Administração de plasma convalescente em pacientes com Covid-19

A administração de plasma convalescente é uma das estratégias terapêuticas em investigação para o tratamento de Covid-19.

A administração de plasma convalescente é uma das estratégias terapêuticas em investigação para o tratamento de Covid-19, mas seu real benefício ainda não foi comprovado.

O racional por trás de seu uso reside na presença de anticorpos contra SARS-CoV-2 no plasma de pessoas que se recuperaram da infecção pelo vírus e que tais anticorpos poderiam impedir a entrada do vírus e/ou seus efeitos em células de pessoas recém-infectadas.

Até o momento, os estudos que avaliaram plasma convalescente como tratamento apresentaram resultados conflitantes. Enquanto estudos como PLACID Trial, conduzido na Índia, e o PlasmAr, conduzido na Argentina, não mostraram diferença entre participantes que receberam plasma e participantes que receberam placebo, um outro estudo, publicado no NEJM, encontrou redução de progressão de Covid-19 em pacientes idosos que receberam plasma precocemente.

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Além disso, no início de 2021, os coordenadores do estudo RECOVERY interromperam o recrutamento de pacientes com Covid-19 para o braço que receberia plasma convalescente após uma análise interina não ter demonstrado benefício na redução de mortalidade em 28 dias quando comparado com tratamento padrão.

Uma revisão sistemática com meta-análise publicada na JAMA procurou avaliar as evidências disponíveis até o momento em relação ao real papel do plasma convalescente na terapia contra infecções pelo SARS-CoV-2.

Administração de plasma convalescente em pacientes com Covid-19

Materiais e métodos

Foram incluídos na seleção artigos disponíveis no PubMed, no registro de estudos Cochrane Covid-19 e na plataforma Living Overview of Evidence que apresentassem os resultados de ensaios clínicos randomizados em que pacientes com infecção suspeita ou confirmada por SARS-CoV-2 tivessem sido randomizados para receber plasma convalescente, placebo com tratamento padrão ou tratamento padrão somente.

Os estudos foram incluídos independente dos níveis de títulos de anticorpos contra SARS-CoV-2 (altos títulos foram definidos como IgG ≥ 1:640 ou títulos de anticorpos neutralizantes ≥ 1:40) ou do contexto de internação (ambulatorial, enfermaria ou unidade de terapia intensiva). Além disso, tanto artigos publicados em revistas com revisão quando versões pré-print foram avaliados. Entretanto, os ensaios voltados para prevenção de Covid-19, isto é, para o uso profilático de plasma, foram excluídos.

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Os desfechos avaliados foram mortalidade por todas as causas em qualquer momento, tempo de internação, número de pacientes com melhora ou deterioração clínica, número de pacientes necessitando de ventilação mecânica e número de pacientes que apresentaram eventos adversos.

Resultados

Foram incluídos 10 ensaios clínicos randomizados, dos quais 3 eram da Índia e 2 da Argentina. Bahrein, China, Holanda, Espanha e Reino Unido também estavam representados com 1 estudo cada. Desses 10 estudos, 5 foram interrompidos precocemente: 2 por futilidade – incluindo o braço de plasma do RECOVERY — e o terceiro por pela inclusão lenta de participantes. Dos estudos incluídos, 2 eram duplo-cego, enquanto os outros 8 eram estudos abertos.

Excetuando-se o RECOVERY, que também incluiu casos suspeitos, todos os estudos incluíram pacientes com infecção confirmada por SARS-CoV-2. Em relação ao cenário de tratamento, 1 estudo avaliou pacientes ambulatoriais, 5 incluíram pacientes internados com necessidade de oxigênio suplementar e 4 incluíram pacientes internados independente da necessidade de oxigênio.

Somando-se todas as amostras, foram avaliados dados de 11.782 pacientes, sendo que 750 foram conhecidamente randomizados para receber plasma convalescente e 626 para receber placebo e/ou tratamento padrão. O estudo RECOVERY não informou em seu relatório para a impressa a distribuição de sua randomização e, por esse motivo, não foi possível determinar a quantidade de indivíduos nesse estudo que receberam plasma convalescente ou tratamento padrão.

Analisando-se somente os dados dos estudos que passaram por revisão (peer review), a mortalidade do grupo que recebeu plasma foi de 11,6% vs. 12,7% no grupo controle, o que corresponde a um risco relativo de 0,93 (IC 95% 0,63 – 1,38; p = 0,6) e a uma diferença de risco absoluto de -1,21% (IC 95% -5,29 – 2,88%), ambos sem significância estatística. Quando são incluídos todos os 10 trabalhos, o RR para mortalidade por qualquer causa com o uso de plasma convalescente é de 1,02 (IC 95% 0,92 – 1,12; p = 0,68), também sem significância estatística.

De forma semelhante, a análise dos estudos submetidos à revisão não encontrou associação significativa entre o tratamento com plasma e redução no tempo de internação (HR = 1,17; IC 95% 0,07 – 20,34; p = 0,61) ou na necessidade de ventilação mecânica (RR = 0,76; IC 95% 0,2 – 2,87; p = 0,35). Analisando em conjunto os trabalhos revisados e pré-print, os resultados foram semelhantes, sem diferença significativa entre os grupos em relação ao tempo de internação (HR = 1,07; IC 95% 0,79 – 1,45; p = 0,87) e à necessidade de ventilação mecânica (RR = 0,81; IC 95% 0,42 – 1,58; p = 0,88).

Devido à heterogeneidade de definições e insuficiência de dados, não foi possível fazer uma análise combinada do efeito do plasma convalescente na melhora ou deterioração clínica dos participantes. Contudo, dos 5 ensaios clínicos que reportaram esse tipo de dado, nenhum demonstrou diferença entre o grupo que recebeu plasma convalescente e o grupo controle. Pela inconsistência na forma de reporte entre os estudos, não foi realizada meta-análise em relação aos eventos adversos.

Além da heterogeneidade nas definições, uma limitação que os autores destacam é que os dados reportados eram muito limitados para que análises por subgrupos pudessem ser feitas. Com isso, possíveis benefícios em subpopulações — como idosos vs. jovens — ou diferenças com o uso de altos ou baixos títulos de anticorpos não puderam ser avaliados.

Mensagem prática

Avaliando-se as evidências disponíveis até o momento, o uso de plasma convalescente não esteve associado a menor mortalidade e nem com melhores desfechos clínicos em pacientes com Covid-19.

Referências bibliográficas:

  • Janiaud P, Axfors C, Schmitt AM. Association of Convalescent Plasma Treatment With Clinical Outcomes in Patients With COIVD-19. A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA doi:10.1001/jama.2021.2747
  • Agarwal A, Mukherjee A, Kumar G, Chatterjee P, Bhatnagar T, Malhottra P. Convalescent plasma in the management of moderate covid-19 in adults in India: open label phase II multicenter randomised controlled trial (PLACID Trial). BMJ doi: 10.1136/bmj.m3939
  • Smonovich VA, Prtax LDB, Scibona P, et al. a Randomized Trial of Convalescent Plasma in Covid-19 Severe Pneumonia. N Engl J Med 2021; 384:619-629 doi:1056/NEJMoa2031304
  • RECOVERY trial closes recruitment to convalescent plasma treatment for patients hospitalised with Covid-19. Disponível em: https://www.recoverytrial.net/results/convalescent-plasma
  • Libster R, Marc GP, Wappner D, et al. Early High- Titer Plasma Therapy to Prevent Severe Covid-19 in Older Adults. N Engl J Med 2021; 384:610-618. doi: 1056/NEJMoa2033700

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