Embora pouco conhecido, o dia 27 de setembro é o Dia Nacional da Doação de Órgãos. Instituída em 2007, a comemoração da data visa conscientizar a sociedade sobre a importância da doação de órgãos e, ao mesmo tempo, promover o debate sobre o tema.
Diante de um potencial doador, além das medidas para diagnóstico de morte encefálica e de suporte para manutenção dos múltiplos sistemas do indivíduo, é importante que a equipe assistencial avalie o risco potencial de presença de doença infecciosa. Embora nem todas as infecções contraindicam o transplante, uma análise criteriosa deve ser feita como parte dos procedimentos de avaliação do doador.
Avaliação clínica
Inicialmente, deve-se buscar, por meio de história clínica e exame físico, descartar a possibilidade de doenças transmissíveis. Revisão de prontuário, com atenção para doença da história atual, comorbidades prévias conhecidas e comportamentos ou hábitos que possam configurar risco de doença infecciosa. O exame físico também pode oferecer pistas sobre a necessidade de solicitação de exames de rastreio, como a presença de sinais de punição por uso de drogas ilícitas.
Exames complementares
Além de exames gerais e órgãosespecíficos, segundo as Diretrizes para avaliação e validação do potencial doador de órgãos em morte encefálica, alguns exames são considerados obrigatórios na avaliação do potencial doador.
Para o diagnóstico de infecções transmissíveis por via parenteral, recomenda-se a realização das seguintes sorologias:
- anti-HIV
- anti-HTLV 1 e 2
- HBsAg
- anti-HBc
- anti-HBs
- anti-HCV
- VDRL e teste treponêmico
Outras sorologias, como as para doença de Chagas e toxoplasmose, também são consideradas obrigatórias, pelo potencial de transmissão por sangue e tecidos, especialmente no transplante de órgãos-alvo dessas doenças, como o transplante cardíaco. Outras sorologias são importantes para determinar o status do doador e direcionar a avaliação de risco e guiar terapias profiláticas no receptor, como anti-CMV e anti-EBV. Conforme suspeição clínica ou localização geográfica, outras doenças devem ser pesquisadas, como malária em indivíduos de regiões endêmicas.
Recomenda-se também a realização de ao menos duas hemoculturas e de urinocultura no potencial doador. Se houver suspeita de infecção em outro local, material adequado deve ser coletado e enviado para cultura.
A presença de infecção bacteriana ativa não é contraindicação absoluta para a doação de órgãos, mas é necessário que o doador esteja em tratamento adequado e com infecção controlada no momento da captação.
Contraindicações ao transplante
A presença de algumas doenças infecciosas é considerada como contraindicação à doação de órgãos. São elas:
- Infecção pelo HIV
- Sorologia positiva para HTLV I e II
- Hepatite viral aguda
- Tuberculose em atividade
- Malária
- Infecções virais agudas
- Meningoencefalites virais, criptocócicas ou de causa desconhecida
- Doenças priônicas
- Covid-19
- Infecções fúngicas invasivas sistêmicas
Conforme nota técnica da Anvisa, doadores com diagnóstico confirmado de Covid-19 ou com síndrome respiratória aguda grave sem causa definida apresentam contraindicação absoluta para doação de órgãos e tecidos e não podem ser validados. Doadores com infecção há mais de 28 dias, que haviam tido regressão completa dos sintomas, e com novo teste diagnóstico negativo podem ser considerados, sendo essa condição classificada como uma contraindicação relativa.
Casos de sepse bacteriana somente configuram contraindicação à doação quando considerada não controlada clinicamente. Um potencial doador que se encontre em tratamento há pelo menos 48h e com estabilidade hemodinâmica ou com diminuição no uso de vasopressores pode ser validado. Nesses casos, o receptor deve receber tratamento antibiótico, preferencialmente guiado por identificação de espécie e por teste de suscetibilidade a antimicrobianos. Com isso, comunicação efetiva entre laboratório, equipe assistencial e equipe transplantadora é essencial para que resultados de culturas sejam conhecidos e orientem as condutas.
Sorologias positivas para sífilis não contraindicam transplante, mas o receptor deve ser tratado após o procedimento. Nos casos de evidência de doença de Chagas ou toxoplasmose, realização de profilaxia no receptor deve ser considerada.
Para os casos de infecção por HBV ou HCV, pode-se considerar a doação de alguns órgãos – notadamente rim ou fígado – para receptores infectados pelos mesmos vírus. Nesses casos, a utilização do órgão fica a critério da equipe, levando em consideração a urgência do procedimento e o risco para o receptor. Mais recentemente, o uso de antivirais de ação direta vem sendo estudado como forma de permitir a doação de órgãos de doadores HCV positivos para receptores HCV negativos.
A prática de doação de órgãos é um tema que deve ser amplamente divulgado e debatido. Pacientes devem ser orientados a discutirem o tema com seus familiares e deixarem claro sua preferência. Ao mesmo tempo, as equipes devem ser treinadas a reconhecer potenciais doadores, a realizar os procedimentos de notificação necessários e a acolher as famílias envolvidas.
Referências bibliográficas
- Westphal, GA, Garcia, VD, Souza, RL, et al. Diretrizes para avaliação e validação do potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev. bras. ter. intensiva 28 (3) Jul-Sep 2016 https://doi.org/10.5935/0103-507X.20160049
- Brasil. Ministério da Saúde. NOTA TÉCNICA Nº 25/2020-CGSNT/DAET/SAES/MS. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/26/Nota-Tecnica-Criterios-Tecnicos-para-triagem-clinica-do-coronavirus-SARS-MERS-SARS-CoV-2-candidatos-a-transplantes.pdf