2º passo do ciclo de tomada de decisão baseada em evidências: formulação da pergunta clínica estruturada PICO

O 2º passo do ciclo de tomada de decisão baseada em evidências consiste na “formulação de uma pergunta clínica estruturada PICO”. Saiba mais em nosso artigo.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

O 2º passo do ciclo de tomada de decisão baseada em evidências que consiste na “formulação de uma pergunta clínica estruturada PICO”, conecta o campo das relações (onde se dá o encontro médico-paciente) ao campo das informações (onde estão as evidências científicas).

Dar esse passo sem o primeiro (delineamento do problema), no qual são definidas as prioridades e necessidades de informação, é um dos erros que leva a uma série de atitudes que não ajudam a resolver os problemas clínicos que afligem os pacientes, muitas vezes gerando danos e custos desnecessários.

O conhecimento médico acerca das condições clínicas é variável. Quando iniciamos nossa formação na universidade temos muita demanda por conhecimentos básicos de fisiologia, fisiopatologia, bioquímica etc. e pouca demanda de conhecimentos sobre problemas clínicos originários de encontros com pacientes. Nessa fase há pouca experiência clínica na prática médica e as necessidades de informação são inespecíficas e representadas por perguntas básicas não estruturadas.

Com o passar do tempo, aumenta a experiência clínica, com mais conhecimento sobre as doenças acumulado. Assim, as respostas para essas questões básicas passam a ser automáticas pois já há conhecimento sedimentado. Quanto maior o número de encontros com diferentes pacientes, maior passa a ser a demanda por informação específica, onde são mais frequentes as perguntas estruturadas PICO, que representam os problemas dos pacientes (Figura).

mbe

Segundo a estrutura PICO, P descreve detalhadamente a população ou paciente sob o cuidado, I a intervenção (terapêutica, diagnóstica ou prognóstica), C a comparação (intervenção opcional) e O (do inglês outcome) o desfecho clínico relevante.

Assim como ocorre com as ações clínicas no modelo PACT, cada pergunta estruturada PICO tanto se enquadra em um dos quatro domínios (diagnóstico, prognóstico, terapia e dano), quanto em uma das três categorias de problemas (probabilidade, performance e utilidade).

Mais do autor: ‘Medicina de Estilo de Vida – O que é? O que não é? Qual a sua importância?’

Imagine um atendimento a um paciente com dor torácica aguda numa emergência. Dependendo da experiência e conhecimento do médico várias perguntas podem surgir durante esse encontro. P.ex. ” – O que é angina?”; ” – Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?”; ” – Qual o risco de sangramento com o uso de trombolíticos no IAM?”; ” – Qual a mortalidade de um paciente com IAM em Killip 3?”; ” – Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade diagnóstico de IAM em pacientes atendidos na emergência com dor torácica aguda?”; etc.

Na pergunta: “- O que é angina?” não estão descritas características de pacientes, intervenções, opções de intervenções e nem desfechos. Essas é uma típica pergunta básica.

No caso da pergunta: ” – Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?” também não estão definidos os componentes de uma pergunta clínica estruturada PICO, caracterizando a como uma pergunta básica. No máximo, se admitirmos que faz-se menção a um paciente com IAM, essa seria uma pergunta clínica incompleta, apenas com o P.

Na pergunta: ” – Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade no diagnóstico de IAM em pacientes atendidos na emergência com dor torácica aguda?” já temos um P (pacientes atendidos na emergência com dor torácica), um I (troponina de alta sensibilidade) e um O (diagnóstico de IAM) bem definidos. Porém falta um C que no caso de perguntas no domínio do diagnóstico e categoria performance deve ser sempre o “padrão-ouro” de diagnóstico da doença em questão.

As demais perguntas não podem ser consideradas estruturadas pois estão incompletas como mostram os pontos de interrogação na tabela.

P

I

C

O

“- O que é angina?”

?

?

?

?

“- Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?”

pacientes com IAM; idade? delta T de dor? comorbidades?

?

?

?

“- Qual o risco de sangramento com o uso de trombolíticos no IAM?”

pacientes com IAM; idade? delta T de dor? comorbidades?

trombolíticos; (estreptoquinase? rTPA? Dose? tto associado?)

?

risco de sangramento; em quanto tempo?

“- Qual a mortalidade de um paciente com IAM em Killip 3 sem tratamento?”

paciente com IAM em Killip 3 sem tratamento;

primeiras 24h de apresentação?

em um ano?

mortalidade

“- Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade no diagnóstico do IAM em pacientes com dor torácica aguda?”

pacientes com precordialgia (idade?, local de atendimento?)

troponina de alta sensibilidade (delta T?)

(padrão-ouro no diagnóstico do IAM)?

acurácia no diagnóstico do IAM (sensibilidade, especificidade, RV+ e RV-)

P-paciente/população; I-intervenção (terapêutica, diagnóstica ou prognóstica) ou fator ambiental/comportamental; C-alternativas (quando aplicáveis); O-probabilidades dos diagnósticos diferenciais; acurácia de intervenções diagnósticas para determinada doença; desfechos clínicos relevantes (desejáveis ou não / para o paciente ou para o sistema de saúde / mensurados, preditos ou comparados (entre I e C).

A formulação da pergunta estruturada só é possível se houver admissão de um “gap” de conhecimento e da necessidade de informação, cujo reconhecido é fruto do processo social de interação entre os diferentes participantes do processo de tomada de decisão em saúde (pacientes, médicos, demais profissionais de saúde, gestores, etc).

Na prática, a atenção reflexiva com análises detalhadas da narrativa do contexto (desde o caso clínico isolado até o complexo fluxo de atendimento de pacientes num sistema de saúde), serve de base para a formulação da pergunta estruturada. A representação visual desse processo crítico através de um texto descritivo, um desenho de organogramas ou fluxogramas, facilita a identificação da necessidade de informação e portanto a própria formulação da pergunta com o detalhamento dos seus diferentes componentes P,I,C e O.

Uma vez formulada, a pergunta estruturada pode ser devidamente enquadrada num dos 4 os domínios de ação (diagnóstico, prognóstico, terapia ou dano) e numa das três categorias de problemas (probabilidade, performance ou utilidade).

Tendo o caso clínico do artigo anterior como exemplo, para a questão que preocupava a paciente em relação ao risco de morte ao ser submetida ao ecocardiograma de estresse, temos uma pergunta estruturada representando essa necessidade de informação, da seguinte forma:

P – mulher, adulta jovem, atendida no consultório com probabilidade intermediária de coronariopatia obstrutiva, (obesa, sem outras doenças, sem dor torácica, angina ou equivalente anginoso + teste ergométrico sugerindo isquemia miocárdica a partir de um discreto infradesnível de ST (1 mm) em D2,D3 e aVf, no pico do esforço).
I – ecocardiograma de estresse com dobutamina segundo protocolo específico
C – não se aplica
O – dor ou desconforto durante o exame, arritmias ou hipertensão grave, infarto do miocárdio, parada cardíaca ou morte relacionados à infusão da dobutamina.

Assim, apenas após se formular uma pergunta estruturada PICO, a partir do seu contexto de tomada de decisão, é que se pode ter juízo de valor em relação à aplicabilidade de uma evidência científica específica (5o passo), através da comparação entre os componentes da sua pergunta e os componentes da pergunta da evidência (artigo científico, revisão sistemática ou uma diretriz/guideline).

É médico e também quer ser colunista da PEBMED? Clique aqui e inscreva-se!

Referências:

  • SILVA, S. A.; CHARON, R.; WYER, P. C. The marriage of evidence and narrative: scientific nurturance within clinical practice. J Eval Clin Pract, v. 17, n. 4, p. 585-93, Aug 2011.
  • SILVA, S. A.; WYER, P. C The Roadmap: a blueprint for evidence literacy within a Scientifically Informed Medical Practice and Learning Model European Journal for Person Centered Healthcare Vol 1 Issue 1 pp 53-68

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.