A reativação do vírus Ebola

A infecção pelo vírus Ebola teve um novo surto entre fevereiro e junho de 2021 e voltou a preocupar a comunidade médica e científica.

Após 7 anos desde a primeira epidemia descrita na Guiné, no oeste africano, uma das mais temidas ameaças virais recentes, associada a infecção pelo vírus Ebola, volta a reacender o alerta: um novo surto por esse vírus ocorreu na Guiné entre 14 de fevereiro e 19 de junho de 2021, com 23 casos e 12 óbitos, e voltou a preocupar a comunidade médica e científica. Doze casos com 6 mortos foram descritos entre fevereiro e maio de 2021 na República Democrática do Congo. Consequentemente, ampliaram-se os estudos à compreensão das características epidemiológicas e da fisiopatologia da infecção, e resultados importantes começaram a ser divulgados.

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A reativação do vírus Ébola

Análises recentes

Dentre os estudos mais relevantes, Kelta et al. (2021) publicaram dados importantes na revista Nature em setembro deste ano. Amostras obtidas de 12 pacientes, contendo o Zaire ebolavirus, foram submetidas ao estudo genômico por sequenciamento. Observou-se apenas uma modificação significativa na glicoproteína expressa na superfície viral com a mudança do aminoácido alanina para valina na posição 82 (A82V) coincidente com aquela encontrada em partículas virais isoladas previamente. Tal modificação parece acelerar a transmissão horizontal entre humanos. Curiosamente, o vírus Ebola apresenta uma taxa mutacional elevada a cada ciclo de replicação. Os resultados dos estudos filogenéticos indicaram que tais partículas virais apresentam poucas mutações acumuladas e constituem um cluster com genomas obtidos em surtos anteriores surgidos até 2013. Sugere-se, então, que o novo surto não foi resultado de um novo evento de transmissão zoonótica do vírus, e sim da transmissão horizontal entre seres humanos, possivelmente justificada por infecção persistente com baixas taxas de replicação ou latência. Isto é, o surto ocorrido nesse ano provavelmente foi decorrente da transmissão a partir de um sobrevivente da epidemia anterior ocorrida há 7 anos. Apesar de tal infecção latente já ter sido sugerida anteriormente por períodos curtos, o longo período para a reativação observada é, de fato, surpreendente, e resultaria em implicações consideráveis para a Saúde Pública e nos cuidados dos sobreviventes da infecção pelo Ebola. Dentre as amostras virais isoladas nesse ano no Congo, essas foram idênticas aos surtos ocorridos ente 2018 e 2020 no mesmo local. 

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Não há coincidência na ocorrência de reativação da infecção pelo vírus Ebola no Congo e Guiné, pois os dois países somam o maior número de infectados (um total de 28.000 indivíduos) e de sobreviventes dos surtos anteriores entre 2013 e 2016. O vírus se disseminou da Guiné para a Libéria e Serra Leoa, e a partir desses países do oeste africano para o Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Itália, Senegal, Mali e Nigéria. Acima de 11.000 infectados evoluíram para o óbito, mas acima de 17.000 sobreviveram. Entre 2018 e 2020, no Congo, foram 3.470 casos e 2.380 mortes, representando alta taxa de caso-fatalidade (66%), e cerca de 1.000 sobreviventes.

Conclusão

Com base nesses resultados, podemos classificar os seres humanos na lista de hospedeiros intermediários do vírus Ebola, em infecções latentes que podem durar > 5 anos. Outros vírus como o vírus da imunodeficiência humana, herpes vírus, hepatite C, e diversos coronavírus também exibem a propriedade de latência. Porém, ainda é desconhecido como o vírus Ebola, com material genético de RNA e sem a enzima transcriptase reversa, poderia converter seu genoma em DNA e integrar o genoma humano para o fenômeno de latência. Adicionalmente, é sugerido que o vírus pode permanecer latente especialmente em áreas com “maior tolerância imune” como os olhos e sistema nervoso central. Alguns casos de reativação evoluíram para manifestações clínicas justamente nesses sítios. A imunidade parcial, não protetora em alguns indivíduos, mesmo após a vacinação, pode contribuir para a maior probabilidade de latência e/ou reativação do vírus Ebola. 

Tais fatos ressaltam a importância da vigilância clínica e epidemiológica, de maneira regular, sobre os casos sobreviventes de infecção pelo Ebola e reforçam a necessidade de ampliação da vacinação para a população de risco, no intuito de evitar o surgimento de novas epidemias ou pandemias virais. 

Referências bibliográficas:

  • Garry RF. Ebola virus can lie low and reactivate after years in human survivors. Nature. 2021 Sep;597(7877):478-480. doi10.1038/d41586-021-02378-w
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