Anticorpo monoclonal pode prevenir infecção recorrente por Clostridioides difficile?

Infecções por Clostridioides difficile, agente etiológico de colite pseudomembranosa, são uma preocupação do ponto de vista de infecção hospitalar.

Infecções por Clostridioides difficile, agente etiológico de colite pseudomembranosa, são uma preocupação do ponto de vista de infecção hospitalar, tanto por sua morbidade quanto pela dificuldade no controle de sua disseminação.

Apesar de possuir tratamento estabelecido, a terapia de casos recorrentes é muitas vezes um desafio. O desenvolvimento de resposta imune contra as toxinas A e B de C. difficile está associado a menores taxas de infecções recorrentes.

Baseado nesse fato, dois anticorpos monoclonais com capacidade de neutralizar essas toxinas foram desenvolvidos: bezlotoxumab – que neutraliza a toxina B – e actoxumab – que neutraliza a toxina A. Ambos mostraram superioridade em relação a placebo na prevenção de infecções recorrentes em 12 semanas. Os resultados a longo prazo foram recentemente publicados.

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Anticorpos monoclonais para C. difficile

No estudo MODIFY II, participantes que estavam recebendo terapia oral contra infecções primárias ou recorrentes foram randomizados para receber actoxumab + benzlotoxumab, somente benzlotoxumab ou placebo. A randomização foi estratificada segundo a antibioticoterapia e local de tratamento (hospitalar ou ambulatorial). O desfecho primário do estudo foi a proporção de participantes com infecção recorrente 12 semanas após a intervenção.

Cura clínica inicial foi definida como ausência de diarreia em 2 dias seguidos após o término de ≤ 16 dias de tratamento para infecção por C. difficile. Já infecção recorrente foi definida como um novo episódio de diarreia (≥ 3 episódios de fezes líquidas em < 24h) associado à detecção de C. difficile toxigênico nas fezes de um participante que tenha alcançado cura clínica inicial. Os participantes que alcançaram cura clínica inicial e não apresentaram recorrência durante as primeiras 12 semanas foram considerados como tendo cura clínica sustentada.

Os participantes que completaram o seguimento inicial de 12 semanas foram elegíveis para a extensão de seguimento por mais 9 e 12 meses, em que colonização por C. difficile e recorrência foram avaliadas.

Resultados

Dos 1163 pacientes inicialmente incluídos no MODIFY II, 966 completaram o seguimento de 12 semanas e 295 entraram na extensão de 9 meses de seguimento. Desses, 168 tinham alcançado cura clínica sustentada e foram incluídos no seguimento de 12 meses.

Comparados com a coorte de 12 semanas, os participantes da análise de extensão de seguimento tinham menos fatores de risco para infecção recorrente por C. difficile, além de incluir proporcionalmente mais mulheres, indivíduos mais jovens, com menos comorbidades e proporcionalmente menos pacientes imunocomprometidos e com episódios iniciais mais graves de infecção por C. difficile. Os braços que receberam as drogas do estudo tinham mais participantes com episódios graves de infecção, imunossupressão e mais comorbidades do que o braço que recebeu placebo.

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Após o seguimento inicial de 12 semanas, as taxas de incidência de infecção recorrente foram de 25,3% no grupo que recebeu actoxumab + bezlotoxumab, 18,8% no grupo que recebeu bezlotoxumab e 50% no grupo que recebeu placebo. Dentre os que haviam alcançado cura clínica sustentada, somente 3 (<2%) apresentaram recorrência no seguimento estendido: 2 no grupo de actoxumab + bezlotoxumab e 1 no grupo placebo. As taxas de incidência de infecção após 12 meses foram de 27,6% no grupo actoxumab + bezlotoxumab, 18,8% no grupo bezlotoxumab e 51,5% no grupo placebo.

No total, 130 dos 293 participantes que forneceram amostras de fezes para análise durante o seguimento estendido apresentaram C. difficile toxigênico em ≥ 1 amostra. As taxas de colonização mantiveram-se semelhantes entre os grupos a cada visita (18-25% no grupo actoxumab + bezlotoxumab, 16-24% no grupo bezlotoxumab e 19-32% no grupo placebo).

Interessante notar que, dos participantes que possuíam um agente isolado no início do estudo e que apresentaram colonização durante a fase de seguimento estendido, aproximadamente 40% estavam colonizados pela mesma cepa inicial. Esse fato sugere persistência dos esporos no ambiente ou no trato gastrointestinal. Somente 1 evento adverso grave foi relatado e todas as mortes que ocorreram no estudo foram consideradas não relacionadas ao tratamento.

Os resultados sugerem que a eficácia de bezlotoxumab na redução das taxas de infecção recorrente por C. difficile se deve à prevenção de infecções recorrentes e não ao adiamento de sua instalação para o período em que os níveis séricos de anticorpos tenham caído. Bezlotoxumab possui uma meia-vida de aproximadamente 19 dias e pode ser detectado em concentrações séricas clinicamente significativas 6 meses após o tratamento. Os dados do MODIFY II sugerem que tais concentrações podem ser suficientemente altas para inibir a toxina B por ≥ 6 meses.

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O estudo apresenta algumas limitações importantes, como a amostra pequena, a grande perda de seguimento entre os participantes inicialmente incluídos, uma maior proporção de pacientes jovens e com doença menos grave no seguimento estendido e a possibilidade de que episódios de infecção por C. difficile possam não ter sido detectados.

Tais limitações comprometem generalizações dos resultados, uma vez que podem não representar outros tipos de população.

Os resultados são favoráveis ao uso dos anticorpos monoclonais, com o bezlotoxumab sendo capaz de reduzir o risco de infecção recorrente por C. difficile por três meses. Os autores sugerem que essa característica pode ser uma estratégia na prevenção de doença em pacientes com alto risco ou nos que permanecem com alto risco por tempo prolongado, como pacientes em quimioterapia e que podem ser expostos a múltiplos cursos de antibióticos.

Mensagens práticas

  • Bezlotoxumab pode ser uma futura opção na prevenção de infecções recorrentes por C. difficile.
  • Os esporos de C. difficile parecem ser persistentes. Adesão às medidas de precaução de contato e correta limpeza e desinfecção do ambiente devem ganhar especial atenção em casos de colite pseudomembranosa.

Referência bibliográfica:

  • Goldstein, EJC, Citron, DM, Gerding, DN, Wilcox, MH, Gabryelski, L, Pedley, A, Zeng, Z, Dorr, MB. Bezlotoxumab for the Prevention of Recurrent Clostridioides difficile Infection: 12-Month Observational Data From the Randomized Phase III Trial, MODIFY II. Clinical Infectious Diseases Brief Report 2019

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