Acometimento neurológico em crianças com síndrome hemolítico-urêmica típica: dados de uma revisão retrospectiva

A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) é um quadro grave, sendo a principal causa de insuficiência renal aguda na infância. Saiba mais.

A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) é um quadro grave, sendo a principal causa de insuficiência renal aguda na infância. É causada por uma desregulação imune, com aumento da atividade inflamatória, lesão endotelial, microangiopatia trombótica, com consumo de plaquetas e formação de microtrombos de forma disseminada, acometendo mais frequentemente as artérias renais. Essa formação de trombos é a responsável pela tríade da doença: anemia hemolítica não imune, trombocitopenia e insuficiência renal aguda. 

Além dos microtrombos na circulação renal, o sistema nervoso central também pode ser acometido em cerca de 30% dos casos, sendo essa manifestação considerada como uma das formas mais graves. Além dos trombos no sistema nervoso central, os pacientes podem se apresentar com manifestações do sistema nervoso central causados pela própria insuficiência renal, devido à uremia ou hipertensão arterial maligna, com manifestações que podem ser de encefalopatia, letargia, irritabilidade, coma, crises convulsivas e/ou déficits focais. 

A maioria dos casos de síndrome hemolítico-urêmica é causada por uma infecção pela Escherichia coli produtora de toxina shiga-like (STEC), sendo um dos subtipos mais comuns aquele de sorotipo O157:H7. Esses quadros são comumente conhecidos como SHU típica, e são os mais comuns na faixa pediátrica, acometendo geralmente pacientes até 10 anos de idade, com pico entre 3-5 anos, e apresentando com frequência um pródromo de diarreia sanguinolenta de 2-14 dias antes da apresentação da SHU (apesar de alguns casos não se apresentarem com pródromos). 

Apesar de grave, a SHU típica, quando abordada de forma precoce e correta, apresenta bom prognóstico. Os casos com alterações neurológicas associadas costumam se apresentar com maior gravidade e piores prognósticos; sendo assim, o conhecimento sobre a epidemiologia, manifestações clínicas e tratamentos para esses quadros são de fundamental importância para melhora do prognóstico dessas crianças acometidas com síndrome hemolítico-urêmica típica com acometimento neurológico. 

síndrome hemolítico-urêmica

Revisão retrospectiva sobre a síndrome hemolítico-urêmica

Um estudo publicado no European Journal of Pediatrics em agosto de 2021 traz uma revisão retrospectiva de casos conduzidos pela equipe de nefrologia de um centro terciário localizado na Irlanda. Foram avaliados 202 prontuários de crianças com ≤ 16 anos de idade com quadro de síndrome hemolítico-urêmica relacionado à infecção por STEC, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2018. Os autores fizeram coleta de dados relacionados à apresentação do quadro, avaliação laboratorial e radiológica, tratamento, duração da internação e desfechos de longo prazo (incluindo sequelas renais, como hipertensão arterial sistêmica, proteinúria e insuficiência renal, e neurológicas, como crises convulsivas recorrentes, déficits neurológicos focais e alterações do estado mental). 

Os autores encontram um total de 22 crianças do grupo com acometimento neurológico da SHU (11%). Foram identificados 7 sorotipos de E. coli, com 50% sendo do subgrupo O157. Um total de 97% de crianças apresentou sintomas diarreicos previamente a abertura do quadro, com 61% tendo diarreia sanguinolenta e 22% com febre associada.  No grupo com manifestações neurológicas, houve uma proporção significativamente maior, com relevância estatística (p = 0,034), de pacientes com oligúria ou anúria. A internação em UTI (86% vs 16% – p< 0,001) e a média de dias de internação (21 vs 9 dias – p < 0,01)) também foram maiores no grupo com alterações neurológicas, demonstrando uma maior gravidade desses casos. Não houve diferenças estatisticamente significativas com relação às características demográficas ou laboratoriais. 

Com relação às manifestações neurológicas apresentadas, o quadro mais comum foi de crises convulsivas (73% dos pacientes), com 4 crianças se apresentam com estado de mal epiléptico. Dez pacientes apresentaram sinais de encefalopatia e quatro apresentaram déficits neurológicos focais. Houve necessidade de uso de medicações anticonvulsivantes em 16 pacientes, sendo que 4 pacientes necessitaram de uso de medicação após a alta, com descontinuação em 6 meses. A apresentação foi mais comum nas primeiras 48 horas do quadro. 

Com relação ao tratamento, os pacientes com alterações neurológicas necessitaram mais diálise do que os sem alterações neurológicas (86% vs 49%, p < 0,001). O tipo de diálise mais comum foi a diálise peritoneal. 86% dos pacientes com alterações neurológicas fizeram uso de pelo menos uma terapia específica (plasmaférese ou eculizumabe, não simultaneamente). Houve um óbito no grupo, devido à falência multiorgânica. 

Resultados

Quando observadas as sequelas de longo prazo, os autores encontraram: 

  • Recuperação neurológica completa em 91% dos pacientes; 
  • Dois pacientes com comprometimento leve na escala PCPC (Pediatric Cerebral Performance Category); 
  • Um paciente apresentou um quadro breve de convulsão motora generalizada um ano após a alta hospitalar; 
  • Recuperação renal completa em 88% dos pacientes; 
  • Maior proporção de pacientes com alterações neurológicas evoluindo com sequelas renais (27% vs 12%, p = 0,031); 
  • Um paciente de cada grupo (com e sem alterações neurológicas) evoluindo com insuficiência renal crônica e necessidade de transplante renal. 

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Nos dados gerados a partir dessa revisão retrospectiva, os autores observaram que houve melhora dos desfechos de longo prazo e redução da mortalidade, quando comparados com estudos mais antigos. Isso provavelmente se deve à melhoria no diagnóstico e nos cuidados de suporte. O uso de plasmaférese e do eculizumabe não estão ainda bem estabelecidos, não havendo ainda evidências científicas do seu benefício nesses pacientes. Apesar dessas terapias serem utilizadas com frequência em pacientes graves com síndrome hemolítico-urêmica, ainda não há indícios para sugerir que essas terapias são as responsáveis pelas melhorias no prognóstico. 

Essas informações poderão contribuir com novas perspectivas para a abordagem do quadro, principalmente no que diz respeito ao aconselhamento parental quanto à mortalidade e ao desenvolvimento de sequelas de longo prazo. 

Referências bibliográficas:

  • CODY, Ellen M.; DIXON, Bradley P. Hemolytic uremic syndrome. Pediatric Clinics, v. 66, n. 1, p. 235-246, 2019.
  • COSTIGAN, Caoimhe Suzanne et al. Neurological Involvement in Children with Hemolytic Uremic Syndrome. 2021.
  • VITERI, Bernarda; SALAND, Jeffrey M. Hemolytic Uremic Syndrome. Pediatrics in review, v. 41, n. 4, p. 213-215, 2020. 

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