NeurologiaDEZ 2016

Síndrome das Pernas Inquietas: você sabe como tratar?

No mês de novembro a American Academy of Neurology divulgou suas recomendações para o tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas. Mas você sabe o que é?

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Por Cristiane Borges Patroclo
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No mês de novembro a American Academy of Neurology (AAN) divulgou suas recomendações para o tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas (RLS, do inglês Restless Legs Syndrome) em adultos. Mas você sabe o que é a RLS?

A RLS, ou doença de Willis-Ekbom, é um distúrbio do movimento, decorrente de alterações na integração sensoriomotora e caracterizado pela urgência de movimentar as pernas e braços, em geral, em resposta a uma disestesia desagradável. É mais frequente em mulheres com mais idade. E seus sintomas são mais comumente bilaterais. No entanto, sua expressão é influenciada por fatores genéticos, ambientais e médicos (exemplo: inibidores seletivos e não seletivos da recaptação de serotonina).

A RLS pode apresentar-se menos de uma vez no mês ou diariamente, com os sintomas podendo remitir por vários períodos de tempo. Sua intensidade também pode variar de leve a debilitante. RLS pode ser classificada como primária ou secundária de acordo com sua origem. Os casos de RLS secundária são atribuídos a comorbidades como deficiência de ferro, doença renal em estágio terminal e gestação. A maioria dos pacientes com RLS também apresenta Movimentos Periódicos dos Membros do Sono (PLMS, do inglês Periodic Limb Movements of Sleep). Entre as principais consequências da RLS estão o comprometimento do sono e a qualidade de vida, ansiedade e depressão.

Leia mais: ‘Enxaqueca: evidências do que fazer (e do que não fazer)’

Enquanto em populações europeias e americanas a frequência é de cerca de 2 a 3%, um estudo brasileiro estima sua prevalência em 6,4% em nosso país. No entanto, a despeito de seu impacto, a RLS ainda é subdiagnosticada.

O diagnóstico da RLS é clinico e baseia-se na presença de cinco critérios:

  1. Uma urgência para mover as pernas usualmente, mas nem sempre, acompanhada de (ou com a impressão de ter sido causada por) sensação desconfortável e desagradável nas pernas.
  2. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha começa ou piora durante períodos de repouso ou inatividade tais como deitar ou sentar.
  3. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha é parcialmente ou totalmente aliviada pelo movimento como caminhada ou alongamento, pelo menos durante a continuidade da atividade.
  4. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha durante o repouso ou inatividade ocorre somente (ou é pior) à noite do que durante o dia.
  5. A ocorrência das características acima não é explicada apenas como um sintoma decorrente de outra condição médica ou comportamental (ex: mialgia, estase venosa, edema de pernas, artrites, câimbras nas pernas, desconforto posicional, pisada habitual).

Recomendações da AAN para RLS

Os parâmetros considerados em sua confecção levaram em consideração medidas relacionadas à RLS, à PLMS, diversos parâmetros objetivos e subjetivos relacionados ao sono, a sintomas psiquiátricos e à qualidade de vida. Foram feitas também observações quanto o potencial de aumento dos sintomas com agonistas dopaminérgicos e valvulopatia cardíaca com altas doses de carbegolina. E discutidas situações de RLS secundária.

A semelhança de outras publicações do tipo, os níveis de benefício aqui apresentados são descritos da seguinte forma:

Nível A: forte evidência respaldando seu uso.
Nível B: evidência moderada respaldando seu uso.
Nível C: fraca evidencia respaldando seu uso.
Nível U: evidência insuficiente para respaldar seu uso.

Leia também: ‘Insônia Crônica: quando dormir é o melhor remédio’

Essas são as recomendações da AAN para RLS:

  1. RLS primária moderada a severa:
    Nivel A: pramipexole, rotigotine, carbegolida, gabapentina enacarbil;
    Nível B: ropinirole, pregabalina, carboximaltose férrica intravenosa;
    Nível C: levodopa.
  1. RLS primária em que se deseja também melhorar a qualidade do sono:
    a. Quando o alvo são os movimentos periódicos das pernas:
    Nível A: ropinirole;
    Nível B: pramipexol, rotigotine, carbegolina, pregabalina;
    Nível C: levodopa;
    Nível U: gabapentina enacarbil, carboximaltose férrica intravenosa, ferro sucrose.
    b. Quando o alvo são outros parâmetros objetivos da qualidade do sono:
    Nivel B: ropinirole, gabapentina enacarbil, pregabalina;
    Nível U: pramipexole, rotigotine, carbegolina, levodopa.
    c. Quando o alvo são as medidas subjetivas da qualidade do sono:
    Nível A: carbegolina e gabapentina enacarbil;
    Nível B: ropinirole, pramipexole, pregabalina;
    Nivel B e C: rotigotine;
    Nível C: levodopa;
    Nível U: carboximaltose férrica.
  1. RLS em que se deseja tratar sintomas psiquiátricos concomitantes:
    Nível B: ropinirole no contexto de ansiedade;
    Nível B: gabapentina encabarbil para alterações de humo de forma geral;
    Nível C: ropinirole no contexto de depressão;
    Nível C: pramipexol para depressão e ansiedade.
  1. RLS em que se deseja um agente associado à melhora da qualidade de vida:
    Nível B: ropinirole, pramipexol, carbgolina, gabapentina enacarbil, carboximaltose férrica intravenosa;
    Nível C: rotigotine, pregabalina;
    Nível U: levodopa.
  1. Para evitar piora relacionada à medicação:
    Nível C: preferir pregabalina ao pramipexol;
    Nìvel C: preferir carbegolina à levodopa;
    Nível U: dentre os agentes dopaminérgico qual aquele com menor risco de piora dos sintomas.
  1. RLS que não respondeu a outros tratamentos:
    Nível C: oxicodona/naloxona de liberação prolongada.
  1. Outros tratamentos para RLS:
    Nível U: gabapentina, ferro sucrose, oxicodona, clonazepan, bupropriona, clinidina, selênio, rifaximina, toxina botulínica, acido valproico, carbamazepina, valeriana.
  1. Abordagens não farmacológicas:
    Nível B: compressão pneumática;
    Nível C: espectroscopia no infravermelho próximo e estimulação magnética trasncraniana;
    Nivel C: pás vibratórias para sintomas relacionados ao sono;
    Nível C contraindicação: pás vibratórias para sintomas relacionados à RLS; estimulação transcraniana por corrente direta para sintomas de RLS;
    Nível U: acupuntura.
  1. RLS em pacientes com ferritina ≤75 mg/L:
    Nível B: sulfato ferroso com vitamina C.
  1. RLS em pacientes com doença renal em estagio terminal em hemodiálise:
    Nível B: suplementação de vitaminas C e E;
    Nível C: ropinirole, levodopa ou exercício;
    Nível U: gabapentina, ferro dextran intravenoso.

Concluindo, a possibilidade de RLS deve ser sempre investigada em qualquer paciente com queixas de insônia e má qualidade do sono, em especial nas populações de maior risco. Fatores agravantes devem ser sempre pesquisados. E seu tratamento deve ser sempre considerado.

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Referências:

  • ALLEN, R. P., et al. Restless legs syndrome/Willis-Ekbom disease diagnostic criteria: updated International Restless Legs Syndrome Study Group (IRLSSG) consensus criteria – history, rationale, description, and significance. Sleep Medicine, v. 15, p. 860-873, 2014.
  • FRÖHLICH, A. C. et al. Brazilian consensus on guidelines for diagnosis and treatment for restless legs syndrome. Arq Neuropsiquiatria, v. 73(3), p. 260-280, 2015.
  • WIJEMANNE, S.; JANKOVIC, J. Restless legs syndrome: clinical presentation diagnosis and treatment. Sleep medicine, v. 16, p. 678-690, 2015.
  • WINKELMAN, J. W., et al. Practice guideline summary: Treatment of restless legs syndrome in adults: Report of the Guideline Development, Dissemination, and Implementation Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology, v. 87, p. 1-9, 2016

No mês de novembro a American Academy of Neurology (AAN) divulgou suas recomendações para o tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas (RLS, do inglês Restless Legs Syndrome) em adultos. Mas você sabe o que é a RLS?

A RLS, ou doença de Willis-Ekbom, é um distúrbio do movimento, decorrente de alterações na integração sensoriomotora e caracterizado pela urgência de movimentar as pernas e braços, em geral, em resposta a uma disestesia desagradável. É mais frequente em mulheres com mais idade. E seus sintomas são mais comumente bilaterais. No entanto, sua expressão é influenciada por fatores genéticos, ambientais e médicos (exemplo: inibidores seletivos e não seletivos da recaptação de serotonina).

A RLS pode apresentar-se menos de uma vez no mês ou diariamente, com os sintomas podendo remitir por vários períodos de tempo. Sua intensidade também pode variar de leve a debilitante. RLS pode ser classificada como primária ou secundária de acordo com sua origem. Os casos de RLS secundária são atribuídos a comorbidades como deficiência de ferro, doença renal em estágio terminal e gestação. A maioria dos pacientes com RLS também apresenta Movimentos Periódicos dos Membros do Sono (PLMS, do inglês Periodic Limb Movements of Sleep). Entre as principais consequências da RLS estão o comprometimento do sono e a qualidade de vida, ansiedade e depressão.

Leia mais: ‘Enxaqueca: evidências do que fazer (e do que não fazer)’

Enquanto em populações europeias e americanas a frequência é de cerca de 2 a 3%, um estudo brasileiro estima sua prevalência em 6,4% em nosso país. No entanto, a despeito de seu impacto, a RLS ainda é subdiagnosticada.

O diagnóstico da RLS é clinico e baseia-se na presença de cinco critérios:

  1. Uma urgência para mover as pernas usualmente, mas nem sempre, acompanhada de (ou com a impressão de ter sido causada por) sensação desconfortável e desagradável nas pernas.
  2. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha começa ou piora durante períodos de repouso ou inatividade tais como deitar ou sentar.
  3. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha é parcialmente ou totalmente aliviada pelo movimento como caminhada ou alongamento, pelo menos durante a continuidade da atividade.
  4. A urgência para mover as pernas e qualquer sensação desagradável que a acompanha durante o repouso ou inatividade ocorre somente (ou é pior) à noite do que durante o dia.
  5. A ocorrência das características acima não é explicada apenas como um sintoma decorrente de outra condição médica ou comportamental (ex: mialgia, estase venosa, edema de pernas, artrites, câimbras nas pernas, desconforto posicional, pisada habitual).

Recomendações da AAN para RLS

Os parâmetros considerados em sua confecção levaram em consideração medidas relacionadas à RLS, à PLMS, diversos parâmetros objetivos e subjetivos relacionados ao sono, a sintomas psiquiátricos e à qualidade de vida. Foram feitas também observações quanto o potencial de aumento dos sintomas com agonistas dopaminérgicos e valvulopatia cardíaca com altas doses de carbegolina. E discutidas situações de RLS secundária.

A semelhança de outras publicações do tipo, os níveis de benefício aqui apresentados são descritos da seguinte forma:

Nível A: forte evidência respaldando seu uso.
Nível B: evidência moderada respaldando seu uso.
Nível C: fraca evidencia respaldando seu uso.
Nível U: evidência insuficiente para respaldar seu uso.

Leia também: ‘Insônia Crônica: quando dormir é o melhor remédio’

Essas são as recomendações da AAN para RLS:

  1. RLS primária moderada a severa:
    Nivel A: pramipexole, rotigotine, carbegolida, gabapentina enacarbil;
    Nível B: ropinirole, pregabalina, carboximaltose férrica intravenosa;
    Nível C: levodopa.
  1. RLS primária em que se deseja também melhorar a qualidade do sono:
    a. Quando o alvo são os movimentos periódicos das pernas:
    Nível A: ropinirole;
    Nível B: pramipexol, rotigotine, carbegolina, pregabalina;
    Nível C: levodopa;
    Nível U: gabapentina enacarbil, carboximaltose férrica intravenosa, ferro sucrose.
    b. Quando o alvo são outros parâmetros objetivos da qualidade do sono:
    Nivel B: ropinirole, gabapentina enacarbil, pregabalina;
    Nível U: pramipexole, rotigotine, carbegolina, levodopa.
    c. Quando o alvo são as medidas subjetivas da qualidade do sono:
    Nível A: carbegolina e gabapentina enacarbil;
    Nível B: ropinirole, pramipexole, pregabalina;
    Nivel B e C: rotigotine;
    Nível C: levodopa;
    Nível U: carboximaltose férrica.
  1. RLS em que se deseja tratar sintomas psiquiátricos concomitantes:
    Nível B: ropinirole no contexto de ansiedade;
    Nível B: gabapentina encabarbil para alterações de humo de forma geral;
    Nível C: ropinirole no contexto de depressão;
    Nível C: pramipexol para depressão e ansiedade.
  1. RLS em que se deseja um agente associado à melhora da qualidade de vida:
    Nível B: ropinirole, pramipexol, carbgolina, gabapentina enacarbil, carboximaltose férrica intravenosa;
    Nível C: rotigotine, pregabalina;
    Nível U: levodopa.
  1. Para evitar piora relacionada à medicação:
    Nível C: preferir pregabalina ao pramipexol;
    Nìvel C: preferir carbegolina à levodopa;
    Nível U: dentre os agentes dopaminérgico qual aquele com menor risco de piora dos sintomas.
  1. RLS que não respondeu a outros tratamentos:
    Nível C: oxicodona/naloxona de liberação prolongada.
  1. Outros tratamentos para RLS:
    Nível U: gabapentina, ferro sucrose, oxicodona, clonazepan, bupropriona, clinidina, selênio, rifaximina, toxina botulínica, acido valproico, carbamazepina, valeriana.
  1. Abordagens não farmacológicas:
    Nível B: compressão pneumática;
    Nível C: espectroscopia no infravermelho próximo e estimulação magnética trasncraniana;
    Nivel C: pás vibratórias para sintomas relacionados ao sono;
    Nível C contraindicação: pás vibratórias para sintomas relacionados à RLS; estimulação transcraniana por corrente direta para sintomas de RLS;
    Nível U: acupuntura.
  1. RLS em pacientes com ferritina ≤75 mg/L:
    Nível B: sulfato ferroso com vitamina C.
  1. RLS em pacientes com doença renal em estagio terminal em hemodiálise:
    Nível B: suplementação de vitaminas C e E;
    Nível C: ropinirole, levodopa ou exercício;
    Nível U: gabapentina, ferro dextran intravenoso.

Concluindo, a possibilidade de RLS deve ser sempre investigada em qualquer paciente com queixas de insônia e má qualidade do sono, em especial nas populações de maior risco. Fatores agravantes devem ser sempre pesquisados. E seu tratamento deve ser sempre considerado.

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Referências:

  • ALLEN, R. P., et al. Restless legs syndrome/Willis-Ekbom disease diagnostic criteria: updated International Restless Legs Syndrome Study Group (IRLSSG) consensus criteria – history, rationale, description, and significance. Sleep Medicine, v. 15, p. 860-873, 2014.
  • FRÖHLICH, A. C. et al. Brazilian consensus on guidelines for diagnosis and treatment for restless legs syndrome. Arq Neuropsiquiatria, v. 73(3), p. 260-280, 2015.
  • WIJEMANNE, S.; JANKOVIC, J. Restless legs syndrome: clinical presentation diagnosis and treatment. Sleep medicine, v. 16, p. 678-690, 2015.
  • WINKELMAN, J. W., et al. Practice guideline summary: Treatment of restless legs syndrome in adults: Report of the Guideline Development, Dissemination, and Implementation Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology, v. 87, p. 1-9, 2016

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Cristiane Borges PatrocloCristiane Borges Patroclo
Medica neurologista ⦁ Mestre em neurologia ⦁ Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia ⦁ Equipe de neurologia do Hospital PróCardiaco

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