Abscesso hepático: como fechar o diagnóstico e conduzir o tratamento

Temos visto no Hospital Naval Marcílio Dias alguns casos de abscesso hepático, o que me levou a pesquisar o tema. O que devemos saber?

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Temos visto no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, alguns casos de abscesso hepático, o que me levou a pesquisar o tema. O que devemos saber sobre abscesso hepático? O que causa? O que pode confundir o diagnóstico? Como tratar corretamente? Saiba aqui como proceder diante desse caso.

cateter

Abscesso hepático

EPIDEMIOLOGIA

É o tipo de abscesso visceral mais comum. A incidência anual foi estimada em torno de 2,3 casos entre 100.000 pessoas, sendo ainda mais prevalente em homens que em mulheres. Percebe-se um aumento da incidência atribuído ao diagnóstico facilitado pelos novos métodos de imagem.

Era considerada uma doença típica de jovens, 20-30 anos, desencadeada após quadro de apendicite aguda. Com instituição de tratamento adequado, antibioticoterapia aliado ao envelhecimento da população, o espectro da doença mudou para adultos, 50-60 anos, e associado a doenças do trato biliar ou etiologia criptogênica.

Pacientes acometidos, em geral, são renais crônicos / cirróticos / portadores de alguma neoplasia.

FATORES DE RISCO

Os fatores de risco incluem:

  • Diabetes mellitus;
  • Doença hepatobiliar ou pancreática pré existente;
  • Transplante hepático;
  • Uso regular de inibidor de bomba de prótons;
  • Fatores geográficos: relação entre a síndrome causada pela Klebsiella pneumoniae e o Leste Asiático;
  • Doença granulomatose crônica.

ATENÇÃO: é importante ressaltar a relação entre abscesso hepático primariamente causado pela K. pneumoniae e câncer colorretal pré-existente. Muitos artigos tem relatado números expressivos de pacientes com esse tipo de abscesso com rastreio posterior positivo para carcinoma colorretal. Tal fato vem alertando clínicos a investigarem seus pacientes portadores de abscesso hepático, principalmente quando causado pela bactéria supracitada.

FISIOPATOLOGIA

Um abscesso se forma a partir da existência de um inóculo de bactérias superior a capacidade do fígado de eliminá-lo ocorrendo assim invasão tecidual, infiltração de neutrófilos e, finalmente, a formação de abscesso.

A exposição desse inóculo pode vir através da:

  • Veia porta = Sabendo que o sistema portal drena o trato gastro-intestinal, qualquer doença (diverticulite, víscera perfurada, doença inflamatória, pancreatite, apendicite) pode causar pileflebite e exposição hepática a grande quantidade de bactérias;
  • • Árvore biliar = Via obstrução (tumor, doença de Caroli, ascaridíase, doença litiásica, bridas) e estase de bile, levando a colonização, infecção e ascensão das bactérias para o órgão, causando colangite;
  • Artéria hepática;
  • Extensão direta da infecção = colecistite supurativa, abcesso subfrênico, perinefrético;
  • Infecção ou
  • Trauma = levando a abscesso por hematoma e/ou necrose hepática.

MICROBIOLOGIA

Em geral, os abscessos são polimicrobianos. Porém, quando isolados, em geral encontramos E. Coli e K. pneumoniae. Podemos ainda observar streptococcus e staphylococcus. Também já foi descrita confecção com Candida.

CLÍNICA

abcesso hepatico

 

O sintoma mais comum é a febre seguido pelo quadro álgico abdominal, principalmente localizado no hipocôndrio direito. Ao exame físico, podemos identificar alteração na consistência da borda hepática, por vezes mais endurecida. Além de possível hepatomegalia.

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DIAGNÓSTICO

Exames de laboratório

Observa-se leucocitose, hiperbilirrubinemia, aumento de transaminases, hipoalbuminemia, além da anemia normocítica e normocrômica.

Exames de imagem

A radiografia de tórax pode em alguns pacientes indicar presença de infiltrado basilar a direita ou até mesmo derrame pleural ipsilateral. A persistência dos sintomas sem a presença de alguma explicação alternativa justifica a realização de exames de imagem mais específicos.

As modalidades de exames de imagem diagnósticos são ultrassonografia e tomografia computadorizada, sendo esta realizada quando a primeira não é esclarecedora estando diante de uma suspeita importante de abscesso sem confirmação.

A imagem ecográfica representa lesões hipoecoicas e hiperecoicas, com imagens amorfas / ecos internos indicando debris e septações.

Se a TC for realizada, deve-se usar contraste venoso. A imagem típica é uma lesão circular com hipoatenuação central. Pode haver maior complexidade nas lesões com a presença de margens irregulares e subcoleções loculadas. É importante diferenciar do aspecto tumoral e cístico. O cisto aparece como coleções fluidas sem sinais flogísticos ao redor da lesão ao exame físico. As lesões tumorais tem aspecto sólido com áreas de calcificação. Pode haver necrose e sangramento nesses casos. Evidentemente, não se pode diferenciar abscesso piogênico do amebiano por imagem.

Em geral, o lobo direito do fígado é mais acometido, por ter maior superfície e suprimento vascular.

Cultura

A suspeita de abscesso a partir de exames de imagem implica na realização de aspiração / drenagem do material da lesão para investigação. Hemocultura também deve ser realizada. Se o paciente está criticamente doente, lê-se séptico, antibioticoterapia empírica deve ser iniciada logo após ser coletada as amostras de cultura.

O diagnóstico pode ser determinado a partir da:

abcesso hepatico

 

Se nenhuma espécie for identificada, podem ser microorganismos atípicos.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

  • ABSCESSO AMEBIANO;
  • Hepatites;
  • Tumores hepáticos;
  • Pneumonia lobar direita;
  • Colangite aguda;
  • Colecistite aguda;
  • CISTO HIDÁTICO;
  • Candidíase hepatoesplênica.

Você deve ter percebido que o primeiro diagnóstico diferencial está em destaque, não é mesmo? Isso devido a importância dele e necessidade de destaque.

ABSCESSO AMEBIANO?

CONCEITO = A amebíase é doença de países tropicais e em desenvolvimento, mas a imigração e as viagens torna este um problema de todos.
AGENTE = Entamoeba hystolitica.
QUAL O CICLO = oral-fecal, de forma que ingerimos os cistos de água e alimentos contaminados. No intestino são liberados os trofozoítos, que no cólon invadem a mucosa e na circulação sistêmica causam a doença à distância. No fígado, o agente causa hidrólise celular enzimática, necrose de liquefação, até atingir a Cápsula de Glisson que é resistente, limitando-se por ela.
QUEM É ACOMETIDO = jovens de 20-40 anos, com história em área endêmica, sexo masculino, com condições de imunossupressão, a saber HIV / infecção crônica / desnutrição / uso crônico de esteroide.
ANAMNESE E EXAME FÍSICO = febre, calafrios, dor em quadrante superior direito, hepatomegalia. Se colite associada, haverá diarreia. Se o abscesso for grande, haverá icterícia.
COMO É A IMAGEM = lesão arredondada próximo a cápsula.
COMO TRATAR = Metronidazol 750mg, via oral, 3x/dia, durante 10 dias. Além da drenagem.

E O CISTO HIDÁTICO?

CONCEITO = Ou equinococose. É uma zoonose nas áreas de criação de carneiros no mundo, porém é comum em vários outros lugares porque o cachorro é hospedeiro definitivo. E considerado endêmico no Oriente Médio, leste da Ásia, América do Sul, Austrália e Leste da África.
QUAL O CICLO = a tênia está presa no íleo do cão de forma que os ovos estão nas fezes. O homem é um hospedeiro acidental. No intestino humano, a oncosfera penetra a mucosa e chega, ao fim de 3 semanas, no fígado. Inicia-se o estágio larvário com formação do cisto hidático.
QUEM É ACOMETIDO = adulto jovem de 45 anos.
ANAMNESE E EXAME FÍSICO = febre, calafrios, dor em quadrante superior direito, hepatomegalia, vômitos. Se colite associada, haverá diarreia. Se abscesso for grande, haverá icterícia.
COMO É A IMAGEM = o diagnóstico é por imagem, onde se visualiza uma roseta.
COMO TRATAR = cirúrgico (deve-se proteger abdome evitando anafilaxia) + mebendazol e albendazol.

TRATAMENTO

Basicamente envolve:

abcesso hepatico

 

Este constitui padrão-ouro do tratamento. Tem valor diagnóstico e terapêutico como supracitado, devendo sempre, quando praticável, ser realizada. Ela pode ser realizada guiada por USG / TC, através de videolaparoscopia, cirurgia aberta ou até CPRE. Como será realizado dependerá das características da lesão.

  • ÚNICA, ABSCESSO UNILOCULAR COM DIÂMETRO < OU IGUAL A 5 CM: drenagem percutânea com colocação de cateter ou aspiração por agulha. Optar por uma ou outra depende da localização da lesão em relação à parede e da experiência do operador. Se colocado, o dreno deve permanecer até a coleção ser mínima.
  • • ÚNICA, ABSCESSO UNILOCULAR COM DIÂMETRO > A 5 CM: mantém os mesmos procedimentos, porém é preferível instalar um cateter. Este procedimento pode, inclusive, ser adotado para abscessos maiores (> 10 cm), porém o risco de complicações é substancial.
  • • MÚLTIPLOS OU ABSCESSO MULTILOCULADO: a decisão pela abordagem ideal deve ser tomada com base no número, tamanho, acessibilidade das lesões e comorbidades do paciente, além da experiência dos cirurgiões e radiologistas. Se pequenos e acessíveis, a drenagem percutânea pode ser bem-sucedida. Porém, em geral, o acesso cirúrgico é o mais adotado.

Opta-se por cirurgia mediante falha das abordagens acima ou quando o líquido é muito viscoso para ser aspirado.

E QUAL ANTIBIÓTICO ESCOLHER?

Institui-se, inicialmente, terapia empírica que deve cobrir estreptococcus, bacilos gram-negativos e anaeróbios. A correção da cobertura é realizada com o resultado da cultura do material coletado.

Os esquemas que, em geral, devem ser adotados são:

  • Terceira ou quarta geração de cefalosporina + metronidazol;
  • Beta-lactâmico + inibidor de beta-lactamase + ou – metronidazol;
  • Ampicilina + gentamicina + metronidazol.

Esquemas alternativos incluem:

  • Quinolonas + metronidazol;
  • Carbapenêmicos + ou – metronidazol.

A adição de vancomicina ocorre mediante resultado positivo de S. aureus ou paciente em choque séptico.

O tratamento deve ser mantido por quatro a seis semanas, variando com a resposta ao procedimento padrão adotado. Se apresentar boa resposta, antibioticoterapia por duas a quatro semanas. Uma drenagem incompleta sugere antibioticoterapia por quatro a seis semanas.

SEGUIMENTO

Imagens de controle devem ser realizadas quando os sintomas persistirem ou quando a drenagem não foi realizada da forma esperada. Lembre-se que as alterações radiológicas levam mais tempo para ser resolvidas que marcadores clínicos e bioquímicos, portanto, nem sempre ajuda realizar imagens seriadas de controle.

Pacientes com clínica e alteração em imagem PERSISTENTE devem ser reavaliados com vistas à realização de cirurgia.

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Referênias:

  1. Davis J and McDonald M. Pyogenic liver abscess. 2018. Uptodate.
  2. Sabiston. Tratado de Cirurgia. A básica biológica da prática cirúrgica moderna. Volume 1. Elsevier.

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