ABRAMEDE 2021: Vias aéreas e ajustes da ventilação mecânica inicial na emergência

Neste segundo dia do congresso da ABRAMEDE 2021, uma das sessões mais interessantes foi sobre a abordagem das vias aéreas na emergência.

Neste segundo dia do congresso da Associação Brasileira de Medicina de Urgência e Emergência (ABRAMEDE 2021), uma das sessões mais interessantes apresentadas foi a sessão interativa sobre a abordagem das vias aéreas na urgência, com tópicos de grande interesse ao emergencista e palestrantes internacionais.

médico realizando intubação em paciente na emergência

Vias aéreas na emergência

Na primeira fase, o Dr° Diego Grajales (Venezuela) nos trouxe uma visão interessante a respeito da abordagem de sequência de intubação. Estamos habituados a pensar sempre na sequência rápida de intubação, onde focamos em pré-oxigenar e depois administrar a pré-medicação, seguida da sedação com paralisia. O objetivo desta abordagem bastante conhecida é pensar em reduzir o risco de broncoaspiração em pacientes da emergência, com estômago teoricamente cheio.

Sequência atrasada de intubação

A chamada sequência atrasada de intubação consiste em um conceito já não tão novo, porém não muito difundido, apesar de encontrar amplo respaldo na literatura mundial em que é invertida a ordem da pré-oxigenação em relação à pré-medicação. O racional é o seguinte: Imagine seu paciente internado por doença respiratória, agitado e com má aceitação de estratégias não invasivas, evoluindo com dessaturação e em vias de ser intubado.

Esse paciente, que não está com estômago cheio e vindo de casa, pode beneficiar-se desta estratégia. O objetivo principal nesse caso é permitir que o doente tolere melhor a estratégia não invasiva, com melhor efeito no recrutamento de unidades alveolares e diminuindo ou mesmo evitando a necessidade de uma intubação. Quando não for possível, a mesma será convertida em sequência rápida e você terá nas mãos um doente mais estável e com menor chance de instabilidade hipoxêmica ou hemodinâmica no momento da instalação do tubo orotraqueal.

A chave do sucesso na estratégia consiste no uso da cetamina, na dose de 1.5 mg/kg, em bolus, seguida da estratégia de oxigenoterapia de escolha (Usualmente ventilação com pressão positiva). A droga não está associada à hipotensão nem à depressão do sistema respiratório. Em caso de melhora, você conseguirá evitar uma intubação desnecessária e sabidamente com aumento do risco de mortalidade nesse perfil de pacientes. Caso ainda assim haja a necessidade de intubação, você terá um doente mais estável hemodinamicamente e com maior tolerabilidade ao procedimento.

Baste seguir deste ponto, para a sedação e paralisia, conforme a convencional sequência rápida. Um ponto de vista interessante e bem recomendado por todos os especialistas palestrantes na sessão.

Lições aprendidas com a Covid-19

Na segunda fase da sessão, o Dr° Edgardo Menendez, da Universidade de Buenos Aires, trouxe a sua visão e ampla experiência no manejo da via aérea de pacientes com Covid-19. O principal ponto geral trazido foi o de sempre prezar pela segurança e treinamento contínuo de toda a equipe multiprofissional, visando reduzir os riscos de contaminação e as chances de falha no procedimento. Lembrou que o paciente com Covid-19 em forma grave, cursa com hipoxemia silenciosa e choque oculto com frequência.

Uma forma de avaliar a presença desse choque oculto é calcular o Índice de Choque (FC/Pressão sistólica). Quando acima dos valores normais (0.5 a 0.7), traduz um paciente com provável choque oculto e você deve se preparar para um cenário mais crítico durante o procedimento, com o desenvolvimento de hipotensão e instabilidade. Caso haja choque oculto, o ideal é antecipar-se e iniciar a ressuscitação volêmica concomitantemente, guiado sempre que possível por métodos dinâmicos de avaliação da fluido responsividade.

Como ponto importante na abordagem direta da via aérea, ele ratificou a estratégia da sequência atrasada ou retardada de intubação orotraqueal, tendo a cetamina como alicerce nesse cenário. O ideal, segundo o mesmo, é de tentar sempre usar a cetamina seguida de pré-oxigenação com ventilação não invasiva. Em alguns casos, a intubação será inclusive não mais indicada. Nos casos em que se fizer necessária, haverá menor chance de hipoxemia crítica ou hipotensão que possam desencadear eventos com parada cardiorespiratória e fatalidade.

Por fim, recomendou que sempre tenha um acesso venoso garantido e, quando não houver contra indicações, associar uma etapa de cristaloide durante o procedimento para evitar hipotensão e nos casos em que ocorrer, mesmo assim, pensar precocemente no uso de inotrópicos. O uso precoce de inotrópicos neste cenário ajuda a evitar o prolongamento da instabilidade hemodinâmica e seus efeitos deletérios.

Via aérea fisiologicamente difícil no paciente com rebaixamento do nível de consciência

Ao final desta grande sessão, o Dr° Manrique Umana (Costa Rica) trouxe um interessante racional a respeito da abordagem da via aérea difícil. Sempre pensamos em via aérea difícil de forma anatômica, ou seja, pensamos em avaliação de parâmetros anatômicos que possam dificultar a visualização da glote e passagem do tubo orotraqueal. O ponto da discussão é: Há mais coisas em jogo.

O conceito de via aérea fisiologicamente difícil consiste em identificar e, se possível, corrigir os fatores clínicos do paciente que possam contribuir para um cenário catastrófico de colapso ou parada cardiocirculatória no periprocedimento. Foram elencados quatro distúrbios que devem ser idealmente corrigidos ou amenizados antes de iniciar a sequência rápida de intubação:

  1. Hipoxemia: Pacientes com hipoxemia importante devem ser idealmente pré-oxigenados de forma adequada, sobretudo com o uso de ventilação com pressão positiva. Isso ajuda a aumentar a oferta de oxigênio, bem como recruta unidades alveolares colapsadas ou atelectasiadas que podem fazer a diferença no momento crítico da intubação. Nos casos em que houver pouca tolerância, deve-se tentar a estratégia de sequência retardada de abordagem da via aérea, dando preferência para o uso de cetamina com adequada oxigenação de resgate com pressão positiva antes de progredir com a sedação e paralisia.
  2. Hipotensão: É muito comum presenciar hipotensão grave com instabilidade hemodinâmica importante logo após a intubação. Essa intercorrência pode ser amenizada ou evitada quando abordada precocemente. A melhor forma de avaliação desse risco é através da avaliação do índice de choque. Quando > 0.7, o paciente terá alto risco para instabilidade hemodinâmica no periprocedimento e deve ser ressucitado volemicamente antes e durante a intubação. Nos casos de refratariedade, o uso precoce de vasopressores e/ou inotrópicos deve ser instituído. A ultrassonografia de beira-leito pode ser um grande aliado na identificação de cenários como a hipovolemia e disfunção cardíaca, ajudando a tomar e melhor decisão. Uma dica não validada, mas que pode ser útil em cenários críticos de quase-parada é o uso de bolus de epinefrina na dose de 50 mcg (Adrenalina 0.1 mL diluído em 9.1 mL de salina = 50 mcg em 5 mL de solução) durante o procedimento, se necessário.
  3. Acidose metabólica grave: Nesse perfil de pacientes, há um delicado equilíbrio da homeostase que baseia-se no volume minuto que o próprio paciente consegue compensar sozinho e que no momento da intubação, em apneia, pode provocar acidose mista grave com evolução para PCR. Neste cenário o ideal seria tentar pré-oxigenar com ventilação por pressão positiva não invasiva, permitindo aumentar a lavagem de CO2 do paciente mesmo quando evoluiu com a apneia da indução. Ao ser intubado, deve-se dar prioridade por escolher um modo de ventilação que permita seguir idealmente, a compensação do paciente, como modos controlados por pressão.
  4. Cor pulmonale: Os agentes de indução devem ser considerados com cuidado, onde sedativos hemodinamicamente neutros, como etomidato podem ser usados para indução. O uso do fentanil como pré-medicação pode ser útil para reduzir o risco de hipotensão relacionado à laringoscopia. Os objetivos da ventilação mecânica a seguir incluem a manutenção de uma pressão média das vias aéreas baixa e evitar hipoxemia, atelectasia e hipercapnia, que aumentam por si só a pós-carga de VD.

Esses foram os principais pontos discutidos nessa grande sessão. Temas importantes, de grande utilidade prática na beira do leito, vinda de especialistas experientes.

Veja mais do ABRAMEDE 2021:

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.