Aducanumabe para Alzheimer: controvérsias do medicamento aprovado pela FDA

Esta semana, foi aprovado o Aducanumabe pelo FDA (órgão regulatório americano) para o tratamento da Doença de Alzheimer.

Esta semana, foi aprovado o Aducanumabe pelo FDA (órgão regulatório americano) para o tratamento da Doença de Alzheimer. A notícia foi recebida com otimismo por algumas entidades porque há muitos anos não surgia uma novidade no tratamento desta condição neurodegenerativa e também pelo fato de que é o primeiro tratamento que foca não apenas nos sintomas, mas sim na raiz etiopatogênica do problema. No entanto, especialistas trazem alguns contrapontos que merecem atenção. 

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Esta semana, foi aprovado o Aducanumabe pelo FDA (órgão regulatório americano) para o tratamento da Doença de Alzheimer.

Que remédio é esse?

O Aducanumabe é um anticorpo monoclonal que atua nas placas amiloides cerebrais relacionadas à fisiopatologia da doença de Alzheimer. Ela obteve resultados animadores em estudos de fase 2, mas os estudos de fase 3 (trials ENGAGE e EMERGE) não mostraram melhora clínica significativa, principalmente para fases moderadas/avançadas. Estes estudos avaliaram pacientes com “declínio cognitivo leve” (ou CCL – comprometimento cognitivo leve”, uma condição que pode preceder o Alzheimer) e pacientes já em fase inicial de demência.

Meses depois destas publicações, a empresa fabricante da droga reavaliou o EMERGE e uma análise post hoc mostrou que a medicação alcançou os endpoints clínicos primários num subgrupo de pacientes, em fases iniciais e com alta dose da medicação. A medicação é aplicada via intravenosa a cada 4 semanas, continuamente. Aqueles que receberam a droga ativa tiveram redução (dependente da dose e do tempo) da placas amiloides visualizadas ao exame PET-CT, enquanto aqueles no grupo de controle (placebo) não apresentaram esta redução. Isto é, a medicação teria sido bem sucedida no marco fisiopatológico da doença.

Limitações e críticas

Esta medicação vem sendo testada há alguns anos e já tinha sido negado pelo próprio FDA há alguns meses, de modo que que o processo de aprovação levou quase dois anos, pareceres contrários e algumas idas e vindas. 

As críticas feitas aos resultados atuais do Aducanumabe são as seguintes:

  • Os resultados destacados referem-se apenas às fases prodrômica (CCL) e à demência leve da doença de Alzheimer (respectivamente, escala Clinical Dementia Rating – CDR 0,5 e CDR 1), em pacientes com confirmação diagnóstica através de biomarcadores (PET-CT cerebral ou líquido cefalorraquidiano demonstrando a presença de patologia amiloide), o que na prática significa um pequeno percentual de pacientes;
  • A relevância dos resultados positivos é ambígua. Apesar da redução significativa das lesões no exame de PET amiloide ao longo de um ano, o benefício clínico foi menos confiável, pois a melhora na escala CDR foi mínima (cerca de 20%), o que provavelmente teria impacto irrelevante no dia a dia do paciente. 
  • O estudo usado como base foi incompleto (decidiu-se interromper por futilidade) e observou os pacientes por pouco tempo, o que poderia trazer dúvidas a respeito da eficácia a longo prazo, considerando que a doença de Alzheimer costuma acompanhar o paciente por muitos anos. 
  • Os estudos post-hoc em geral tendem a trazer vieses que comprometem a sua validade estatística, de modo que as ferramentas mais adequadas para que os órgãos reguladores possam aprovar um tratamento são os ensaios clínicos randomizados. 
  • 30 a 40% dos pacientes do estudo EMERGE apresentaram uma complicação radiológica (amyloid-related imaging abnormalities — “ARIA” —, que pode incluir edema cerebral e micro-hemorragias), embora tenham sido assintomáticos.

Além isso, o custo financeiro do Aducanumabe é bastante alto (aproximadamente de 5 a 6 mil dólares por mês) e ainda demandaria custos indiretos, como os exames de PET de amiloide, biomarcadores de líquor e eventuais exames de ressonância magnética para monitorar possíveis efeitos adversos. 

Por isso, é muito importante se definir criteriosamente quais os pacientes seriam os mais indicados para receber esta medicação. Alguns neurologistas têm a opinião de o principal potencial de utilidade clínica deste tipo de anticorpo será nos casos de pessoas assintomáticas portadores de mutações definidoras da Doença de Alzheimer, a fim de talvez postergar o tempo até o aparecimento de sintomas em alguns anos. Como estes casos genéticos são apenas cerca de 10% dos total e, como na prática o teste genético é feito principalmente quando há história de familiar de primeiro grau com quadro pré-senil característico, então é provável que a nova medicação seja para pacientes muito selecionados. Ainda, esta resposta definitiva deve demorar  muitos anos, pois o ideal seria acompanhar os assintomáticos portadores de mutações, comparando-se usuários de anticorpos versus placebo. 

Por que foi aprovado então?

A agência europeia (EMA) ainda avalia a aprovação da droga e a Alzheimer’s Association apoiou a decisão do FDA. Já a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) se manifestou formalmente orientando indicações precisas e discutindo a sua eficácia clínica, enquanto a American Geriatrics Society solicitou que o FDA não aprove a medicação. 

A atual aprovação pela via “liberação acelerada” já havia acontecido na história da instituição americana para algumas medicações relacionadas a outras doenças. Ela baseou-se nos argumentos de que o Alzheimer é uma doença grave, que o Aducanumabe pode ser melhor do que os outros disponíveis e que este tratamento tem um perfil de segurança aceitável. Ainda, o FDA pede um novo ensaio clínico para comprovar os possíveis benefícios e explicitou a necessidade de prolongar o estudo de farmacovigilância para observação dos resultados de longo prazo e monitorização de efeitos adversos. Esta fase é denominada fase 4 e avaliará se há um real benefício clínico (melhora cognitiva ou desaceleração na progressão da doença) nos casos de comportamento cognitivo leve (CDR 0,5) e/ou quadros demenciais leves (CDR 1), o que ainda carece de comprovação. 

De qualquer modo, a aprovação do Aducanumabe ou outros tratamentos “modificadores de doença” para o Alzheimer requerem uma transformação da prática assistencial. Afinal, é importante lembrar que o diagnóstico precoce e específico é uma primeira etapa essencial, porque o benefício do tratamento é esperado apenas quando este é implementado em estágios iniciais da doença. Sabemos que muitas pessoas com demência nunca recebem um diagnóstico da causa subjacente ou só o recebam depois de muitos anos da doença. Por isso, fica mais encorajado o diagnóstico precoce do Alzheimer, numa analogia ao que ocorreu com uma outra condição neurológica potencialmente grave, a Esclerose Múltipla, em que o desenvolvimento de novas medicações trouxe uma revolução nesta área da Neurologia, uma vez que estimulou contínuas revisões nos critérios diagnósticos e mais pesquisas acerca da fisiopatologia da doença.

Lembretes importantes 

Nesta linha, uma consulta médica é fundamental para se fazer o diagnóstico diferencial de outras possíveis causas do déficit cognitivo em determinado paciente, incluindo as etiologias reversíveis. 

Além disso, deve-se lembrar dos casos graves e moderados, nos quais a medicação recém-aprovada não teve efeito. Sobre este, existe uma substancial experiência acumulada por profissionais da área em relação sintomas comportamentais (inquietação, agitação, apatia etc), que podem trazer mais comprometimento da qualidade de vida do paciente e transtornam o dia a dia de uma família: existem medicações para controle destes sintomas, bem como orientações e medidas não farmacológicas. 

Lembramos também que o aducanumabe ainda não está aprovado no Brasil. Por isso, permanecem as recomendações de sempre: estimular o aumento de reserva cognitiva nas pessoas em geral; prevenir fatores de risco cardiovasculares, que podem complicar o estado de um paciente com doença de Alzheimer; ter um acompanhamento regular em consultas com o médico especialista, a fim pedir orientações sobre questões específicas ou esclarecer sobre eventuais suspeitas de complicações da doença. 

Conclusão 

A aprovação desta medicação é um marco promissor e fruto de um grande esforço científico, que possivelmente trará diversos outros medicamentos alvo para a doença de Alzheimer. Não é uma esperança de cura definitiva, mas sim é uma possível arma a mais, para determinados pacientes em estágio precoce. Os resultados ainda não são contundentes e serão necessárias mais evidências para liberar o uso clínico da droga em larga escala. 

Saiba mais: ATS 2021: Doença de Alzheimer e declínio cognitivo – boas noites de sono podem prevenir?

Por isso, ressalta-se a importância de medidas protetoras e avaliação com o neurologista o quanto antes, para se definir um possível diagnóstico e acompanhar o desenvolvimento dos casos de alterações cognitivas, pois há muito o que se fazer por estes pacientes e por seus cuidadores. 

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