AHA 2021: há benefício em operar a valva tricúspide no paciente com indicação de cirurgia valvar mitral?

Um estudo apresentado no AHA 2021 avaliou os benefícios e riscos do reparo da valva tricúspide em pacientes com insuficiência tricúspide.

Insuficiência tricúspide (IT) é frequente em pacientes com insuficiência mitral (IM) degenerativa e, quando é considerada importante, a tendência é realizar sua correção cirúrgica durante o mesmo procedimento da correção mitral, já que a correção tardia está associada a alta morbimortalidade.

Quando a IT é leve ou moderada a indicação de tratamento cirúrgico é controversa, pois geralmente a correção da valva mitral melhora a IT de forma progressiva, com remodelamento reverso do coração direito e redução da pressão sistólica da artéria pulmonar. Porém, até um quarto dos pacientes pode ter progressão da IT e piores desfechos de sobrevida e capacidade funcional.

Alguns estudos pequenos mostraram benefício do tratamento da IT leve a moderada associada a dilatação do anel valvar, às custas de algumas complicações, como necessidade de marca-passo, aumento do tempo cirúrgico e uma chance de necessidade de troca da válvula e não apenas o seu reparo (anuloplastia).

Baseado nisso, foi feito um estudo, publicado hoje, durante o congresso da American Heart Association (AHA 2021), com o objetivo de avaliar os benefícios e os riscos do reparo da valva tricúspide em pacientes com IT moderada ou menor que moderada (ausente, discreta ou leve) em pacientes submetidos a cirurgia para correção de insuficiência mitral degenerativa.

cirurgião se preparando para operar insuficiência tricúspide

Insuficiência tricúspide

Foi estudo multicêntrico e randomizado realizado em 39 centros dos EUA, Canadá e Alemanha. Os pacientes com indicação de cirurgia valvar mitral que tinham IT moderada ou menor que moderada, com dilatação do anel valvar (≥ 40mm ou 21mm/m2), foram randomizados em uma razão 1:1 para realização de cirurgia com ou sem anuloplastia tricúspide (AT).

O grau de IT era avaliado por ecocardiograma transtorácico e os critérios de exclusão eram IM secundária, doença primária da valva tricúspide e manejo volêmico subotimizado. A cirurgia era realizada via esternotomia ou minitoracotomia direita e o anel valvar implantado era padronizado (de 26, 28 ou 30mm).

O desfecho primário avaliado em 2 anos foi um desfecho composto de nova cirurgia para IT, piora da IT em pelo menos 2 graus ou IT importante e mortalidade. O desfecho secundário foi mortalidade, eventos cardiovasculares e cerebrovasculares maiores, necessidade de marca-passo definitivo, tempo de internação, IT residual, alterações especificas no ecocardiograma, classe funcional (CF) de insuficiência cardíaca (IC), uso de diuréticos, resultados do teste de caminhada de 6 minutos, teste da marcha para fragilidade, avaliação da qualidade de vida por questionário específico, eventos adversos graves, internação e custo efetividade.

Resultados

Entre 2016 e 2018, 401 pacientes foram randomizados, sendo 203 para cirurgia valvar mitral (CM) e 198 para CM associada a anuloplastia tricúspide (AT). Os dois grupos eram semelhantes, a IT era moderada em 149 pacientes (37,3%), a função ventricular direita era normal em 90,5% e 30,3% tinham IC CF III ou IV.

Foi feita correção da valva mitral em 89,8% e troca valvar mitral em 10,2%. Nos pacientes submetidos a AT, o tamanho médio do anel era 29mm em homens e 27,8mm em mulheres.

Mais de 50% dos pacientes foram também submetidos a outros procedimentos, como revascularização coronária, ablação de fibrilação atrial (FA), oclusão do apêndice atrial esquerdo e correção de forame oval patente. O tempo cirúrgico foi maior no grupo com AT (166 x 132 minutos), sem ocorrência de mais complicações intra ou pós-operatórias.

O desfecho primário foi mais frequente nos pacientes submetidos a CM do que nos submetidos a CM associada a AT (10,2% x 3,9%), com risco relativo (RR) de 0,37 (IC 95% 0,16 – 0,86, p = 0,02). Em relação aos componentes do desfecho primário, não houve diferença de mortalidade entre os grupos (4,5% x 3,2%) e nenhum paciente necessitou de nova cirurgia tricúspide no seguimento de 2 anos. A progressão da IT foi maior no grupo não submetido a AT (6,1% x 0,6%, RR 0,09; IC95% 0,01-0,69), sendo que a maioria desses evoluiu para IT importante. Em uma análise post-hoc foi visto que o desfecho primário ocorreu nos pacientes com IT moderada e não nos com IT menor que moderada.

Em relação aos desfechos secundários, não houve diferença na mortalidade ou nos desfechos cardiovasculares e cerebrovasculares maiores, assim como na ocorrência de eventos adversos graves, qualidade de vida, capacidade funcional, reinternação, uso de diurético e IC FC III ou IV.

A progressão da IT ao ecocardiograma ocorreu em 25,1% dos pacientes com CM e em 3,4% dos com CM mais AT e não houve diferença nos outros parâmetros avaliados pelo ecocardiograma.

O tempo de internação foi dois dias menor no grupo apenas com CM nos EUA e Canadá e semelhante na Alemanha. Arritmias supraventriculares com necessidade de cardioversão ou medicação foi mais frequente no grupo CM e necessidade de marca-passo definitivo por bradiarritmias foi mais frequente no grupo com CM mais AT.

Conclusão

Este estudo mostrou benefício da realização de anuloplastia tricúspide concomitante a correção valvar mitral em relação ao desfecho primário às custas de redução de progressão da IT, sendo que esta progressão parece ser mais importante para os pacientes que já tem IT moderada.

Apesar disso, não houve melhora dos outros parâmetros avaliados e houve maior necessidade de implante de marca-passo definitivo, que pode gerar complicações a longo prazo (disfunção do dispositivo, trombose, endocardite, entre outras). Sendo assim, é um procedimento que não deve ser indicado de rotina.

Pode ser que esses pacientes tenham um desfecho favorável em um seguimento mais prolongado e o follow-up até 5 anos pós procedimento está sendo realizado.

Mais do AHA 2021:

Referência bibliográfica:

  • Gammie JS, et al. Concomitant Tricuspid Repair in Patients with Degenerative Mitral Regurgitation. The New England Journal of Medicine. November 13, 2021 DOI: 10.1056/NEJMoa2115961

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