A perícia do alegado erro médico – Medicina Legal e Perícias Médicas

Na atividade médica pericial tratar das questões relacionadas ao erro de conduta profissional é seguramente um dos trabalhos de maior complexidade.

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Na atividade médica pericial tratar das questões relacionadas ao erro de conduta profissional é seguramente um dos trabalhos de maior complexidade. A produção de provas para subsidiar as decisões dos tribunais relativas à Medicina e ao exercício profissional, portanto de interesse específico da ciência médica e particularmente de uma classe, fornece os contornos da Jurisprudência Médica.

Os processos de alegação de erro médico detêm maior especificidade e alto teor e volume de matéria técnica, diferenciando-se dos demais inclusive na perícia.

Nestas questões, o controverso aloca-se à verificação da existência da culpa dos profissionais médicos ou da saúde, os subsídios para a produção da prova são outros e o conjunto probatório também, não guardando qualquer semelhança com as perícias de Valoração do Dano Corporal ou com as perícias de capacidade ou incapacidade laboral.

Em diversos períodos da história estivemos, como médicos, sob regras legais rígidas em virtude do bem com o qual trabalhamos no nosso dia a dia laboral, qual seja, a saúde e a vida de outro ser humano, senão vejamos;

Na Grécia Antiga (460-351 a.C.) “o pai da medicina”, instituiu o princípio da não maleficência Primum Non Nocere: “aos doentes, tenha por hábito duas coisas: ajudar ou, pelo menos, não produzir dano”, de forma similar, no século 18 a.C., quando o Código de Hamurabi, que dispunha sobre regras e punições para eventos da vida cotidiana, “Olho por olho, Dente por dente”, onde os médicos pagavam pelo erro com a perda das próprias mãos (CHEHUEN NETO et. al., 2011).

Em Roma, as leis sobre o erro médico eram bastante severas, o que acabou por afastar da profissão os mais aptos e capazes, por receio das punições que poderiam sofrer (MORAES, 1996). O êxodo foi tão extremo que a partir de certa época apenas escravos curavam, enquanto os mais abastados passaram a importar médicos de Alexandria e da Grécia. Foi um período em que a Medicina perdeu sua dignidade no Império Romano, chegando ao extremo da produção de unguentos da simpatia, na Escola de Salerno.

A partir do séc. III a.C. a Lei Anquilia de dammo aprimorou o entendimento jurídico ao formular um conceito apurado de culpa, bem como a tipificação de alguns delitos que poderiam ser cometidos por médicos – os primeiros elementos da responsabilidade médica. Com a lei, nasce o que se entende por responsabilidade civil delitual ou extracontratual e concomitantemente, surge também, a responsabilidade subjetiva pautada na culpa do autor da conduta ilícita.

Sendo assim, o médico está sujeito às consequências do exercício da sua atividade, tais como: a deformidade, a restrição da capacidade física ou mental do paciente, e até sua morte. Essas externalidades negativas advindas da prática médica no trato de seu paciente constituem os denominados erros médicos.

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Para Moraes (1996), se o médico, em sua atividade profissional, determina a morte do paciente ou o comprometimento de sua integridade física ou de sua saúde, por conduta culposa, deve responder pelo seu ato. O parâmetro para a conduta culposa é a previsibilidade. Se o médico não prevê o que deveria prever e causa dano, age culposamente, seja por imprudência, seja por negligência, seja por imperícia.

Na perícia de alegação de erro médico, estes conceitos devem estar claros e presentes em toda a análise técnica para que não se reproduza, nos parágrafos explicativos do laudo, um contexto jurídico que admita desdobres ou fatos inexistentes.

Em outras palavras e para que isso não ocorra, o perito deve ter amplo domínio da matéria jurídica em questão, permitindo antever-se ao contexto que recria para análise do Direito.

Atualmente a maioria dos doutrinadores entende que a responsabilidade do médico é de natureza contratual. Isso se baseia no fato de que, quando o paciente procura seu médico para realizar um tratamento e este aceita tratá-lo, estaria firmado ali um negócio jurídico, por meio de contrato verbal (contrato tácito).

Assim, diante da existência de agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei – art. 104, CC -, o negócio jurídico tornar-se-ia válido. Excetuam-se a esta regra os casos em que o médico cometa ato ilícito (ex.: aplicação de tratamento desnecessário), o médico tenha agido contra a vontade de seu paciente ou sem o seu consentimento (ex.: paciente desacordado em atendimento de urgência), e quando o objeto da contratação for ilícito (ex.: aborto criminoso). Nestas últimas hipóteses, portanto, a responsabilidade do médico será extracontratual.

Na responsabilidade subjetiva (contratual), havendo o dano, o agente somente será responsabilizado se sua conduta for caracterizada como culposa, seja por negligência, imprudência ou imperícia.

O cirurgião, por exemplo, que opera em condições adversas de assepsia conhecendo essa deficiência é um imprudente; o clínico que prescreve um medicamento de graves efeitos colaterais, sem os levar em consideração, age com imprudência. Ou mesmo, o ortopedista que, por pressa ou desídia, avalia mal uma radiografia, e não detecta uma fratura que pode ter consequências danosas no ato cirúrgico, age com negligência. É imperito um cirurgião que, inadvertidamente, secciona, sem necessidade, uma determinada estrutura, ou quanto um clínico sem as cautelas devidas, prescreve um anticoagulante para seu paciente.

Assim, para a responsabilização do médico pelos danos causados ao paciente, deverão estar presentes, concomitantemente, o dano comprovado, a conduta culposa e o nexo de causalidade entre ambos.

Entretanto, em algumas hipóteses, ainda que presentes estes requisitos, o médico poderá não ser responsabilizado ou ter a sua responsabilidade atenuada. Serão os casos em que os prejuízos forem resultantes de caso fortuito ou força maior – art. 393, CC -, situações em que será afastada a ilicitude do ato, nos casos de comprovação de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, ocorrência de fato de terceiro e preexistência de cláusula de não indenizar.

Neste contexto, é importante investir na prevenção dos erros, sendo necessário estimular, desde a graduação em Medicina, discussões que visem formar profissionais mais comprometidos com a prática médica e menos sujeitos a episódios de imperícia, negligência e imprudência. A educação médica tem dois papéis, o de informador e o de formador. Enquanto o primeiro tem a função de fornecer ao estudante conhecimentos científicos e de natureza técnica essenciais ao exercício da futura profissão, o segundo é responsável pelo amadurecimento de uma personalidade adulta e equilibrada, capaz de entender a complexa estrutura biopsicossocial do paciente no seu dia a dia de trabalho.

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Referências:

  • Evolução histórica e pressupostos da responsabilidade civil, Fernando Penafiel. Análise do erro médico em processos ético-profissionais: implicações na educação médica, Rev. bras. educ. med. vol.31 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2007
  • TEORIA JURIDICA DO HOMICÍDIO: A RESPONSABILIDADE MÉDICA E A PERÍCIA MÉDICA FORENSE. 2007, D’AQUINO, A. V.

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