Anticoagulação em pacientes críticos por Covid-19: chegamos a um consenso?

Vários autores têm estudado os efeitos da anticoagulação com diferentes regimes nos pacientes graves por Covid-19. Veja os novos resultados.

Diversos autores têm estudado os efeitos da anticoagulação com diferentes regimes nos pacientes graves por Covid-19. Com o passar do tempo, as evidências foram ficando mais robustas no sentido de demonstrar o elevado estado pró-trombótico dos pacientes com formas graves da doença, chegando a casuísticas assustadoras, como a incidência de tromboembolismo pulmonar em até 33% dos pacientes necropsiados¹ e evolução para critérios de coagulação intravascular disseminada em até 77% dos casos².

Apesar dos números assustadores, não há até o momento uma recomendação mais forte, embasada por estudos randomizados que direcionam por meio de diretrizes qual regime é mais adequado para cada cenário ou fase da doença³.

Hoje, a decisão sobre anticoagular ou não o paciente e em qual regime, fica a cargo individual de cada equipe, porém a tendência é de que doses mais altas de anticoagulação profilática estejam comprovadamente relacionadas com a redução de eventos trombóticos e até mesmo mortalidade4, sem aumento significativos nas taxas de sangramento.

O grupo responsável pelo estudo Intermediate vs Standard-Dose Prophylactic Anticoagulation in Critically-ill Patients With COVID-19: An Open Label Randomized Controlled Trial (INSPIRATION), acompanha alguns braços de pesquisa, incluindo este, que objetivou observar se há diferença de desfecho em usar doses intermediárias versus doses habituais de anticoagulação em pacientes com Covid-19 em formas graves5.

medicamentos variados para anticoagulação em pacientes críticos por covid-19

Novo estudo sobre anticoagulação na Covid-19

Trata-se de um estudo publicado em março de 2021 na revista Journal of the American Medical Association (JAMA), randomizado, multicêntrico com sede de pesquisa no Irã, envolvendo 600 pacientes admitidos com Covid-19 na UTI.

A pesquisa foi acompanhada por uma junta internacional, porém conduzido em dez hospitais de referência no Irã entre julho e novembro de 2020. O estudo foi avaliado e liberado pelo comitê de ética em pesquisa local e todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, para seguimento na pesquisa.

Leia também: Estudos que avaliam anticoagulação plena em Covid-19 grave são interrompidos

Foram incluídos:

  • Pacientes internados na UTI com Covid-19 confirmado por RT-PCR;
  • Menos de sete dias de internação hospitalar.

Foram excluídos:

  • Pacientes com expectativa de óbito iminente;
  • Uma indicação formal para anticoagulação plena;
  • Peso inferior a 40 kg;
  • Gravidez;
  • História de trombocitopenia induzida por heparina;
  • Contagem de plaquetas inferior a 50 × 103/μL;
  • Sangramento ativo não compressível.

Ao final, 1.692 pacientes foram elencados para seguimento na pesquisa. Após aplicar os critérios de exclusão, 600 pacientes foram alocados para randomização eletrônica. Um grupo (habitual) recebeu uma dose de enoxaparina 40 mg/dia. O outro grupo (intervenção) recebeu a dose de 1 mg/kg/dia com dose limite de 120 mg ao dia. Os pacientes com disfunção renal grave (Cclr < 30 mL/min) receberam heparina não fracionada.

O objetivo primário foi identificar possíveis diferenças entre os grupos quanto à incidência de eventos tromboembólicos graves, demanda de ECMO ou mortalidade nos primeiros 30 dias. Entre os objetivos secundários estão possíveis efeitos adversos, como sangramentos, tempo de uso de UTI, drogas vasoativas, terapia dialítica e outros.

Resultados

Na coorte de análise primária, o resultado de desfecho primário aconteceu em 126 de 276 pacientes (45,7%) no grupo de dose intermediária e em 126 de 286 pacientes (44,1%) no grupo de anticoagulação profilática na dose padrão (RR, 1,5% [IC95%, -6,6% a 9,8%]; chances OR, 1,06 [IC 95%, 0,76-1,48]; P = 0,70). Não houve ainda, diferença significante entre os grupos em relação aos desfechos secundários.

Embora a taxa de evento de desfecho primário tenha sido ligeiramente inferior do que o esperado, não houve sinal de benefício. Além disso, a não inferioridade para sangramento importante não foi confirmada.

Ainda de acordo com esses resultados, uma análise provisória de 3 grandes ensaios que testam dose terapêutica vs anticoagulação profilática padrão (ACTIV-4a, REMAP-CAP, e ATTACC) levou o conselho de monitoramento de dados e segurança a pausar inscrição adicional de pacientes por causa da futilidade para eficácia e potencial excesso de eventos de risco, onde esclarecimentos adicionais são aguardados.

Veja mais: Estratégias de anticoagulação na Covid-19: o que recomendam as principais sociedades

Comentários

Estudo grande e interessante, com uma questão importante a ser abordada, porém com algumas falhas metodológicas a meu ver:

  • O tempo de início para a anticoagulação não foi homogêneo, com alguns pacientes apresentando um tempo maior de evolução da doença antes de receber a dose maior;
  • A dose escolhida não foi muito diferente da dose habitual do ponto de vista clínico. Usar uma dose maior, como a preconizada pelo Grupo Francês envolvendo a sociedade de Hemostasia e Cuidados Peri-Operatórios, pudesse mostrar um desfecho diferente;
  • A indicação para inclusão no estudo não foi baseada em parâmetros de interesse, como níveis de D-dímero, fibrinogênio, hipoxemia grave ou obesidade, fatores esses que podem influenciar nos desfechos buscados.

Mensagem prática

Um tema interessante, porém ainda sem uma resposta definitiva. A Covid-19 leva a um estado pró-trombótico intenso e que está associado a um risco aumentado para o desenvolvimento de eventos tromboembólicos.

O uso de anticoagulante em dose plena, baseado em critérios clínicos e laboratoriais bem definidos, parece sensato e com aparente benefício em publicações recentes, sobretudo em estudo baseado nos critérios do grupo francês, publicado no CHEST.

No fim das contas, ainda é uma escolha individual de cada serviço.

Referências bibliográficas:

  1. Taccone FS, Gevenois PA, Peluso L, et al. Higher Intensity Thromboprophylaxis Regimens and Pulmonary Embolism in Critically Ill Coronavirus Disease 2019 Patients. Crit Care Med. 2020;48(11):e1087-e1090. doi: 10.1097/CCM.0000000000004548.
  2. Tang N, Li D, Wang X, et al: Abnormal coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost 2020; 18:844–847.
  3. Ackermann M, Verleden SE, Kuehnel M, et al. Pulmonary vascular endothelialitis, thrombosis, and angiogenesis in Covid-19. N Engl J Med. 2020;383 (2):120-128. doi: 10.1056/NEJMoa2015432.
  4. Tacquard C, Mansour A, Godon A, et al. Impact of high dose prophylactic anticoagulation in critically ill patients with Covid-19 pneumonia, CHEST (2021), doi: 10.1016/j.chest.2021.01.017.
  5. INSPIRATION Investigators, Sadeghipour P, et al. Effect of Intermediate-Dose vs Standard-Dose Prophylactic Anticoagulation on Thrombotic Events, Extracorporeal Membrane Oxygenation Treatment, or Mortality Among Patients With COVID-19 Admitted to the Intensive Care Unit: The INSPIRATION Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021 Mar 18. doi: 10.1001/jama.2021.4152. Epub ahead of print. PMID: 33734299.

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