Artrite reumatoide: Imunossupressão e risco após procedimentos cirúrgicos

A artrite reumatoide é tratada com o uso de DMARDs, remédios de imunossupressão, que podem gerar aumento no risco de infecções em procedimentos cirúrgicos.

O tratamento da artrite reumatoide (AR) consiste no uso de imunomodulação/imunossupressão, através de substâncias conhecidas como medicamentos modificadores do curso da doença (DMARDs). Uma vez que essas medicações também interferem nos processos fisiológicos da imunidade, é possível que elas provoquem aumento no risco de infecções em diversos cenários. Incluindo naqueles pacientes com artrite reumatoide que se submetem a procedimentos cirúrgicos.

A maioria dos estudos a esse respeito avaliaram o risco de DMARDs e corticoides em pacientes que foram submetidos a artroplastias eletivas. Nesses casos, os DMARDs sintéticos convencionais não se associaram a um aumento importante no risco de infecção pós-operatória. Com relação aos biológicos, os resultados ainda são controversos, mas parece que sua suspensão no período perioperatório não reduz a chance de infecção. Já os corticoides se associaram com aumento no risco de complicações, mesmo em doses baixas.

George et al. desenharam um estudo para avaliar o impacto dos DMARDs e corticoides em pacientes com AR que foram submetidos a cirurgias abdominopélvicas, cardíaca e para correção de fraturas de quadril.

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Paciente com artrite reumatoide e tratamento com imunossupressores passa por cirurgia.

Métodos do estudo sobre o imunossupressão e procedimentos cirúrgicos

Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, que avaliou bancos de dados de 2006 a 2015 nos EUA. Foram incluídos pacientes com 18 anos ou mais, diagnóstico médico registrado como AR através do CID-9 (+ ausência de diagnóstico de artrite psoriásica, espondilite anquilosante ou doença inflamatória intestinal 1 ano antes do procedimento cirúrgico) e uso de DMARDs.

Dentre as cirurgias incluídas, temos: correção de fratura de quadril, colecistectomia, histerectomia, cirurgias de hérnia, apendicectomia, colectomia para doença diverticular, revascularização miocárdica e cirurgias valvares mitral e aórtica.

Visando reduzir a chance de a cirurgia se dever a complicações relacionadas à internação hospitalar, os autores determinaram que os procedimentos cirúrgicos deveriam ter sido realizados em até 3 dias da data de internação para fratura de quadril, histerectomia, cirurgia de hérnia e apendicectomia e em até 7 dias para os demais procedimentos. Isso englobou mais de 90% de todos as cirurgias analisadas.

Além disso, os procedimentos cirúrgicos foram classificados em eletivos ou urgentes. Todas as cirurgias eletivas deveriam ter sido realizadas até 2 dias da internação, sem passagem por serviço de emergência, transferência de outra instituição ou internada como emergência. Adicionalmente, correção de fratura de quadril e apendicectomia foram consideradas urgentes em todos os casos e histerectomias, eletivas em todos os casos.

Outras exclusões

Por fim, pacientes com malignidade (exceto câncer de pele não melanoma) e HIV foram excluídos. Assim como pacientes que estavam em uso de múltiplos DMARDs biológicos ou DMARDs alvo-específicos diferentes nos últimos 6 meses antes do procedimento. Pacientes só poderiam contribuir com múltiplas cirurgias se eles tivessem ocorrido com mais de 6 meses de intervalo entre si.

Os DMARDs foram divididos em 3 grupos: (1) exposição a metotrexato (MTX) menos de 8 semana antes do procedimento (sem biológicos até 6 meses antes da cirurgia; (2) exposição a anti-TNF menos de 8 semanas antes do procedimento, com ou sem MTX; (3) biológicos não anti-TNF ou DMARDs alvo-específico, com ou sem MTX. Todos grupos poderiam ter outros DMARDs sintéticos convencionais, como hidroxicloroquina, sulfassalazina ou leflunomida. Dados sobre corticoides nos últimos 90 dias antes da cirurgia também foram coletados e foram categorizados em (1) ≤ 5 mg/dia, (2) >5 a 10 mg/dia ou (3) >10 mg/dia, de acordo com a dose média nesse período.

Resultados

Os autores incluíram 10.777 cirurgias em 10.483 pacientes. A maioria era do sexo feminino (80%) e a média de idade foi 72 anos. Dentre eles, 57% estavam em uso de MTX sem biológicos ou alvo-específicos, 33% em uso de anti-TNF e 10% em uso de outros biológicos e alvo-específicos. Após ajustes, os grupos de MTX e anti-TNF ficaram balanceados; apenas o grupo de outros biológicos e DMARDs alvo-específicos apresentou um pequeno desbalanço com relação aos outros.

Das cirurgias realizadas, 33% eram de correção de fratura de quadril, 47% abdominopélvicas (principalmente colecistectomia) e 20% cardíacas.

Comparado com o grupo do MTX, não foram detectadas diferenças na chance de morte em 90 dias nos grupos anti-TNF (aOR 0,83 (0,67-1,02)) e outros (aOR 0,78 (0,49-1,22)). Com relação ao risco de readmissão hospitalar, a chance foi discretamente mais baixa no grupo anti-TNF (aOR 0,86 (0,75-0,993)), quando comparado com o grupo MTX; o grupo outros foi semelhante ao MTX (aOR 1,02 (0,78-1,33)). Não foram detectadas diferenças no risco de morte e de readmissão quando estratificados pelo tipo de cirurgia.

Pacientes recebendo doses elevadas de corticoide apresentaram maior chance de morte em 90 dias e readmissão em 30 dias. Usando a dose < 5 mg/dia como comparador, pacientes com doses entre 5 e 10 mg/dia apresentaram aOR de 1,41 (1,08-1,82) para morte e de 1,26 (1,05-1,52) para readmissão; já para pacientes > 10 mg/dia, aOR foi de 1,64 (1,02-2,64) para morte e de 1,6 (1,15-2,24) para readmissão. Doses mais altas de corticoide se associaram com maior risco de morte em 90 dias em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. Contudo, as taxas de readmissões em 30 dias foram semelhantes. Já nos casos de correção de fratura de quadril, não houve diferença nas taxas de morte em 90 dias, porém os pacientes apresentaram maior taxa de readmissão hospitalar.

Comentários sobre o estudo, procedimentos cirúrgicos e artrite reumatoide

O estudo em questão apresenta limitações, como o desenho observacional e retrospectivo. Entretanto, por outro lado, é o estudo com a maior casuística a descrever a chance de eventos em pacientes no período pós-operatório de cirurgias maiores não artroplastias eletivas.

Um dado importante, que merece reforço, é que o uso de altas doses de corticoide se associou com piores desfechos. Isso, considerando tanto de morte em 90 dias quanto de readmissões em 30 dias, o que está em congruência com os dados previamente apresentados no contexto de artroplastias eletivas. Além disso, os dados desse estudo sugerem que exista um gradiente biológico com relação ao uso de corticoides e a ocorrência de desfechos indesejados: o grupo com > 10 mg/dia apresentou maior risco de eventos do que o grupo com 5-10 mg/dia, quando comparados com o grupo < 5 mg/dia. Isso reforça o impacto negativo causado pelos esteroides no período pós-operatório.

De maneira geral, a chance de desfechos negativos foi semelhante entre os diferentes grupos de DMARDs. Dessa forma, reforça-se a potencial segurança dessas medicações no período perioperatório de cirurgias abdominopélvicas, cardíacas e correção de fraturas de quadril.

Do ponto de vista prático, esse artigo pode impactar nossa conduta. Isso, no sentido de minimizar as interrupções de biológicos e reforçar a necessidade de desmame de prednisona para a menor dose possível antes dessas cirurgias. No entanto, ainda necessitamos de mais dados provenientes de diferentes coortes, para que possamos entender o real papel dessas condutas na avaliação perioperatória de pacientes com AR.

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Referências bibliográficas:

  • George MD, Baker JF, Winthorp KL, et al. Immunosuppression and the risk of readmission and mortality in patients with rheumatoid arthritis undergoing hip fracture, abdominopelvic and cardiac surgery. Ann Rheum Dis 2020;79:573-80. doi:10.1136/annrheumdis-2019-216802.

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