A interferência da hemólise nos ensaios laboratoriais de troponinas

As troponinas cardíacas de alta sensibilidade, no contexto da síndrome coronariana aguda, trouxe ganhos no manejo dessa patologia. Saiba mais.

A introdução das troponinas cardíacas de alta sensibilidade, no contexto da síndrome coronariana aguda (SCA), trouxe um ganho extraordinário no modo de como manejamos essa patologia. Ao trazer melhoras no desempenho analítico, diminuindo a imprecisão e o limite inferior de detecção, a utilização desse biomarcador é um dos principais pilares para o diagnóstico (ou de sua exclusão), estratificação de risco, prognóstico e monitorização do tratamento.

troponinas

Considerações importantes

Existem diversos kits diagnósticos aprovados para a determinação quantitativa das troponinas I e T, que utilizam metodologias distintas (ex.: quimioluminescência, eletroquimioluminescência), cada qual com suas características analíticas, interferentes e limitações. Comercialmente, a troponina I (TnI) é a mais disponível, já que apenas um fabricante disponibiliza o ensaio para a avaliação da troponina T (TnT). 

Cada kit diagnóstico/fabricante utiliza determinadas sequências de aminoácidos para o desenvolvimento de seus ensaios e, dessa forma, os resultados quantitativos obtidos em kits diferentes não possam ser comparados entre si, sob pena de interpretações equivocadas.

Os fabricantes vêm aprimorando os ensaios para a troponina, tornando-os altamente sensíveis. Esses kits de nova geração, ao possibilitar uma diminuição do ponto de corte, obtiveram um aumento da sensibilidade analítica, o que gerou, por conseguinte, um alto valor preditivo negativo (VPN) para a SCA. Dessa forma, um resultado negativo de troponina de alta sensibilidade, em conjunto com dados clínicos e de outros exames complementares não característicos, indicam a exclusão do diagnóstico.

Entretanto, um resultado positivo nem sempre confirma o diagnóstico. A elevação da troponina não é exclusividade da SCA, já que existem outras causas bem estabelecidas que podem cursar com um aumento de seus níveis (ex.: trauma, sepse, insuficiência renal, tromboembolismo pulmonar, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva, peri/miocardites, dentre outros). 

A hemólise

As concentrações das troponinas, assim como todo exame laboratorial, estão sujeitas à diversas inadequações das fases pré-analítica, analítica e pós-analítica. Dentre os principais interferentes, podemos citar a hemólise (ruptura das membranas dos eritrócitos), fibrina, lipemia intensa e anticorpos heterófilos (ex.: contra imunoglobulinas animais). 

A hemólise, do grego hemo (sangue) e lyse (ruptura), é uma alteração que pode ser observada após a centrifugação da amostra, onde uma coloração avermelhada (devido a presença de hemoglobina) pode ser percebida visualmente e, em alguns aparelhos, medida, na parte líquida do sengue (plasma ou soro).

Podemos dividir a hemólise em 2 subtipos: in vitro e in vivo. A que ocorre in vitro é a responsável por grande parte dos erros pré-analíticos existentes atualmente e, dessa forma pode ser evitada/mitigada. Sua fisiopatogenia está ligada ao extravasamento de componentes intracelulares dos eritrócitos para o líquido extracelular.

Ela pode ser causada por problemas durante a coleta (agulha de calibre inadequado, dificuldade de punção, coleta em um cateter periférico ou central, vácuo exagerado com o êmbolo da seringa, etc.) ou após a coleta (pressionar vigorosamente o êmbolo quando da transferência do sangue para o tubo de coleta, agitação excessiva do tubo, transporte inapropriado, velocidades excessivamente altas de centrifugação, extremos de temperaturas, dentre outros).

Já a hemólise in vivo é bem menos comum, decorrente de condições intra ou extravasculares – hereditárias, adquiridas ou iatrogênicas e, desse modo, apesar de sua relevância, pode ser mais difícil de ser identificada.

O efeito da hemólise pode gerar interferência não só à troponina, como também em outros ensaios, por exemplo: fosfatase alcalina (FA), aspartato aminotransferase (AST/TGO), aldolase, lactato desidrogenase (LDH), potássio, magnésio, fósforo, creatinoquinase (CK), insulina, dentre outros parâmetros.

O desafio da hemólise na quantificação das troponinas

Uma das grandes dificuldades sobre a interpretação da interferência da hemólise nesse biomarcador é que, a depender do tipo de troponina dosada (I ou T), o efeito pode ser o oposto. Quando utilizamos o ensaio da troponina I de alguns fabricantes, a hemólise pode levar a falsas elevações de suas concentrações.

Já na dosagem da troponina T, proveniente de um fabricante diferente, o efeito dessa interferência é negativo. As proteases que são liberadas após o rompimento das hemácias podem levar a uma degradação da troponina T, diminuindo assim falsamente os seus níveis. Cumpre observar que essa interferência (seja positiva ou negativa) causada pela hemólise, é ainda maior nas dosagens de troponinas de alta sensibilidade.

Mensagem final

A SCA é uma das principais causas de morbi-mortalidade no mundo, e as troponinas de alta sensibilidade possuem um papel chave no manejo dessa doença. Os erros pré-analíticos (em grande parte causados pela hemólise), atualmente, são os responsáveis pela maior proporção de erros laboratoriais, ocasionando interferências significativas na dosagem das troponinas. 

Faz-se imperativo, por parte dos Laboratórios Clínicos, a elaboração de protocolos rígidos de rastreabilidade, recebimento e triagem de amostras, com treinamento periódico da equipe para a identificação preliminar de eventuais não conformidades. Adicionalmente, é relevante que o laboratório investigue, sob diversos graus de hemólise, a intensidade com que os resultados do seu kit de troponinas é afetado.

Leia também: Tratamento antitrombótico na síndrome coronariana aguda

Quanto aos médicos solicitantes, ao interpretar um resultado de exame laboratorial, devem ter sempre em mente os possíveis interferentes e limitações das técnicas, bem como seus efeitos no resultado final. Para isso, um contato estreito e permanente deve ser feito entre os médicos assistentes e o Laboratório Clínico, na pessoa do médico patologista clínico.

Referências bibliográficas:

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  • SBPC/ML. Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): fatores pré-analíticos e interferentes em ensaios laboratoriais. 1.ed. Barueri: Manole; 2018.

 

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