ACEP 2022: Atualizações na abordagem do AVC isquêmico

Congresso anual da American College of Emergency Phisicians (ACEP 2022) apresenta novidades no manejo de pacientes com AVCi.

O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) é um dos maiores problemas de saúde em todo o mundo, devido a alta mortalidade ou perda de funcionalidade causados aos pacientes. Esse assunto é alvo de diversos estudos, com novidades surgindo a todo momento, de forma que é difícil manter-se atualizado. Essa palestra, ministrada pelo Dr. Zachary Repanshek, propôs atualizações na abordagem do AVCi, além de destacar tópicos controversos no manejo desta condição.

 Tempo para Trombólise Química

Atualmente o FDA autoriza a utilização da alteplase (t-PA) para tratamento do AVCi em até 3 horas do estabelecimento do déficit neurológico, enquanto seu uso entre 3 horas e 4 horas e 30 minutos é considerado off-label. Por outro lado, o último guideline da American Heart Association (AHA), atualizado em 2019, recomenda a utilização da t-PA no AVCi de início há menos de 3 horas (recomendação IA), além do uso no período de 3 horas a 4 horas e trinta minutos do início do déficit (recomendação IB). 

Além da janela de 4 horas e 30 minutos, a trombólise química ainda pode ser indicada em até 24h, se houver evidência de área de penumbra significativa. Os pacientes que acordam com déficit neurológico, quando o último horário visto bem (sem déficit) ultrapassa 4.5h (“wake-up stroke”), também se enquadram nessa situação 1. Essa avaliação é feita através da busca de mismatch entre a região com redução de perfusão (potencialmente recuperável) da região de morte neuronal (core isquêmico). São utilizados com essa finalidade protocolos de Ressonância Magnética (RM) com sequências de Difusão (alterações aparecem em < 30 minutos) e FLAIR (alterações aparecem após > 4.5h). Pacientes com alteração na sequência de difusão, porém sem alterações na sequência FLAIR ainda apresentam região de penumbra com potencial de recuperação se restabelecido o fluxo sanguíneo.

A discussão dos artigos em que baseiam as recomendações da AHA foge do escopo deste texto, em função dos diversos pontos fortes e limitação dos trabalhos. No entanto, a avaliação em conjunto dos trabalhos EXTEND 2, ECASS-4 3 e EPITHET, em uma metanálise, sugere que a t-PA aumenta as chances de bom desfecho neurológico (mRankin Scale 0 – 1) em 90 dias, de forma significativa (36% vs 29%;  OR 1.86;  IC 95%  1.15 – 2.99). Esse efeito ocorre de forma concomitante com um aumento de risco de transformação hemorrágica com o uso de t-PA (5% vs 0.5%). Assim, sempre é necessário avaliar os riscos e benefícios da alteplase nessa situação, levando em consideração a individualidade do paciente em questão. 

Trombólise com alteplase ou tenecteplase?

A tenecteplase é utilizada há algum tempo para trombólise no contexto do infarto agudo do miocárdio com supra de segmento ST. No entanto, sua utilização no AVCi como substituto da alteplase está sob investigação. O uso da tenecteplase, ao invés da alteplase, em pacientes com AVCi tem sido estudada nos últimos 15 anos, devido aos seus diversos benefícios como menor custo e maior facilidade de administração (infusão em 5 minutos versus 1 hora). No entanto, sempre existiram preocupações com relação a sua eficácia e segurança. Nos últimos dois anos foram publicados alguns estudos para auxiliar nessa decisão. 

Existem evidências de boa qualidade de que a tenecteplase, na dose de 0,25 mg/kg (máximo 25mg), é não-inferior em relação a alteplase, em termos de eficácia e segurança 7. No entanto, sua superioridade ainda não conseguiu ser demonstrada 8 , e um trabalho recente 9 precisou ser interrompido precocemente após demonstrar que a dose de 0.4 mg/kg de tenecteplase aumentou significativamente o número de transformações hemorrágicas, com impacto negativo sobre a mortalidade, e pior desfecho funcional. Assim, a tenecteplase atualmente não deve ser utilizada no contexto de AVCi, exceto em ensaios clínicos.

Trombectomia Mecânica

A recanalização mecânica é uma terapia comprovadamente eficaz na melhora do desfecho funcional dos pacientes com AVCi, com número necessário para tratar (NNT) melhor que a t-PA. Entretanto, vale ressaltar que os pacientes desses estudos foram submetidos previamente a trombólise química, conforme indicações formais. A trombectomia mecânica só consegue ser realizada em casos de oclusão de grandes vasos proximais, como a artéria carótida interna e a artéria cerebral média (segmentos M1 e mais recentemente segmento M2). 

A realização de trombectomia mecânica também depende do tempo de déficit. Ela é formalmente indicada quando o paciente apresenta oclusão de vaso proximal e se enquadra na regra “666” (estudo MR CLEAN), que envolve: tempo de déficit < 6h; presença de escala NIH ≥ 6; escala ASPECTS ≥ 6 (realizada através da tomografia sem contraste). Quando o paciente se apresenta com déficit entre 6 horas e 24 horas, devemos avaliar se existe mismatch radiológico com protocolos envolvendo tomografia computadorizada (TC) com avaliação de perfusão (ex: software RAPID®) ou sequências de RM (respeitando os critérios dos estudos DAWN e DEFUSE-3). 

Desde o advento da trombectomia mecânica, foram realizados diversos trabalhos avaliando se a trombólise química com alteplase seria dispensável. Inicialmente foram feitos estudos de não inferioridade, na população asiática, com resultados conflitantes. Foi confirmada não inferioridade nos estudos chineses DIRECT-MT e DEVT, porém refutada a não inferioridade no trabalho japonês SKIP. Mais recentemente foi publicado o trabalho MR CLEAN-NO IV 6, multicêntrico europeu, comparando trombectomia mecânica de forma isolada versus cuidado habitual (trombectomia + alteplase), que não encontrou evidência de superioridade ou de não-inferioridade dessa estratégia. As taxas de transformação hemorrágica foram semelhantes em ambos os grupos. Assim, no momento, todos pacientes com indicação de trombólise química e de trombectomia mecânica devem receber ambas as terapias.

Mensagens finais

As principais novidades no manejo do AVCi envolvem trabalhos dos últimos dois anos (figura 1). Em resumo: 

  • A alteplase segue sendo a única droga aprovada para trombólise química nos EUA.
  • Encaminhe todos os pacientes com menos de 24h de déficit neurológico para centros capazes de realizar trombectomia mecânica. 
  • Pacientes devem ser avaliados quanto a possibilidade de trombólise química em até 4.5h e a trombectomia mecânica em até 6h do início de déficit, conforme critérios habituais. Pacientes fora dessas janelas, porém menos de 24h de déficit podem ser candidatos a ambas as terapias se houver evidência de mismatch.  
  • A trombólise química deve ser realizada antes da trombectomia mecânica em todos os pacientes que tiverem indicação de ambas as terapias. A trombectomia mecânica de forma isolada deve ser realizada apenas nos pacientes com contraindicação à trombólise química, porém indicação desta terapia.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
    1. Thomalla G; WAKE-UP Investigators. MRI-Guided Thrombolysis for Stroke with Unknown Time of Onset. N Engl J Med. 2018 Aug 16;379(7):611-622. doi: 10.1056/NEJMoa1804355
    2. Ma H; EXTEND Investigators. Thrombolysis Guided by Perfusion Imaging up to 9 Hours after Onset of Stroke. N Engl J Med. 2019 May 9;380(19):1795-1803. doi: 10.1056/NEJMoa1813046.
    3. Ringleb P, Bendszus M, Bluhmki E, Donnan G, Eschenfelder C, Fatar M, Kessler C, Molina C, Leys D, Muddegowda G, Poli S, Schellinger P, Schwab S, Serena J, Toni D, Wahlgren N, Hacke W; ECASS-4 study group. Extending the time window for intravenous thrombolysis in acute ischemic stroke using magnetic resonance imaging-based patient selection. Int J Stroke. 2019 Jul;14(5):483-490. doi: 10.1177/1747493019840938.
    4. Campbell BCV; EXTEND, ECASS-4, and EPITHET Investigators. Extending thrombolysis to 4·5-9 h and wake-up stroke using perfusion imaging: a systematic review and meta-analysis of individual patient data. Lancet. 2019 Jul 13;394(10193):139-147. doi: 10.1016/S0140-6736(19)31053-0. 
    5. Chang CWJ, Provencio JJ, Shah S. Neurological Critical Care: The Evolution of Cerebrovascular Critical Care. Crit Care Med. 2021 Jun 1;49(6):881-900. doi: 10.1097/CCM.0000000000004933.
    6. LeCouffe; MR CLEAN–NO IV Investigators. A Randomized Trial of Intravenous Alteplase before Endovascular Treatment for Stroke. N Engl J Med. 2021 Nov 11;385(20):1833-1844. doi: 10.1056/NEJMoa2107727.
    7. Menon BK; AcT Trial Investigators. Intravenous tenecteplase compared with alteplase for acute ischaemic stroke in Canada (AcT): a pragmatic, multicentre, open-label, registry-linked, randomised, controlled, non-inferiority trial. Lancet. 2022 Jul 16;400(10347):161-169. doi: 10.1016/S0140-6736(22)01054-6.
    8. Logallo N; Tenecteplase versus alteplase for management of acute ischaemic stroke (NOR-TEST): a phase 3, randomised, open-label, blinded endpoint trial. Lancet Neurol. 2017 Oct;16(10):781-788. doi: 10.1016/S1474-4422(17)30253-3.
    9. Kvistad CE; Tenecteplase versus alteplase for the management of acute ischaemic stroke in Norway (NOR-TEST 2, part A): a phase 3, randomised, open-label, blinded endpoint, non-inferiority trial. Lancet Neurol. 2022 Jun;21(6):511-519. doi: 10.1016/S1474-4422(22)00124-7.
     

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