A ciência no divã: como prever o constante aparecimento de doenças por novos vírus?

A cada nova década observamos novos vírus e a emergência de novas doenças epidêmicas ou pandêmicas. Mesmo com os inúmeros avanços, a ciência é limitada.

A cada nova década observamos novos vírus e a emergência de novas doenças epidêmicas ou pandêmicas. Porém, mesmo com os inúmeros avanços, a ciência é limitada quanto as previsões sobre a evolução viral e o surgimento de novas partículas com potencial patogênico.

As novas epidemias de doenças virais nas últimas décadas, como as síndromes respiratórias pelos vírus SARS-CoV, MERS-CoV, Covid-2019, H1N1 (“gripe suína”), H5N1 (“gripe aviária”) e as febres hemorrágicas em diferentes regiões do mundo, reforçam a necessidade de compreensão dos mecanismos envolvidos no aparecimento de novas doenças.

imagem digitalizada de novos vírus

Novos vírus

Considera-se que, em torno de 4404 espécies de vírus já foram descritas e classificadas na história da ciência, mas representam apenas 0,005% da “virosfera”. Isto é, em torno de 8,7 milhões (99,995%) dos vírus existentes na natureza estão para ser descobertos. Um conceito é consensual: “o processo de emergência de novas doenças é sinônimo de transmissão de vírus entre espécies para novos hospedeiros”.

E quais mecanismos contribuem para o surgimento de novas partículas e à adaptabilidade a novos hospedeiros? Pontuamos as principais forças que condicionam a esses fenômenos:

1.  Mutações por flexibilidade gênica ou seleção natural 

Os erros comuns na replicação viral e ausência de sistemas de reparo efetivos pelas células hospedeiras contribuem para as variações genotípicas e à formação de partículas virais com componentes estruturais novos, e possível maior virulência. Mediante tais alterações, ainda permanece obscura a previsão quanto a seleção natural de partículas virais com mutações específicas novas mediante o amplamente diversificado processo adaptativo a um novo hospedeiro e ao ambiente.

Por exemplo, as tentativas de elaboração de vacinas contra a influenza baseadas na previsão de tipos circularão em determinado período permanecem em constante fracasso devido as limitações naturais de controle do processo multifatorial de evolução viral e adaptabilidade a hospedeiros e ao ambiente. As taxas de recombinações não parecem ser definidoras de maior variabilidade entre os vírus.

Mais do autor: Mais um novo coronavírus: como esses vírus são transmitidos aos humanos?

2. Genomas virais baseados em RNA

Sabe-se que os sistemas de reparo das células hospedeiras são direcionados à replicação de DNA de dupla fita, e não para moléculas do tipo RNA. Dessa forma, é esperado que vírus RNA apresentem maior número de mutações (taxas mutacionais de 0,1. a 1,0 mutações por replicarão genômica), e consequente formação de novas estruturas virais, do que os vírus cujo genoma consiste em DNA com dupla fita. O mesmo ocorre para partículas virais com genoma composto de DNA fita simples, em comparação àquelas com DNA fita dupla.

3. Resistência aos antivirais

As previsões são mais efetivas quando a seleção é direcionada e limitada a poucos genes específicos, como aqueles relacionados aos mecanismos de susceptibilidade/resistência aos antivirais. Nesses casos, espera-se o surgimento dessas mutações e é possível a vigilância quanto a emergência de mutações que resultam em resistência às drogas. A ocorrência de resistência aos antivirais permite a persistência de determinados tipos virais frente aos susceptíveis.

4. Infecção de diferentes hospedeiros

Considera-se que os vírus que infectam diferentes hospedeiros, como os arbovírus, são submetidos à maior pressão seletiva do que aqueles transmitidos por outras rotas, limitando a adaptabilidade e, provavelmente a sustentação de uma cadeia de transmissibilidade para novos hospedeiros. Os vírus que não dependem de vetores ou inúmeros hospedeiros parecem ter maior possibilidade de persistência em populações .

5. Perturbação ecológica

Os distúrbios ecológicos, mudanças climáticas, assim como o maior contato com o ambiente silvestre, tem minimizado a distância entre hospedeiros silvestres e os seres humanos, facilitando a transmissão direta dos mais diversos vírus enzoóticos para a população humana. Um exemplo desse fenômeno ocorre com o reconhecimento dos morcegos como hospedeiros de coronavírus, filovírus, lyssavírus, paramyxovírus e hantavírus não conhecidos anteriormente. Sugere-se que ambientes silvestres, em todo o mundo, são hotspots que alimentam a força evolutiva para o surgimento de novas partículas virais.

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Conclusões

Dessa forma, pode-se esperar novas epidemias nos próximos anos por vírus previamente não descritos, o que ressalta a necessidade de novos estudos que permitam melhor prevenção ao surgimento de novas doenças virais. Outras informações sobre esses aspectos podem ser obtidos nas referências descritas abaixo.

Referências bibliográficas:

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  • Parvez MK, Parveen S. Evolution and Emergence of Pathogenic Viruses: Past, Present, and Future. Intervirology 2017;60:1–7
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