Anticoagulação na Covid-19: orientações da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia

Foram publicadas as recomendações da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH) em relação à anticoagulação para pacientes com Covid-19.

A Covid-19 é a síndrome infecciosa causada pelo novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que pode evoluir para quadros clínicos complicados (ex.: síndrome respiratória aguda com falência respiratória, choque séptico e/ou falência de múltiplos órgãos). Indivíduos infectados têm maior risco de trombose (venosa ou arterial), devido à reação inflamatória intensa (“tempestade de citocinas”) com consequentes ativação plaquetária, disfunção endotelial e estase.

O D-dímero é um marcador indireto da geração de trombina, estando portanto aumentado em situações de ativação da coagulação. Alguns autores observaram que a piora clínica e radiológica dos pacientes foi marcada pelo aumento expressivo do D-dímero, o que pode representar uma interação cruzada entre inflamação e coagulação: a inflamação induz a coagulação que, por sua vez, acentua o processo inflamatório. A heparina parece ter papel nos dois processos (efeitos anticoagulante e anti-inflamatório).

Em junho/2020, foram publicados o posicionamento e as recomendações da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH) em relação à terapia anticoagulante para pacientes com Covid-19.

paciente internado com covid-19 recebendo anticoagulação

Anticoagulação profilática na Covid-19

  • Os pacientes hospitalizados com Covid-19 devem ser avaliados regularmente com plaquetometria, coagulograma, fibrinogênio e D-dímero, além de Doppler venoso de membros inferiores a cada 4-5 dias (ou na suspeita de trombose venosa profunda);
  • Anticoagulação profilática deve ser considerada em todos os pacientes internados com Covid-19, mesmo aqueles não críticos, na ausência de contraindicação, devendo ser mantida durante todo o período de hospitalização;
  • Em caso de grande risco hemorrágico, recomenda-se o uso de métodos mecânicos – exemplos: sangramento ativo (ex.: úlcera péptica), coagulopatia hereditária (ex.: deficiência de fator de coagulação) ou adquirida (ex.: inibidor de fator de coagulação), hipertensão sistólica não controlada, acidente vascular encefálico hemorrágico recente, trombocitopenia < 25.000/mm³;
  • Para tromboprofilaxia, a heparina de baixo peso molecular é a droga de escolha devido à comodidade posológica. Alternativas são heparina não fracionada e fondaparinux (particularmente nos casos de trombocitopenia induzida por heparina). As doses devem ser ajustadas de acordo com o peso corporal e a função renal do indivíduo:
PROFILAXIA Dose padrão Dose pelo peso corporal Dose pela função renal
Heparina de baixo peso molecular 40 mg SC 1x/dia 80-99 kg: 40-60 mg SC 1x/dia

≥ 100 kg: 80 mg SC 1x/dia

OU

IMC 30-40 kg/m²: 40-60 mg SC 1x/dia

IMC > 40 kg/m²: 40 mg SC 2x/dia

IMC > 50 kg/m²: 60 mg SC 2x/dia

ClCr 15-29 mL/min: 50% da dose

ClCr < 15 mL/min: contraindicação – considerar HNF

Heparina não fracionada (HNF) 5.000 unidades SC 2x/dia IMC > 30 kg/m²: 5.000-7.500 unidades SC de 8/8 horas
Fondaparinux 2,5 mg SC 1x/dia ClCr 20-29 mL/min: 2,5 mg SC a cada 48 horas

ClCr < 20 mL/min: contraindicação – considerar HNF

  • No momento da alta hospitalar, pode-se considerar manter a anticoagulação profilática em domicílio para casos selecionados. Deve-se pesar os riscos trombótico e hemorrágico de cada pessoa, visto que tal medida pode resultar em eventos hemorrágicos. Pacientes com baixo risco hemorrágico e alto risco trombótico (ex.: mobilidade reduzida, história prévia de trombose, trombofilia, malignidade, obesidade, uso de estrogênio) podem se beneficiar com a medida;
  • Não há dados, até o momento, que justifiquem o uso rotineiro de doses intermediárias de heparina para profilaxia. No entanto, devido às altas taxas de tromboembolismo venoso em pacientes internados em UTI, muitas instituições preconizam aumentar a dose da heparina (enoxaparina 40 mg 12/12 horas). Tal conduta deve ser avaliada individualmente, pesando-se risco x benefício, podendo ser considerada em pacientes críticos, com múltiplos fatores de risco trombótico (ex.: obesidade, câncer ativo, trombose prévia) e sem alto risco hemorrágico.

Leia também: Anticoagulação na Covid-19: quais as recomendações mais recentes de guidelines e sociedades?

Anticoagulação terapêutica

  • Doses terapêuticas de anticoagulantes são indicadas apenas para os casos confirmados de trombose e/ou embolia, até que novos estudos comprovem o real benefício da anticoagulação terapêutica baseada nos níveis de D-dímero, visto que outras condições podem causar aumento do marcador (ex.: malignidade). Quando há forte suspeita clínica de tromboembolismo pulmonar e impossibilidade de realização de exames confirmatórios, pode-se considerar anticoagulação terapêutica empírica. Não há ponto de corte estabelecido do D-dímero para guiar a anticoagulação;
  • Como a elevação de D-dímero é um achado comum na infecção pelo SARS-CoV-2, tal parâmetro não deve ser usado para investigação de trombose venosa profunda e/ou tromboembolismo pulmonar, a menos que haja sinais e sintomas compatíveis (ex.: edema assimétrico de membros inferiores, disfunção ventricular direita aguda sem causa aparente, piora da hipoxemia);
  • Os anticoagulantes orais diretos (DOAC) não estão indicados na profilaxia de tromboembolismo venoso para pacientes clínicos hospitalizados. No entanto, eles são uma opção terapêutica no tratamento do evento tromboembólico em indivíduos com Covid-19, desde que haja estabilidade hemodinâmica, condições de absorção gastrointestinal adequada e ausência de interação medicamentosa com drogas usadas para a infecção viral;
  • O uso de DOAC no tratamento do tromboembolismo venoso vem reduzindo o tempo de internação hospitalar e a necessidade de consultas presenciais, mostrando-se uma alternativa segura e eficaz, particularmente em pacientes idosos. Mas é fundamental avaliar a função renal do indivíduo e as possíveis interações com outros medicamentos;
  • Não é recomendada a suspensão de rotina de anticoagulantes ou antiplaquetários se o paciente já estiver em tratamento (ex.: fibrilação atrial) e tiver confirmação da infecção, mesmo que na sua forma grave. A suspensão só deve ser considerada se o risco hemorrágico superar o risco trombótico (ex.: trombocitopenia grave) ou se houver grande risco de interação do anticoagulante com outras medicações (nesse caso, avalia-se troca do anticoagulante). No entanto, não há evidência científica, até agora, de que anticoagulação terapêutica tenha impacto na evolução e no prognóstico dos pacientes graves com Covid-19.

Referências bibliográficas:

  • Orsi, Fernanda Andrade, et al. “Guidance on Diagnosis, Prevention and Treatment of Thromboembolic Complications in COVID-19: a position paper of the Brazilian Society of Thrombosis and Hemostasis and the Thrombosis and Hemostasis Committee of the Brazilian Association of Hematology, Hemotherapy and Cellular Therapy.” Hematology, Transfusion and Cell Therapy (2020).

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