AAS é eficaz na prevenção de eventos cardiovasculares em diabéticos?

AAS como profilaxia secundária de eventos cardiovasculares é comprovadamente benéfico porém sua utilização como prevenção primária ainda é incerta.

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O uso de AAS como profilaxia secundária de eventos cardiovasculares é comprovadamente benéfico e bem estabelecido. Porém, sua utilização como prevenção primária ainda é passível de argumentação. No contexto dos pacientes diabéticos, onde há um risco cardiovascular aumentado, atualmente, as diretrizes europeias sugerem que a aspirina pode ser considerada em uma base individual para a prevenção primária, enquanto a diretriz norte-americana encoraja o uso de maneira mais veemente.

Neste sentido, foi publicado em agosto deste ano no New England Journal of Medicine e concomitantemente apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia 2018, um grande estudo de prevenção primária em pacientes diabéticos onde os benefícios do AAS na redução de eventos cardiovasculares não superou o aumento de risco de sangramento grave.

Leia mais: AAS na prevenção primária após o ESC 2018: o que mudou?

O estudo: ASCEND

Participaram do estudo 15.480 pacientes do Reino Unido com diagnóstico de diabetes mellitus e idade maior ou igual a 40 anos (média de 63 anos) sem doença cardiovascular de base. Eles foram alocados aleatoriamente em grupo intervenção, onde foi prescrito AAS 100mg por dia, e grupo controle, cujos pacientes fizeram uso de placebo. Os pacientes foram seguidos por 7,4 anos.

O desfecho primário de eficácia foi o primeiro evento cardiovascular grave (infarto agudo do miocárdio, AVE ou AIT, ou morte por qualquer causa vascular, excluindo-se hemorragia intracraniana). O desfecho primário de segurança foi o primeiro grande evento hemorrágico (hemorragia intracraniana, evento hemorrágico ocular, sangramento gastrointestinal ou outro sangramento grave).

Os resultados mostraram que o grupo AAS teve significativamente menos eventos vasculares graves (redução de 12%), porém significativamente mais eventos hemorrágicos (aumento de 29%). No geral, durante o período avaliado, 91 pacientes precisariam ser tratados para evitar um evento vascular grave e 112 para causar um grande evento de sangramento.

É hora de revermos os conceitos sobre AAS?

Apesar de o impacto do estudo e de toda a repercussão acerca do assunto, é preciso ter cautela na análise dos dados antes de partirmos para um novo olhar sobre o que dizem as diretrizes. No ensaio clínico apresentado, os pacientes geralmente tinham um controle glicêmico adequado, pressão arterial em níveis normais, apresentavam colesterol no alvo e a taxa de não-fumantes era elevada – nestes pacientes, realmente, pode-se dizer que o ASCEND impactou e, de fato, as indicações de aspirina devem ser reconsideradas.

No entanto, ainda há espaço para o AAS na prevenção primária de eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos uma vez que o risco cardiovascular médio dos pacientes neste estudo (1,3% ao ano) foi menor do que o previsto e que apenas 17% da população foi considerada de alto risco.

Cabe ressaltar que aproximadamente metade dos casos de sangramento foram no trato gastrointestinal, sendo 1/3 na sua porção superior. No entanto, menos de 1/4 dos pacientes estavam utilizando inibidores de bomba de prótons, o que poderia reduzir significativamente a incidência dos mesmos.

Em termos práticos, o estímulo à mudança dos hábitos de vida (dieta com restrição de sódio, perda ponderal, cessar tabagismo e realizar atividades físicas) deve assumir o protagonismo das consultas ambulatórias, uma vez que apenas um em cada 250 pacientes é beneficiado pelo uso de AAS de forma isolada, o que é de longe superado pela associação dessas intervenções não invasivas.

A recomendação mais recente da USPSTF (United States Preventive Services Task Force) indica AAS em baixas doses para adultos entre 50 e 59 anos com risco cardiovascular em 10 anos maior ou igual a 10% (calculado pelo ASCVD) e expectativa de vida de pelo menos 10 anos, que não tenham risco aumentado de sangramento. Para aqueles com idade entre 60-69 anos a orientação é de individualizar as indicações.

Desfecho secundário: risco de câncer

Devido à presença de estudos observacionais prévios e metanálises de estudos randomizados sugerindo uma redução do risco de câncer gastrointestinal com AAS, os pesquisadores do ASCEND também avaliaram tal fato, porém de forma secundária. Os resultados, no entanto, não mostraram diferença significativa entre os grupos aspirina e placebo na incidência de câncer do trato gastrointestinal (2% x 2%) ou todos os cânceres (11,6% x 11,5%). No entanto, a maior parte dos dados que sugere a redução na incidência de câncer do trato gastrointestinal relatam este beneficio com o uso diário do AAS por mais de 10 anos – lembrando que o ASCEND durou 7,4 anos.

Apesar dos resultados conflitantes, os próprios pesquisadores reconheceram que não houve casos suficientes de câncer para obter um poder confiável dos resultados e, para isso, seria necessário um acompanhamento de mais longo prazo para esses desfechos.

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Referências:

  • Bowman L, Mafham M, Stevens W, et al. ASCEND: A Study of Cardiovascular Events iN Diabetes: Characteristics of a randomized trial of aspirin and of omega-3 fatty acid supplementation in 15,480 people with diabetes. American Heart Journal. 2018;198:135-144.
  • Flossmann E., Rothwell P.M. Effect of aspirin on long-term risk of colorectal cancer: consistent evidence from randomised and observational studies. Lancet. 2007;369:1603–1613
  • Capodanno D., Angiolillo D.J. Aspirin for primary cardiovascular risk prevention and beyond in diabetes mellitus. Circulation. 2016;134:1579–1594.
  • Antithrombotic Trialists’ Collaboration Collaborative meta-analysis of randomised trials of antiplatelet therapy for prevention of death, myocardial infarction, and stroke in high risk patients. BMJ. 2002;324:71–86.

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