A Covid-19 aumenta o risco de infecções hospitalares?

Pacientes internados, especialmente em terapia intensiva, frequentemente desenvolvem infecções hospitalares. Com a Covid-19 não é diferente.

A pandemia causada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, continua a afetar todo o mundo com casos e mais casos de síndromes respiratórias agudas graves. Com elas, vem a necessidade de grandes números de leitos de enfermaria e unidades de terapia intensiva (UTI) para suporte adequado aos pacientes, o que nem sempre é possível de conseguir e acaba resultando no colapso de sistemas de saúde inteiros. Por esse motivo, as pesquisas continuam a todo vapor tentando, além de desenvolver vacinas e tratamentos, compreender mais sobre essa nova doença que continua sendo misteriosa em muitos aspectos.

Pacientes internados em hospitais, especialmente os críticos que se encontram em leitos de terapia intensiva, frequentemente desenvolvem infecções oriundas do próprio ambiente hospitalar. Logo, não seria surpresa esperar que o mesmo ocorresse às vítimas da Covid-19… Não fosse o fato de que, segundo as pesquisas, pacientes portadores dessa nova doença parecem desenvolver infecções nosocomiais com maior frequência que os demais.

Isso chamou a atenção de pesquisadores da área que, por sua vez, buscaram compreender quais são as taxas de infecção hospitalar presentes em UTI dedicadas ao tratamento da Covid-19 e quais eram os sítios e germes mais frequentemente envolvidos.

médicos acompanhando paciente com covid-19 e infecções hospitalares

Covid-19 e infecções hospitalares

Dada a dificuldade em realização de pesquisas, considerando que a Covid-19 é uma doença de surgimento recente, a maioria dos estudos sobre esse assunto são retrospectivos e, portanto, não geram o nível mais confiável de evidências. Existem algumas metanálises sobre a ocorrência de infecções secundárias em pacientes com Covid, porém a maioria se direciona a relacionar esses eventos adversos ao uso de alguns medicamentos (e não necessariamente a identificar a incidência e os patógenos envolvidos)¹.

Infecções bacterianas já foram relatadas com frequência em outras pandemias de síndromes respiratórias agudas como a do SARS-CoV e a Síndrome Respiratória do Mediterrâneo (MERS), o que nos faz presumir que o mesmo deve ocorrer na infecção pelo SARS-CoV-2¹.

Um estudo retrospectivo espanhol analisou as evoluções de 140 pacientes críticos pareados conforme idade e perfil de comorbidades em um grupo com Covid-19 e outro sem. Na análise estatística, 40% dos pacientes apresentaram alguma infecção bacteriana associada, a maioria delas cerca de nove dias após a admissão em leito de UTI.

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A primeira manifestação infecciosa mais comum foi bacteremia, o que bate com a estatística demonstrada na mesma pesquisa: as infecções mais comuns na população com Covid-19 eram as de corrente sanguínea, tanto primárias quanto secundárias ao uso de cateter central. Os germes mais comumente envolvidos nelas eram enterococos como o E. faecalis e o E. faecium, além de estafilococos coagulase-negativos. Em seguida no ranking vieram as infecções de vias aéreas inferiores, especialmente as pneumonias associadas ao ventilador, geralmente por agentes gram negativos como Pseudomonas¹.

Outro estudo retrospectivo publicado no periódico Intensive Care Medicine, realizado em unidades de cuidados intensivos da França, estudou especificamente a incidência de infecções de corrente sanguínea nos pacientes com Covid-19. Nele, os resultados obtidos deixaram evidente que a taxa de infecção dos pacientes Covid-positivos era maior do que dos negativos e o risco de infecção aumentava consideravelmente após o 7º dia de internação na UTI. Aqui também os germes mais comumente isolados foram enterococos e outras bactérias de origem intestinal, corroborando as evidências do estudo espanhol que citamos anteriormente².

Em mais da metade dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, as infecções hospitalares sobrepostas evoluíram para choque séptico, o que significa a forma mais grave da sepse com instabilidade hemodinâmica e necessidade de drogas vasoativas. Além disso a mortalidade geral desses pacientes no estudo espanhol foi de 36%, o que é alta mesmo para estatísticas de cuidados intensivos¹.

Fatores de risco

Através desses estudos, foi possível identificar alguns fatores de risco úteis na prática clínica. O uso de antibióticos logo na admissão da UTI, como ceftriaxona e azitromicina por exemplo, aparentemente aumentou a incidência de infecções nosocomiais nos demais dias da internação. Isso é importante pelo fato de que ceftriaxona e azitromicina são fortemente indicados na abordagem inicial dos casos de Covid-19, mas apenas até a confirmação ou descarte de uma infecção bacteriana concomitante logo no início da doença. Muitas vezes, porém, a antibioticoterapia é mantida mesmo após a confirmação da síndrome respiratória viral, o que poderia resultar nesse aumento no risco de infecções bacterianas futuras na internação¹.

Já outros fatores de risco se apresentaram ainda mais fortemente associados à relação Covid-19 e infecções hospitalares. O uso de imunossupressores como corticoides¹ e o tocilizumabe² se mostrou um fator de risco importante, da mesma forma que o diabetes mellitus e um APACHE II score alto na admissão na UTI (já bem estabelecido em evidências como preditor de mortalidade nos cuidados intensivos)¹.

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Mecanismos fisiopatológicos

Como ressalta o New England Journal of Medicine em sua seção do NEJM Watch que discute os dois artigos usados nesse texto, apesar dos fatores de risco identificados, não é possível estabelecer uma relação causal entre nenhum desses elementos e a ocorrência de infecções secundárias no contexto da Covid-19. Considerando que as evidências são ainda jovens, muito precisa ser esclarecido sobre essa relação³.

A própria necessidade de leitos de terapia intensiva (o que é sinônimo de instabilidade clínica e uso de diversos dispositivos) associado ao longo período de internação, por si só, são capazes de explicar a alta incidência de infecções bacterianas secundárias nessa população. O que permanece a ser esclarecido, porém, é por que pacientes com o novo coronavírus apresentam taxas de infecções maiores que as dos demais pacientes. Imunossupressores como corticoides e o tocilizumabe (que não são comumente usados em outros contextos clínicos da terapia intensiva), com certeza são bons candidatos como explicação.

Além disso, as pesquisas mostram que o tempo de uso de cateteres centrais em pacientes Covid-positivos é maior que nos demais, o que aumentaria o risco de infecções de corrente sanguínea e corroboraria as evidências que mostramos antes². Os estudos apontam, também, que é comum que, na tentativa constante de prevenir a infecção transmitida por via aérea, a equipe de saúde assistente acabe dando menos atenção a outras formas de prevenção de infecção (como a troca de curativos ou dispositivos em tempo hábil, por exemplo)¹.

Alguns mecanismos relacionados à própria Covid-19 também são aventados como explicação. Sabe-se que uma marca da doença é justamente a linfopenia que, por sua vez, pode representar imunodepressão suficiente para deixar uma pessoa suscetível a outros agentes infecciosos. Além disso, a trombofilia é outra marca fisiopatológica dessa nova doença, muito bem demarcada na literatura médica.

Alguns estudos mostram que microinfartos intestinais podem acontecer em decorrência de coágulos na circulação mesentérica e esses, por sua vez, podem favorecer bacteremias e translocação bacteriana. Essa tem sido uma das explicações favoritas dos pesquisadores porque também explicaria o isolamento mais frequente de enterococos e outros germes intestinais nas hemoculturas desses pacientes².

Conclusões

Saber dessa estatística é importante para que as equipes assistentes se mantenham alertas e não percam o timing para o tratamento de infecções secundárias. Afinal, não só na Covid-19, a sepse é uma das maiores causas de morte intra-hospitalar e seu manejo oportuno pode mudar o desfecho de vários pacientes graves.

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Referências bibliográficas:

  1. BARDI, Tommaso; PINTADO, Vicente; GOMEZ-ROJO, Maria; ESCUDERO-SANCHEZ, Rosa; LOPEZ, Amal Azzam; DIEZ-REMESAL, Yolanda; CASTRO, Nilda Martinez; RUIZ-GARBAJOSA, Patricia; PESTAÑA, David. Nosocomial infections associated to COVID-19 in the intensive care unit: clinical characteristics and outcome. European Journal Of Clinical Microbiology & Infectious Diseases, [S.L.], v. 40, n. 3, p. 495-502, 3 jan. 2021. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s10096-020-04142-w.
  2. BUETTI, Niccolò; RUCKLY, Stéphane; MONTMOLLIN, Etienne de; REIGNIER, Jean; TERZI, Nicolas; COHEN, Yves; SIAMI, Shidasp; DUPUIS, Claire; TIMSIT, Jean-François. COVID-19 increased the risk of ICU-acquired bloodstream infections: a case⠳cohort study from the multicentric outcomerea network. Intensive Care Medicine, [S.L.], v. 47, n. 2, p. 180-187, 27 jan. 2021. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s00134-021-06346-w.
  3. GLUCK, Thomas. Secondary Infections in Patients with Severe COVID-19. 2021. Via NEJM Watch. Disponível em: https://www.jwatch.org/na53247/2021/03/01/secondary-infections-patients-with-severe-covid-19. Acesso em: 24 mar. 2021.

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