Arterite temporal: arterite de células gigantes ou vasculite associada ao ANCA?

A arterite temporal é uma manifestação clínica comum da arterite de células gigantes, mas também pode cursar com vasculite associada ao ANCA.

A arterite temporal (AT) é a manifestação clínica mais típica da arterite de células gigantes (ACG). No entanto, as vasculites associadas ao ANCA (AAV) raramente podem cursar com acometimento inflamatório das artérias temporais superficiais, gerando confusões diagnósticas.

Para caracterizar melhor esse subgrupo específico de AAV, um grupo francês (French Vasculitis Study Group e French Vasculitis Study Group for Giant Cell Arteritis) publicou um estudo de caso-controle comparando os dados clínicos, biológicos e histológicos dos pacientes com AT-AAV em relação àqueles com AT-ACG.

médico orientando paciente com arterite temporal

Arterite temporal

Trata-se de um estudo retrospectivo que utilizou o registro nacional francês de vasculites (que inclui 19 centros franceses e 1 belga), do período de janeiro de 2000 a fevereiro de 2017.

Foram incluídos pacientes com apresentação inicial sugestiva de AT (biópsia de artéria temporal superficial anormal e/ou manifestações cefálicas e/ou preencher os critérios classificatórios para ACG), porém com diagnóstico final de AAV (AT-AAV – critérios ACR 1990, EMA ou definição de Chapel Hill para granulomatose com poliangiíte, poliangiíte microscópica ou granulomatose eosinofílica com poliangíite). Foram coletados dados clínicos, laboratoriais, morfológicos e patológicos, assim como a descrição da resposta ao tratamento.

O grupo controle foi constituído por pacientes com diagnóstico de ACG (ACR 1990), sem evidência de AAV, na proporção de 1 caso para cada 2 controles.

Resultados

Foram incluídos 50 pacientes (24 homens e 26 mulheres) com AT-AAV, com mediana de idade de 70 anos (desvio interquartílico 64-75), e 100 controles pareados (ACG).

Os sintomas mais frequentemente presentes nos pacientes com AT-AAV foram sintomas cefálicos (88%) e constitucionais (84%). Alguns casos (n=3) apresentaram sintomas visuais, especificamente perda visual e diplopia. Trinta e três (66%) pacientes apresentaram sintomas atípicos para ACG, como acometimento otorrinológico, renal (injúria renal, proteinúria e/ou hematúria), pulmonar (nódulos, hemorragia intra-alveolar ou consolidação), neuropatia periférica, entre outros (mais sugestivos de AAV).

O ANCA foi testado em 2/3 dos casos, com positividade em 88% deles (62% anti-MPO e 38% anti-PR3). Dentre os achados histológicos, 74% das artérias temporais superficiais foram consideradas alteradas (infiltrado inflamatório); posteriormente, no entanto, foram identificados dados atípicos para ACG, como necrose fibrinoide e vasculite de pequeno calibre, em 42% dos casos. Os níveis de PCR foram maiores nos pacientes com AT-AAV vs. ACG (10,8 v.s 7 mg/dL). O diagnóstico de AT-AAV foi feito em 40% dos casos na apresentação (AT-AAV precoce) e 60% mais tardiamente (AT-AAV tardia).

Quando os grupos AT-AAV precoce com ACG, a mediana de idade foi menor no primeiro (p=0,008). Além disso, pacientes com ACG foram mais frequentemente do sexo feminino (p=0,04).

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Com relação às variáveis clínicas, pacientes com AT-AAV precoce apresentaram mais frequentemente acometimento pulmonar (p<0,0001), episclerite (p=0,01), artralgia periférica (p=0,05), acometimento renal (p<0,0001), otorrinológico (p<0,0001), neuropatia periférica (p<0,0001) e lesões cutâneas (p=0,004) e menos frequentemente cefaleia (p=0,04) e manifestações visuais (p=0,01). Com relação à biópsia de artéria temporal superficial, o que ajudou na diferenciação foram a presença de necrose fibrinoide (p=0,003) e vasculite de pequeno calibre (p=0,003) na AT-AAV e a presença de lesões granulomatosas e de células gigantes na ACG (p=0,007).

Já no grupo AT-AAV tardio vs. ACG, a idade foi semelhante, assim como a proporção do sexo feminino. As manifestações mais frequentes no grupo AT-AAV tardio foram o acometimento pulmonar (p=0,002), artralgia periférica (p=0,03), acometimento renal (p=0,0005) e otorrinológico (p<0,0001), neuropatia periférica (p=0,01) e lesões cutâneas (p=0,05). Aqui, as alterações histológicas que favoreceram o diagnóstico de AT-AAV tardia também foram a necrose fibrinoide (p=0,004) e vasculite de pequenos vasos (p=0,004).

Com relação ao tratamento, pacientes com AT-AAV tardia tiveram maior risco de falha terapêutica, quando comparado com ACG (RR 3,85, IC95% 1,97-7,51, p<0,0001).

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Comentários

A grande mensagem que esse artigo transmite é que nem toda arterite temporal corresponde ao diagnóstico de ACG. O médico que está acompanhando um paciente com suspeita de AT deve ser atento para sintomas atípicos que sugiram o diagnóstico de AT-AAV, como manifestações otorrinológicas, renais, artralgia periférica, neuropatia periférica e manifestações cutâneas.

Sempre que for indicada a realização de biópsia de artéria temporal superficial, o médico também deve se atentar para a presença de necrose fibrinoide e vasculite de pequenos vasos, que sugerem o diagnóstico de AAV, ao invés de ACG (que apresenta inflamação granulomatosa e células gigantes).

As limitações desse estudo são inerentes ao seu próprio desenho (estudo de caso-controle).

Os autores concluem que AT-AAV deve ser considerada em pacientes com manifestações atípicas de ACG, refratariedade aos corticoides ou recorrência precoce. Nesses casos, biópsia da artéria temporal superficial pode auxiliar na identificação de necrose fibrinoide e vasculite de pequenos vasos, o que sugere AT-AAV. Além disso, a pesquisa do ANCA deve ser recomendada em pacientes com suspeita de ACG e manifestações clínicas ou histológicas atípicas.

Referência bibliográfica:

  • Delaval L, Samson M, Schein F, et al. Temporal arteritis revealing antineutrophil cytoplasmic antibody-associated vasculitides: Case-control study of 50 cases. Arthritis Rheumatol. 2020; doi:10.1002/art.41527. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/art.41527

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