Crianças com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) têm opções limitadas para um tratamento antirretroviral (TARV) eficaz. Em um ensaio clínico envolvendo crianças e adolescentes com infecção por HIV-1 e que estavam iniciando tratamento de primeira ou segunda linha, a TARV à base do medicamento dolutegravir foi superior ao tratamento padrão. O estudo foi publicado no The New England Journal of Medicine.
No ensaio denominado ODYSSEY, o objetivo dos pesquisadores foi comparar a eficácia e a segurança da TARV baseada em dolutegravir com aquelas do tratamento padrão em crianças e adolescentes que estavam iniciando a TARV de primeira ou segunda linha em ambientes com recursos limitados e com muitos recursos.
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Metodologia
Foi conduzido um ensaio clínico aberto, randomizado, de não inferioridade, comparando a TARV com dolutegravir, um inibidor da integrase do HIV, com o tratamento padrão (TARV não baseada em dolutegravir) em crianças e adolescentes iniciando TARV de primeira ou segunda linha. O desfecho primário foi a proporção de participantes com falha do tratamento virológico ou clínico em 96 semanas, conforme estimado pelo método Kaplan-Meier. A segurança foi avaliada. Crianças e adolescentes com idade ≥ 4 semanas a < 18 anos com infecção por HIV-1 que pesavam, pelo menos, 14 kg foram recrutados.
Resultados
De setembro de 2016 a junho de 2018, um total de 707 crianças e adolescentes que pesavam pelo menos 14 kg foram aleatoriamente designados para receber TARV à base de dolutegravir (350 participantes) ou tratamento padrão (357). Um total de 331 participantes foi inscrito em Uganda, 146 no Zimbábue, 144 na África do Sul, 61 na Tailândia e 25 na Europa (Reino Unido, Espanha, Portugal e Alemanha).
A idade mediana foi de 12,2 anos, o peso médio foi de 30,7 kg e 49% dos participantes eram meninas. Por definição, 311 participantes (44%) começaram a TARV de primeira linha (com 92% daqueles no grupo de tratamento padrão recebendo TARV à base de efavirenz), e 396 (56%) começaram a TARV de segunda linha (com 98% daqueles no grupo de tratamento padrão que recebeu TARV à base de inibidor de protease potenciado).
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O acompanhamento médio foi de 142 semanas. Em 96 semanas, 47 participantes no “grupo dolutegravir” e 75 no “grupo tratamento padrão” tiveram falha do tratamento (probabilidade estimada, 0,14 vs. 0,22; diferença, -0,08; intervalo de confiança de 95%, -0,14 a -0,03; P = 0,004). Isso significa que 14% das crianças que receberam dolutegravir tiveram falha do tratamento ao longo de dois anos, em comparação com 22% das crianças que receberam o tratamento padrão.
Os efeitos do tratamento foram semelhantes com as terapias de primeira e segunda linha (P = 0,16 para heterogeneidade). Um total de 35 participantes (10%) no “grupo dolutegravir” e 40 (11%) no “grupo tratamento padrão” tiveram pelo menos um evento adverso sério (P = 0,53), e 73 (21%) e 86 (24%), respectivamente, tiveram pelo menos um evento adverso de grau 3 ou superior (P = 0,24) Pelo menos um evento adverso modificador de TARV ocorreu em cinco participantes (1%) no “grupo dolutegravir” e em 17 no “grupo tratamento padrão” (5%) (P = 0,01).
Conclusão
Este relevante ensaio randomizado mostrou eficácia superior da TARV à base de dolutegravir sobre o tratamento padrão em crianças e adolescentes com peso mínimo de 14 kg. A eficácia da terapia também foi avaliada entre crianças pequenas e bebês com peso inferior a 14 kg, inscritos como um grupo separado no estudo; os resultados ainda não foram publicados.
Comentários
Muitos medicamentos antirretrovirais usados atualmente em crianças apresentam desafios associados ao uso. Por exemplo, a nevirapina foi descontinuada devido ao aumento da resistência primária aos inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (NNRTI). O efavirenz não é recomendado para crianças menores de 3 anos de idade, devido à grande variação na exposição ao medicamento. O raltegravir requer tratamento duas vezes ao dia e tem um baixo limiar de resistência e o lopinavir-ritonavir pediátrico é intragável, requer tratamento duas vezes ao dia e é complexo para administração conjunta com medicamentos antituberculose.
De acordo com os pesquisadores, as formulações de dolutegravir são fáceis de serem administradas. O comprimido de 50 mg é pequeno e os comprimidos de 5 mg dispersam-se rapidamente e são palatáveis. A administração uma vez ao dia e o ajuste mais fácil da dose com o tratamento antituberculose significam que a transição para o dolutegravir como terapia de primeira e segunda linha simplifica o tratamento em crianças e adolescentes. A necessidade de apenas dois tipos de formulação de dolutegravir em todas as faixas de peso em crianças e a disponibilidade de ambas as formulações de empresas de medicamentos genéricos permitirão que programas nacionais alinhem o tratamento para crianças com o tratamento para adultos, simplificando a aquisição de medicamentos.
Referências bibliográficas:
- Turkova A, White E, Mujuru HA, et al. Dolutegravir as First- or Second-Line Treatment for HIV-1 Infection in Children. N Engl J Med. 2021;385(27):2531-2543. doi: 10.1056/NEJMoa2108793.