Anticoagulação e sangramento: como manejar?

Muito se tem estudado sobre anticoagulação no manejo dos pacientes com Covid-19, sendo o principal receio com seu uso o risco de sangramento.

Atualmente, muito se tem estudado sobre anticoagulação no manejo dos pacientes infectados pelo novo coronavírus. Além da Covid-19, os anticoagulantes são utilizados em diversas situações na prática clínica. Se, por um lado, a terapia pode salvar vidas e melhorar a saúde dos indivíduos, por outro, pode levar a complicações, como qualquer outra intervenção terapêutica. O principal receio com o uso de anticoagulantes é o risco de sangramento.

Alguns estudos já mostram que muitos médicos optam pelo uso de antiagregante plaquetário (ou até mesmo por não prescrever anticoagulante nem antiagregante) em determinadas situações, como para pacientes com quedas frequentes ou história de úlcera péptica sangrante (mesmo se em uso de inibidor de bomba de próton). Além disso, os próprios pacientes temem pelas complicações hemorrágicas, o que impacta na qualidade de vida e na aderência ao tratamento. Por exemplo, evidências apontam maior incidência de menorragia em mulheres que utilizam inibidor de fator X. Isso gera maior desconforto para as pacientes e aumenta os gastos em saúde, visto que muitas delas procuram atendimentos médicos e são submetidas a exames complementares para investigação de sangramento anormal.

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Anticoagulação e sangramento: como manejar?

Motivo da anticoagulação

Uma questão importante é o motivo pelo qual está sendo indicada a anticoagulação. Por exemplo, pacientes em tratamento de tromboembolismo venoso tendem a ter características distintas daqueles com fibrilação atrial: em geral, são pessoas mais jovens e que não fazem uso de antiagregante plaquetário (baixo risco hemorrágico); por outro lado, há uma prevalência maior de câncer nesta população, e o esquema de anticoagulação costuma ser mais intensivo, particularmente no início do tratamento (alto risco hemorrágico). Um dado relatado na literatura é a maior ocorrência de hemorragia intracraniana nos indivíduos com fibrilação do que com tromboembolismo, provavelmente devido à idade mais avançada.

Sangramento secundário à anticoagulação

O sítio mais comum de sangramento causado pelos anticoagulantes é o trato gastrointestinal, porém a hemorragia intracraniana associa-se a pior prognóstico. O manejo de sangramentos em indivíduos anticoagulados deve ser o mesmo indicado para os demais pacientes: medidas locais (ex.: compressão), oxigenioterapia, reposição volêmica, transfusão sanguínea, suporte hemodinâmico. No entanto, além disso, a reversão do efeito anticoagulante é necessária, principalmente nos casos de hemorragias maciças ou potencialmente fatais.

Em primeiro lugar, deve-se saber qual anticoagulante utilizado. Segundo dados de estudos randomizados e observacionais, o risco hemorrágico dos anticoagulantes orais diretos (DOAC) é cerca de 30% menor, quando comparado ao antagonista de vitamina K (varfarina). Dentre os DOACs, autores dinamarqueses apontaram maior risco de sangramento com rivaroxabana do que com apixabana ou dabigatrana.

A chance de sangramento durante tratamento com heparina não fracionada (HNF) depende de fatores relacionados ao paciente (ex.: idade, comorbidades, história de trauma recente) e à terapia (ex.: dose de heparina, uso concomitante de outros agentes antitrombóticos). Comparando com heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou fondaparinux, as análises mostram risco de sangramento grave semelhante (cerca de 1-2%).

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Outra questão importante é quando a última dose foi tomada. Nas situações de superdosagem de DOAC, recomendam-se lavagem gástrica e carvão ativado nas primeiras horas após a ingestão.

O uso concomitante de antiagregante plaquetário e a função renal são fatores que também devem ser avaliados diante de um paciente anticoagulado com sangramento grave. Apesar de não haver evidências concretas de relação entre baixo peso e alto risco hemorrágico com DOAC, observa-se maior risco nos pacientes com disfunção renal que fazem uso de dabigatrana, assim como de varfarina.

Reversão do efeito anticoagulante

A indicação de reversão do efeito anticoagulante deve ser individualizada, levando-se em consideração o risco tromboembólico, a gravidade do sangramento e a necessidade de anulação completa do efeito da droga.

Nos casos de tratamento com varfarina, pode-se administrar vitamina K por via oral ou endovenosa. Opta-se pela via endovenosa quando há indicação de reversão rápida do anticoagulante, associada à administração de complexo protrombínico. Ressalta-se que o efeito do complexo protrombínico na correção do INR é rápido, porém transitório devido à curta meia-vida dos fatores de coagulação; por isso, indica-se o uso concomitante de vitamina K.

Plasma fresco X complexo protrombínico: O plasma fresco contém todos os fatores de coagulação dependentes de vitamina K. No entanto, para reposição adequada dos fatores, é necessário grande volume de plasma (cerca de dois litros). Isso deve ser considerado, principalmente quando o paciente é idoso e tem alto risco de sobrecarga volêmica. Além disso, o hemocomponente deve ser descongelado e preferencialmente ABO compatível. Por outro lado, o complexo protrombínico, que também contém os fatores de coagulação dependentes de vitamina K, é capaz de provocar aumento dos níveis de tais fatores com a infusão de volume bem menor e sem a necessidade de compatibilidade ABO.

Em relação às heparinas, o sulfato de protamina é o agente neutralizador do anticoagulante. Por ter uma meia-vida muito curta, doses repetidas podem ser úteis (respeitando-se a dose máxima de 50 mg). Apesar de raro, há risco de reação de hipersensibilidade, incluindo anafilaxia, em pacientes com história de alergia a peixe ou exposição prévia à droga, bem como aqueles que recebem altas doses do antídoto. Indivíduos sabidamente alérgicos à protamina podem ser pré-medicados com anti-histamínicos e corticoides.

O sulfato de protamina não é eficaz na reversão do efeito de fondaparinux. Até o momento, não há antídoto específico para tal anticoagulante. Estudos in vitro sugerem o uso de complexo protrombínico nas situações de necessidade de anulação da anticoagulação.

A dabigatrana possui um agente neutralizador do seu efeito, o idarucizumabe. Entretanto, tal antídoto não se encontra amplamente disponível, o que torna a reversão da anticoagulação desafiadora. Além da suspensão do anticoagulante, pode-se considerar outras medidas. Por exemplo, hemodiálise pode ser indicada para redução dos níveis plasmáticos do inibidor direto da trombina; no entanto, deve-se considerar o risco de implante do cateter para diálise num paciente anticoagulado e com sangramento. Outras medidas, como administração de complexo protrombínico, também podem contribuir para o controle hemorrágico.

Diferente da dabigatrana, os inibidores diretos do fator X não possuem um agente neutralizador do seu efeito disponível no Brasil e não são removidos da circulação por hemodiálise. Nesses casos, pode-se fazer complexo protrombínico, a fim de tentar conter a hemorragia.

Como citado anteriormente, inibidores de fator X podem associar-se à ocorrência de menorragia. Tal complicação pode ser manejada com ácido tranexâmico, terapia hormonal com estrogênio ou substituição do anticoagulante (por exemplo, por varfarina). Vale ressaltar que o ácido tranexâmico é contraindicado nos casos de hematúria, pelo risco de formação de trombos no ureter e consequente hidronefrose.

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Referências bibliográficas:

  • Piran S, Schulman S. Treatment of bleeding complications in patients on anticoagulant therapy. Blood. 2019 Jan 31;133(5):425-435. doi: 10.1182/blood-2018-06-820746.

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