Abordagem do paciente com disfunção ventricular grave de etiologia isquêmica

Qual seria a melhor abordagem para pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo abaixo de 40% acompanhado de dor precordial e/ou déficit segmentar?

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A doença isquêmica é uma das principais causas de insuficiência cardíaca (IC, como foco na ICFER, com fração de ejeção reduzida) . E a IC é uma das principais complicações da doença isquêmica. Deste modo, é comum na prática clínica nos depararmos com pacientes com fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) abaixo de 40% acompanhado de dor precordial e/ou déficit segmentar.

Qual seria a melhor abordagem para estes pacientes?

Como bons clínicos, o primeiro passo é a história e o exame físico. A presença de dor anginosa aos esforços é o primeiro marcador: esses pacientes com frequência se beneficiam de estratégias de revascularização, tanto angioplastia como hemodinâmica, pois estudos prévios mostram que há melhora sintomática.

Mas, e nos pacientes apenas com dispneia ou cansaço aos esforços? Seria esse sintoma apenas da IC ou um equivalente anginoso? Se o paciente for do sexo feminino ou diabético, é aí mesmo que a situação complica, pois comumente seus sintomas são atípicos.

O próximo passo então é o exame físico. Seu objetivo é estadiar a IC e avaliar sua gravidade. A presença de congestão sistêmica avançada, com turgência jugular, edema de membros inferiores e hepatomegalia com refluxo hepatojugular desproporcional à congestão pulmonar são marcadores de disfunção sistólica do ventrículo direito (VD).

Na presença de sopro sistólico em borda esternal e região subxifóide acompanhado de P2>A2, há ainda a possibilidade de hipertensão pulmonar (HP) e regurgitação tricúspide secundária. Todos esses achados são indicadores de alto risco para cirurgia e, mesmo que haja anatomia favorável, o paciente talvez não consiga operar (leia mais sobre HP e VD em cirurgias no excelente artigo de revisão). Quando o paciente apresenta “apenas” sinais predominantes de insuficiência do VE, como edema pulmonar, derrame pleural direito e baixo débito, aí sim a perspectiva de intervenção cirúrgica é melhor.

A próxima dúvida é qual exame complementar devemos solicitar: vamos direto para coronariografia ou pedimos um teste funcional primeiro? Provavelmente você irá precisar dos dois. Não há resposta definitiva baseada em evidência. Você deve levar em consideração a estrutura de sua unidade e os riscos e benefícios de cada exame. Como exemplo, um paciente com doença renal crônica avançada certamente se beneficiará de realizar um teste funcional antes da coronariografia, cujo contraste é potencialmente nefrotóxico. Por outro lado, um paciente com vários fatores de risco para aterosclerose e dor típica, com função renal normal, pode ir tranquilamente direto para a coronariografia, pois nele a dúvida não é se deve revascularizar mas sim como (qual método usar para) revascularizar.

No paciente sem dor precordial, apenas com dispneia aos esforços, sempre se considerou importante analisar a presença de viabilidade miocárdica. O termo miocárdio atordoado (stunned) refere-se à disfunção ventricular transitória após um evento agudo. É o paciente que infartou e demorou para revascularizar: ele saíra com disfunção do VE, mas com o tempo a tendência é recuperar-se. Outro termo é o miocárdio hibernante: aqui, a injúria isquêmica crônica (e/ou repetida) leva à disfunção contrátil do VE. O termo miocárdio viável se refere ao cardiomiócito ainda “vivo” e, portanto, incluiria tanto o miocárdio atordoado como o hibernante. A grande dúvida é se vale pena essa pesquisas. Comentaremos isso à frente.

A viabilidade miocárdica pode ser pesquisada pelos testes funcionais. As principais opções e suas vantagens e desvantagens podem ser vistas na tabela abaixo:

 

A lógica fisiopatológica nos faz acreditar que revascularizar o miocárdio viável melhoraria o prognóstico do paciente: o sangue voltaria a atingir o músculo cardíaco e, com isso, as alterações celulares poderiam ser revertidas. O que acontece na prática é que, muitas vezes, o dano estrutural tecidual já é tão avançado (leia-se: “tão fibrótico”), que não há como reverter o processo. Contudo, um grande problema atual na cardiologia está em provar, baseado em evidências, esta lógica.

Estudo STICH Trial

O estudo STICH Trial não comprovou o benefício de identificar viabilidade, mesmo com os recém-publicados resultados de longo prazo. Os pacientes que realizaram cirurgia de revascularização obtiveram maior sobrevida em 10 anos quando comparados àqueles que utilizaram apenas tratamento clínico otimizado para IC.

Por isso, a maioria dos autores recomenda considerar a cirurgia de revascularização do miocárdio para os pacientes com FE<35% de etiologia isquêmica. O problema é que ter ou não viabilidade não identificou os que se beneficiam da cirurgia nem a sobrevida. Apenas marcou quem obteve melhor resposta no aumento da fração de ejeção, mas isso isolado não é tão importante quanto sobrevida. Por isso, até novas evidências surgirem, a grande decisão é se o seu paciente com ICFER isquêmica tem anatomia cirúrgica e se ele “aguenta” a cirurgia. Se sim, parece haver benefício, independente de testes de viabilidade.

 

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