrão-ouro para o diagnóstico das riquetsioses. Possui alta sensibilidade e especificidade. São detectados anticorpos IgG contra as riquetsias, a partir do sétimo dia da doença. É importante notar que os anticorpos IgM são pouco específicos e fazem reação cruzada com diversas outras doenças, como leptospirose e dengue. Portanto, nesse teste, devem ser avaliados com cuidado.   

Para realiza-lo, é necessário coletar amostras pareadas do paciente, uma na fase aguda da doença e outra 14 a 21 dias após a primeira coleta.  O teste é considerado positivo se houver aumento de quatro vezes na titulação de anticorpos. Caso não ocorra, é recomendado coletar uma terceira amostra após 21 dias, pois o uso de antibióticos para o tratamento pode retardar o aumento da titulação.   

Reação de Weil e Felix 

Detecta anticorpos aglutinantes do paciente que reagem com cepas diferentes da bactéria Proteus, que, por mimetismo molecular, reagem também com as riquetsias devido uma semelhança antigênica com lipopolissacarídeos de suas membranas.   

São detectáveis após cinco a dez dias do início dos sintomas. É considerado apenas um teste de triagem, pois é barato e de fácil realização. No entanto, possui muitos falsos positivos e, se solicitado, seu resultado deve ser avaliado com cautela.   

Pesquisa direta da riquetsia  

Realizada apenas em casos graves ou de pacientes que faleceram.   

Imuno-histoquímica: realizada em amostras de tecido de biópsias de pele ou de fragmentos de órgãos após necropsia. A imuno-histoquímica em lesões vasculíticas de pele é considerada o método mais sensível para a confirmação da febre maculosa na fase inicial da doença.   

Biologia molecular: realizada por PCR de amostras de sangue, tecidos de necropsia ou biópsia. É um método rápido, porém possui sensibilidade e especificidades muito variáveis.  

Isolamento: cultura com, a partir do sangue, órgãos ou biópsia de pele. Somente laboratórios com nível de biossegurança NB3 podem realizar esse método.   

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Mensagem prática 

O prognóstico depende quase exclusivamente do tratamento precoce. Como vimos, os testes diagnósticos mais utilizados são por pesquisa de anticorpos que demoram até sete dias para serem produzidos pelo organismo. A mensagem que fica é: em caso de suspeitas, o indicado é tratar. 

Veja aqui mais detalhes sobre a febre maculosa e seu tratamento! 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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  • Febre maculosa no Brasil: estudo da mortalidade para vigilância epidemiológica; Rachel Paes de Araújo, Marli Brito Moreira de albuqueruqe Navarro, telma Abdalla de oliveira Cardoso; Fundação Oswaldo Cruz, 2015.
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