A zona cinzenta entre os fenótipos da insuficiência cardíaca: o terceiro fenótipo

A IC é consequência de diferentes formas de agressão ao sistema cardiovascular, frequentemente de difícil diagnóstico e associada à alta morbimortalidade.

banner250x250A insuficiência cardíaca (IC) é uma complexa síndrome clínica sendo considerada uma epidemia emergente com uma prevalência de 5,8milhões de casos nos EUA e de 23 milhões em todo o mundo. A IC é consequência de diferentes formas de agressão, aguda ou crônica, ao sistema cardiovascular, frequentemente de difícil diagnóstico e associada à alta morbimortalidade, sendo responsável por elevado custo social e econômico para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil, a IC é a principal causa de internação hospitalar na população após os 65 anos.

A IC é uma síndrome clínica causada por disfunção cardíaca, tanto sistólica como diastólica, e é caracterizada em dois fenótipos distintos, um em que predomina a disfunção sistólica sobre a diastólica e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) encontra-se abaixo de 50%, a IC com fração de ejeção reduzida (ICFER), e outro em que a disfunção diastólica é dominante e a FEVE encontra-se acima de 50%, a IC com fração de ejeção preservada (ICFEP).

As características demográficas e as comorbidades dos pacientes com IC variam de acordo com o seu fenótipo de apresentação. Quando comparamos pacientes com ICFEP e ICFER observamos que os primeiros são mais idosos e a maioria do sexo feminino. A grande maioria dos pacientes com ICFEP tem história de hipertensão arterial, diabetes, sobrepeso ou obesidade e uma grande proporção apresentam fibrilação atrial. Os pacientes com ICFER são principalmente do sexo masculino, mais jovem e geralmente apresentam história de doença isquêmica cardíaca. As diferenças também são observadas em relação ao modo de remodelamento do coração. Na ICFER se caracteriza pelo remodelamento excêntrico do VE com dilatação o que leva a redução da FEVE. Na ICFEP observamos o remodelamento concêntrico com hipertrofia do VE o que mantêm a FEVE em valores mais elevados (≥50%).

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O diagnóstico de ICFEP é mais desafiador do que o diagnóstico de ICFER, em que a presença de sinais e ou sintomas de IC com uma FEVE reduzida é suficiente para o diagnóstico. Nos pacientes com ICFEP a presença de sinais ou sintomas de IC deve estar associada ao remodelamento concêntrico do VE, aumento átrio esquerdo e disfunção diastólica. Muitos pacientes com ICFER também apresentam disfunção diastólica e discretas alterações da função sistólica têm sido observadas em pacientes com ICFEP. Por isso então a preferência pelo uso de preservada ou reduzida FEVE do que preservada ou reduzida função sistólica.

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A divisão em fenótipos da IC é histórica e é baseada de modo arbitrário na medida da FEVE. IC é, portanto composta de uma grande gama de pacientes com a fração de ejeção normal ≥50%, e aqueles com FEVE reduzida < 50%. Em 2016, a Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) publicou uma nova Diretriz para diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca em que propõe uma nova divisão da IC e estabeleceu um terceiro fenótipo reduzindo a faixa da FEVE da ICFER para <40% e criou uma terceira faixa de valores da FEVE entre 40 e 49%, considerada uma zona cinzenta, a qual recebeu o nome de “heart failure with mid-range ejection fraction(HFmrEF)”, que pode ser traduzida como IC com FEVE na faixa média (ICFEfm).

A classificação de pacientes com IC em diferentes fenótipos é importante devido às diferenças etiológicas, demográficas, prevalência de comorbidades e resposta ao tratamento. A partir de 1990, diferentes estudos clínicos sobre IC foram publicados e o principal critério de seleção escolhido foi a FEVE e para pacientes com ICFER o ponto de corte mais utilizado foi 35%. Os estudos com betabloqueadores, espironolactona, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) mostraram redução significativa da morbidade e mortalidade. Os estudos foram realizados com os mesmos medicamentos em pacientes com ICFEP, com ponto de corte da FEVE ≥50%, porém não obtiveram resultados significativos. Os pacientes com FEVE entre 40 e 49% foram muito pouco avaliados nos últimos 30 anos.

O diagnóstico de pacientes com ICFEfm seria baseado na presença de sinais ou sintomas de IC, com uma FEVE na zona cinzenta e muito provavelmente teriam leve disfunção sistólica, mas com características de disfunção diastólica.

Diretrizes anteriores já haviam reconhecido a existência da zona cinzenta entre ICFEP e ICFER. Então, a identificação da ICFEfm como um terceiro fenótipo irá estimular pesquisas em relação a fisiopatologia e tratamento desse grupo de pacientes que não foram contemplados nos estudos mais recentes sobre IC.

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antoniolagoeiro

Referências:

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