Infecção Urinária: 10 mitos do diagnóstico e tratamento

Existem muitas informações desencontradas sobre infecção urinária, que podem confundir os médicos. Veja os principais mitos.

Infecção urinária é um dos tipos mais comuns de infecção. O diagnóstico preciso e o tratamento adequado são fundamentais na recuperação do paciente, mas existem muitas informações desencontradas a respeito, que podem confundir os médicos. Veja abaixo os principais mitos e saiba como orientar seu paciente:

Mito: a urina é turva e tem um cheiro ruim. Meu paciente tem ITU.
Verdade: cor, clareza e odor da urina não devem ser utilizados isoladamente para diagnosticar a infecção ou iniciar o tratamento.

A inspeção visual de clareza da urina não é útil no diagnóstico em mulheres. O mau cheiro não é um indicador confiável de infecção em pacientes com cateter e, normalmente, varia de acordo com o estado de hidratação dos pacientes e concentração de ureia na urina.

Mito: bactérias estão presentes na urina. Meu paciente tem ITU.
Verdade: a presença de bactérias na urina no exame microscópico ou por cultura positiva sem sintomas não é uma indicação de infecção urinária, devido à possibilidade de contaminação e bacteriúria assintomática.

Sempre que possível, o diagnóstico de infecção urinária deve ser baseado em sintomas clínicos e confirmado por microscopia e cultura de urina. Contagem de colônia não deve ser utilizada para orientar o tratamento em doentes assintomáticos. Em mulheres sintomáticas, a contagem de colônias de > 102 ufc/mL são clinicamente significativas. Nos homens sintomáticos, a contagens de colônias > 102 ufc/mL são clinicamente relevantes para o diagnóstico.

Mito: a amostra de urina do meu paciente tem > 5 células epiteliais escamosas por campo e a cultura é positiva. Porque a cultura é positiva, posso ignorar a contagem de células epiteliais e tratar a ITU.
Verdade: uma boa amostra tem menos de 5 células epiteliais por campo no exame de urina. Para amostras contaminadas, o médico deve ser considerar o recolhimento ou realizar cateterismo.

Mito: a urina tem leucócito esterase positivo. Meu paciente deve realizar cultura de urina, tem ITU e precisa de antibióticos
Verdade: urina com leucócito esterase positivo não deve ser utilizada isoladamente para apoiar o diagnóstico de infecção urinária ou iniciar a terapia antimicrobiana. Exames com cultura de urina de > 5 leucócitos/campo devem ser reavaliados pela sua utilidade na ausência de sintomas do paciente.

Um teste vareta de leucócito esterase tem alta sensibilidade e especificidade para a presença de piúria, no entanto, um leucócito esterase positivo por si só não é recomendado para o diagnóstico de ITU. Como falamos anteriormente, os sintomas são geralmente necessários para o diagnóstico; leucocitúrias ou bacteriúria por si só não são indicações para a terapia antimicrobiana.

Em raras ocasiões, um leucócito esterase negativo na presença de sintomas ainda pode levar a cultura de urina, caso haja suspeita clínica. Mais apropriadamente, nessa situação, o médico deve buscar indícios de uretrite, vaginite ou infecção sexualmente transmissível.

Veja também: ‘Mais evidências sobre efeito do cranberry na prevenção da infecção urinária’

Mito: meu paciente tem piúria. Ele deve ter ITU.
Verdade: a contagem de leucócitos não deve ser utilizada isoladamente para apoiar o diagnóstico de infecção do trato urinário ou iniciar a terapia antimicrobiana.

Em pacientes com neutropenia ou leucopenia, a contagem de leucócitos pode ser artificialmente baixa. Se os sintomas urinários estiverem presentes e existir suspeita de infecção, o laboratório deve ser contactado e uma ordem específica para cultura de urina feito.

As contagens de leucócitos limítrofes de 6-10 células/mL podem refletir o estado de hidratação do paciente. Por exemplo, pacientes com oligúria ou anúria, geralmente, têm algum grau de piúria. Leucócitos também podem ser vistos na presença de hematúria moderada.

Além disso, doenças não infecciosa, tais como insuficiência renal aguda, infecções sexualmente transmissíveis ou cistite não infecciosa a partir da presença de um cateter na bexiga, podem resultar em piúria.

Mito: A urina tem presença de nitratos. Meu paciente tem ITU.
Verdade: nitratos na urina não devem ser utilizados isoladamente para diagnóstico ou terapia.

Nitrato na urina tem uma alta taxa de positivo para bacteriúria, mas como falamos, bacteriúria não define uma ITU clinicamente significativa. O diagnóstico de infecção urinária deve ser considerado em um paciente com nitrato elevado na urina na presença de sinais e sintomas clínicos.

Mito: todos os resultados de bactérias em uma amostra de urina cateterizada devem ser diagnosticados como ITU.
Verdade: praticamente 100% dos pacientes com um cateter foley são colonizados com 2 a 5 organismos. A contagem de colônias define bacteriúria, mas deve ser analisada em um contexto clínico para o diagnóstico de ITU.

Quase 100% dos pacientes com cateter tinham bacteriúria e 77% eram polimicrobiana. O intervalo médio entre episódios de bacteriúria com novos organismos foi de 1,8 semanas. Bacteriúria e piúria em pacientes cronicamente cateterizados devem ser tratadas apenas na presença de sinais e sintomas de infecção, quando avaliáveis (por exemplo, febre, leucocitose, dor suprapúbica e maciez). Piúria ou bacteriúria por si só não são indicações para a terapia antimicrobiana.

Embora os antibióticos possam retardar o início de bacteriúria em pacientes cateterizados, em última análise, essa estratégia é mais indicada para micro-organismos resistentes. Profiláticos anti-infecciosos não são recomendados para pacientes com cateteres crônicos, mas podem ser considerados para uso a curto prazo (não mais de 2 semanas), para atrasar o início da bacteriúria em casos selecionados, onde os benefícios da profilaxia superam os riscos.

Mito: pacientes com bacteriúria irão progredir para uma infecção urinária e, portanto, devem ser tratados.
Verdade: bacteriúria não estabelece um diagnóstico de ITU. Terapia antimicrobiana não deve ser iniciado em pacientes assintomáticos.

A prevalência de bacteriúria em pacientes idosos, internados, sem cateteres permanentes, varia de 25 a 50% para as mulheres e 15 a 49% para homens, e aumenta com a idade. Bacteriúria e piúria em idosos são condições esperadas.

Infecção urinária sintomática é, substancialmente, menos comum do que bacteriúria assintomática. Esta não foi associada a resultados negativos a longo prazo, tais como pielonefrite, sepse, insuficiência renal ou hipertensão.

Piúria, leucócitos esterase ou nitrato, individualmente, acompanhados de bacteriúria assintomática não são, necessariamente, uma indicação para tratamento. Algumas exceções incluem: gravidez e qualquer procedimento urológico com sangramento, como a colocação de stent no trato urinário.

Evidências recentes sugerem que em mulheres mais jovens com ITU recorrente, a bacteriúria pode ser “protetora” para futuras infecções urinárias com organismos mais patogênicos.

Lembrando que o uso excessivo de antibióticos leva à resistência aos medicamentos e efeitos colaterais.

Mito: quedas e alterações do estado mental em pacientes idosos são, geralmente, causadas por infecção do trato urinário.
Verdade: alterações do estado mental e quedas em idosos são causados por muitos fatores. Evidências (febre, leucocitose) ou outros sinais e sintomas de infecção do trato urinário, especialmente disúria, devem estar presentes para fazer o diagnóstico em pacientes sem cateter. Os sintomas de infecção em pacientes cateterizados são, obviamente, mais difíceis de avaliar.

Pacientes idosos com alterações no estado mental acompanhadas por bacteriúria e piúria, sem instabilidade clínica ou outros sinais ou sintomas de infecção urinária, podem ser observados por 24 a 48h sem antibióticos, enquanto outras causas de confusão são investigadas. Em todos os pacientes idosos, alterações no estado mental e declínio funcional são manifestações clínicas de várias circunstâncias, incluindo desidratação, hipóxia e reações adversas à  polifarmácia. O diagnóstico de ITU deve ser correlacionado com outros sinais de inflamação sistêmica.

No paciente sem cateter, alterações agudas no estado mental são associadas com bacteriúria mais piúria, em pacientes com suspeita clínica de ITU. No entanto, essas duas descobertas são vistas também frequentemente em pacientes idosos com bacteriúria assintomática. Atribuir o estado mental alterado à bacteriúria pode resultar em incapacidade de identificar a verdadeira causa.

Quedas sem identificação de sintomas urinários não foram associados com bacteriúria e piúria.

Idosos doentes, especialmente aqueles com demência ou cateteres foley, têm altas taxas de bacteriúria. O diagnóstico da infecção/sepse de uma fonte urinária com bacteriúria assintomática não é recomendado, a menos que outras fontes de infecção sejam excluídas, e os doentes atendam aos critérios de suspeita de infecção urinária. O diagnóstico no paciente cateterizado deve sempre ser de exclusão por investigar outras causas de alteração do estado mental.

E mais: ‘Infecção urinária em crianças: demora no tratamento gera cicatrizes renais’

Mito: cândida na urina, principalmente em pacientes com cateteres vesicais de demora, indica uma candidúria e precisa ser tratada.
Verdade: a ocorrência de candidúria no paciente cateterizado é comum, especialmente na UTI, e, na maioria das vezes, reflete colonização ou infecção assintomática. O tratamento de cândida na urina deve ocorrer apenas em situações raras, tais como sinais e sintomas claros de infecção e nenhuma fonte alternativa de infecção. O tratamento de candidúria assintomática em pacientes não neutropênicos cateterizados não demonstrou ser eficaz.

“Tratamento” de candidúria  deve, primeiro, incluir a substituição/remoção de instrumentos do trato urinário.

Exceto em destinatários selecionados de maior risco de transplante, ou hospedeiros imunocomprometidos que receberam esteroides, ou cenários clínicos para pacientes com alto risco de candidíase sistêmica, candidúria tem uma baixa incidência de complicações sistêmicas e observação conservadora é, geralmente, indicado.

O isolamento de cândida na urina de pacientes sem cateter deve levantar preocupações sobre contaminação externa ou vaginal. Se uma amostra confiável é, repetidamente, obtida com cândida e o paciente é sintomático, a consideração de tratamento antifúngico pode ser justificada.

Usando dados clínicos de histórico e de laboratório, além de compreender as evidências por trás desses mitos comuns, os profissionais de saúde serão mais capazes de fazer um diagnóstico preciso. Isso resultará em aumento da segurança dos pacientes e diminuição dos custos de cuidados de saúde.

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