Autolesão não suicida na adolescência: aspectos a serem abordados na Atenção Básica

Autolesão não suicida ou lesão autoprovocadas são descrições para agressões praticadas contra o próprio corpo ocorrida de forma proposital.

Autolesão ou lesão autoprovocadas são descrições referidas para agressões praticadas contra o próprio corpo ocorrida de forma proposital, com um pico de idade variando entre adolescência e vida adulta jovem.

Em um estudo realizado entre os anos 2001-2014 em adolescentes de 10 a 19 anos por pesquisadores da Universidade de Manchester no Reino Unido, apontou-se que existiu um aumento do índice de autolesão em meninas entre 13 e 16 anos de 68%.

Muitos se autolesionam com expectativa apenas de dano físico sem ideia de morte. São as chamadas autolesão não suicida (ALNS). O sexo feminino apresenta 25% mais chances de se auto lesionar em comparação com os meninos. Na Atenção Primária brasileira é uma prática clínica diária comum deparar-se com pacientes adolescentes autolesionados, o que gera a necessidade de ferramentas para abordagem desse grupo de pessoas.

De acordo com o DSM V da Associação Americana de Psiquiatria o indivíduo se engaja em comportamento de autolesão com o objetivo de obter alívio de um estado de sentimento ou de cognição negativos, para resolver uma dificuldade interpessoal ou para induzir a um estado de sentimento positivo.

O termo se diferencia de automutilação, onde o indivíduo realiza a retirada de um componente do corpo como a enucleação do olho, retirada de um pedaço de membro ou outra ação, muito comum em pessoas portadoras de transtorno psicótico como a esquizofrenia por exemplo.

Adolescente sofre com autolesão não suicida

Fatores de risco

Os fatores de risco para as lesões autoprovocadas são a falta de mecanismos de adaptação, pessimismo, insegurança, impulsividade, auto depreciação, distorção da imagem corporal e instabilidade emocional. No ambiente familiar, observa-se a separação conflituosa dos pais com o abandono ou negligência por parte de um progenitor, a disfunção e a violência familiar.

Transtornos psiquiátricos como Ansiedade, Depressão, Transtornos Alimentares, Transtorno da Personalidade Borderline bem como outros Transtornos de Personalidade, agregam risco para as ações auto lesivas. O abuso de substâncias como álcool e drogas podem estar inseridos nos fatores de risco porém, é comum servirem como ferramentas de autolesão na idade adulta. Com relação ao convívio social, o adolescente vive a experiência de autolesão por dificuldade relacionamento, isolamento e bullying, característica comum para indivíduos nessa faixa etária.

Diagnóstico

Devem ser avaliados os comportamentos que motivaram a prática da autolesão bem como a exclusão de comportamentos suicidas. Validar a experiência do paciente levando-a como algo sério e tratar de compreender suas emoções. É importante realizar a avaliação da autolesão determinando o tipo e quantas lesões o paciente se auto infligiu bem como, a frequência e a finalidade da ação, assim como buscar algum transtorno psiquiátrico coexistente.

O adolescente tem a tendência de ocultar as lesões por vergonha ou culpa e geralmente, as executa em locais onde podem ficar sozinhos e com privacidade. Com o mesmo princípio, escolhem locais do corpo onde possam facilmente esconder as feridas. Braços, antebraços, pulsos, pernas e abdome são geralmente os locais selecionados e ocultados por roupas compridas ou algum acessório.

De acordo com a Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria, algumas perguntas realizadas na anamnese podem ajudar a nortear o entrevistador na investigação e, podem ser aplicadas na Atenção Básica:

  • Você já sentiu vontade de se cortar? Chegou a fazer vários pequenos cortes na pele?
  • O que você sente quando provoca esses ferimentos?
  • Quando fez esses ferimentos, você pensava em quê? Alguma vez pensou em desaparecer, morrer?
  • Por quanto tempo você fica pensando em fazer esse ato antes de realmente executá-lo?
  • Você costuma ter esse tipo de comportamento diante das pessoas com quem convive?

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Tratamento

Embora o aumento da prevalência de autolesão esteja acontecendo, ainda há estigma por parte de pais, professores e profissionais de saúde onde eles as confundem com tentativas de suicídio ou comportamento manipulativo do adolescente para chamar atenção ou conseguir o que deseja. Tais atitudes, aumentam o nível de tensão do adolescente e o impede procurar ajuda. Falar e estimulá-lo a expressar seus sentimentos para com as práticas autolesivas, amenizam o sofrimento e reduz risco de suicídio.

A realização de psicoterapia tem mostrado resultados positivos com os acompanhamentos a longo prazo, o que se recomenda a avaliação psicológica e conduta posterior. Há atualmente, poucas abordagens psicoterapêuticas desenvolvidas e avaliadas especificamente para adolescentes com autolesão.

Com o incremento da discussão do tema, a motivação em abordá-lo parece intensificar sua pesquisa. A Terapia Cognitivo Comportamental tem se apresentado como uma abordagem promissora. A Terapia Breve chamada de Manual-assited cognitive behavioral therapy   mostra-se efetiva em prevenção de recaídas e redução de comportamentos de autolesão.

Um olhar para a Terapia em Grupo também se mostra bastante promissor uma vez que em coletivo é possível desenvolver estratégias para a regulação das emoções, tolerância de situações de estresse, habilidade de comunicação e enfretamento dos problemas. Pensar em Terapia Familiar com suas habilidades, propõe-se efetiva e uma ótima ferramenta para o médico de família ou o psicólogo habilitado para esta prática.

Com relação ao tratamento medicamentoso, uma variedade de drogas têm sido utilizadas para a abordagem da autolesão não suicida como os bloqueadores opioides, antidepressivos, anticonvulsivantes, antipsicóticos típicos e atípicos, entre outros. A prática clínica tem se mostrado efetiva com o uso pontual de alguns deles, porém, nenhuma droga específica foi aprovada para o tratamento da autolesão. A Naltrexona e alguns antipsicóticos atípicos apresentaram-se eficazes em alguns pacientes para diminuir ou cessar os episódios de autolesão.

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Alguns transtornos psiquiátricos coexistentes podem ser abordados com o uso dos medicamentos para tais, podendo ajudar na diminuição dos episódios autolesivos. Pacientes com tendência a Transtorno Bipolar e Transtorno de Personalidade Borderline se beneficiaram com o uso do Topiramato.

Alguns antidepressivos como o caso da Sertralina e Fluoxetina mostraram-se eficazes na redução de sintomas ansiosos, depressivos, ideação suicida e autolesão. A Oxicarbazepina, um anticonvulsivante com propriedades estabilizadoras de humor diminuiu os sintomas em pacientes com bulimia que apresentavam autolesão. Serão necessários estudos mais aprofundados com testes eficazes para demonstrar drogas efetivas no tratamento das autolesões.

Abordagem na Atenção Primária

A autolesão não suicida tem se apresentado com grande frequência no cenário da Atenção Primaria onde, se faz necessário uma reflexão com olhares atuais e pensamentos promissores. Atuar de forma multidisciplinar com a realização de uma escuta ativa para o adolescente que consulta com transtornos mentais, tratando de compreender os motivos e, traçar estratégias eficazes para o tratamento das autolesões trará alivio para o jovem, familiares e a comunidade que o rodeia.

Buscar redes de apoio com profissionais especialistas em saúde mental, Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o apoio via Telessaúde ajudam desmistificar algumas condutas e transmite maior segurança para a condução e melhor desfecho dos casos de autolesões. O papel de família e educadores é de suma importância e se faz presente em todos os momentos para resolução de um problema que tende a aumentar nos próximos anos.

Referências bibliográficas:

  • Boarati MA, Pantano T, Scivoletto S. Psiquiatria da Infância e Adolescência: cuidado multidisciplinar. Cap 22. HC- FMUSP, São Paulo: Manole Editora; 2016.
  • Clayton PJ. Autolesão não Suicida. Manuais MSD versão para profissionais. Janeiro 2018.
  • American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5 ª edição. 2014.
  • Morgan C, Webb RT, Carr MJ, Kontopantelis E, Green J, Chew-Graham CA, et al. Incidência, manejo clínico e risco de mortalidade após lesões autoprovocadas em crianças e adolescentes: estudo de coorte na atenção primária. BMJ. 2017;359:j4351.
  • Sociedade Brasileira de Pediatria. Autolesão na adolescência: como avaliar e tratar. Guia Prático de Atualização. Nº12, julho 2019.

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