ASCO 2020: Cirurgia para câncer primário de mama pode aumentar a sobrevida de quem já tem doença metastática?

Segundo estudos retrospectivos, o tratamento locorregional para câncer de mama primário poderia aumentar a sobrevida, mas estudos randomizados discordaram.

Nos EUA, cerca de 6% dos casos de câncer de mama são diagnosticados já no estádio IV (doença metastática à distância). Baseado em estudos retrospectivos o tratamento locorregional (TLR) para o tumor primário (TP) poderia aumentar a sobrevida, mas alguns estudos randomizados apresentaram resultados conflitantes.o tratamento locorregional (TLR) para o tumor primário (TP) poderia aumentar a sobrevida, mas alguns estudos randomizados apresentaram resultados conflitantes.

Este ano, durante o congresso da American Society of Clinical Oncology (ASCO 2020), realizado pela primeira vez no formato virtual, pesquisadores americanos apresentaram os dados do estudo de fase III chamado ECOG – ACRIN 2108, que procurou avaliar o valor do TLR para o TP da mama após um tratamento inicial oncológico sistêmico por 4-8 meses. Não havendo progressão após esse período as pacientes eram divididas em dois grupos: um com TLR para o TP e outro sem essa opção, seguindo o tratamento indicado do câncer metastático.

O objetivo principal dos investigadores era determinar se haveria aumento da sobrevida global com o tratamento do TP além do tratamento sistêmico das metástases. Evidentemente, o controle local do TP era um objetivo secundário do estudo.

Cirurgia para câncer de mama

Trezentos e noventa pacientes foram registradas entre 2011 e 2015, sendo que 256 efetivamente entraram no estudo divididas em 2 grupos. Dessas 134 que “saíram” a maioria se deveu por progressão da doença metastática. O estudo como um todo teve um seguimento mediano 53 meses, mas aos três anos não houve diferença na sobrevida global, sendo de cerca de 68% em ambos os grupos. A sobrevida global das pacientes que fizeram a TLR chegou inclusive a ser menor no pequeno grupo de pacientes com câncer de mama triplo negativo, talvez pelo fato de ser necessário interromper o tratamento sistêmico oncológico para realizar a cirurgia neste subgrupo de câncer de mama de alto risco.

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Também não houve diferença na sobrevida livre de progressão no grupo que adicionou a TLR ao tratamento sistêmico. A qualidade de vida inclusive chegou a ser pior na análise ocorrida aos 18 meses da entrada no estudo no grupo que recebeu a cirurgia. A recorrência ou progressão local no entanto foi menor no grupo que recebeu a TLR para o TP, 25% no grupo sem cirurgia contra 10% no grupo cirúrgico (HR: 0,37, p=0,003).

Conclusões

Os autores concluem que a despeito de reduzir a chance de progressão no tumor da mama em 2,5, a TLR não aumentou a sobrevida e nem melhorou a qualidade de vida, não devendo ser oferecida de rotina para estes pacientes, exceto eventualmente em casos muito selecionados em que a doença metastática esteja controlada mas haja progressão local ou que uma cirurgia higiênica seja necessária.

Na discussão posterior à apresentação da plenária, foi levantada a questão de que este assunto não se encerra com este estudo, havendo pelo menos mais um grande estudo japonês em andamento, que não devemos de jeito nenhum oferecer sempre a TLR para estes casos, mas também não devemos não oferecer nunca, pois existem casos onde a terapia locorregional é importante.

Existem casos que chamamos de “oligometastáticos” que é quando temos além do tumor primário de mama <5 metástases, e um tratamento local “mais radical” associado aos tratamentos sistêmicos e eventualmente técnicas de radioterapia ainda pouco difundidas em nosso meio como a SBRT (radioterapia estereotáxica de corpo inteiro) poderiam de fato aumentar a sobrevida global.

E no Brasil?

Essa é uma demanda frequente das pacientes, mesmo nestes casos metastáticos, “Dr, quando o senhor vai operar a minha mama?” “Dr, quando vou ser encaminhada para o mastologista?” É um pouco difícil para as pacientes compreenderem que se o tumor “começou” na mama, como não vamos fazer nada para o TP?

A verdade é que com a melhora do tratamento sistêmico do câncer de mama metastático, seja ele HER2 positivo (trastuzumabe, pertuzumabe, T-DM1), seja luminal (palbociclibe, ribociclibe, abemaciclibe, alpelisibe) e triplo negativo (alguns casos já recebem imunoterapia com atezolizumabe) em especial para as pacientes da saúde suplementar temos pouco papel para a cirurgia da mama neste cenário.

Temos poucos dados brasileiros sobre a incidência do câncer de mama estádio IV já ao diagnóstico, e provavelmente temos uma “subnotificação” pois como temos uma grande proporção de pacientes do estádio III (mais na rede pública), ao rastrear metástases à distância, é importante saber que exames foram ou estão sendo realizados, se apenas rx de tórax, ultrassom de abdômen e em alguns casos a cintilografia, ou se as pacientes tem acesso à tomografias e eventualmente PET-TC nestes casos mais avançados.

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Alguns casos estadiados como III com exames “simples” certamente seriam classificados como IV se aprofundarmos esta avaliação. De todo modo, conforme o estudo Amazona III do grupo LACOG-GBECAM (apresentado em forma de pôster no San Antonio Breast Cancer Symposium 2018 por Rosa DD, Barrios C, Bines J e colaboradores) em quase 3000 pacientes brasileiras incluídas entre 2016-2018 em 22 centros públicos e privados, apenas 6% (SUS) e 3% (privado/seguro) seriam estádio IV ao diagnóstico.

A cirurgia nestes casos portanto deve ser a exceção, e não a regra. Se controle local é importante, radioterapia também pode ser considerada. A decisão deve ser multidisciplinar, mas é fundamental que a doença metastática esteja controlada para se pensar em TLR.

Referências bibliográficas:

  • Khan SS, Fengmin Zhao F, Golshan M, Sparano JA, Sledge GW et al. A randomized phase III trial of systemic therapy plus early local therapy versus systemic therapy alone in women with de novo stage IV breast cancer: A trial of the ECOG-ACRIN Research Group (E2108). American Society of Clinical Oncology ASCO 2020 Virtual Meeting – (LBA2) Plenary Session.

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