Avaliação e manejo do déficit cognitivo em idosos

O Medical Clinics of North America publicou uma revisão para avaliação e manejo do déficit cognitivo em idosos. Nessa resenha, vou falar sobre os principais pontos.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

O Medical Clinics of North America publicou uma revisão para avaliação e manejo do déficit cognitivo em idosos. Nessa resenha, vou falar sobre os principais pontos.

Este artigo ressalta, inicialmente, a importância de sempre se levar em conta as queixas que pacientes idosos apresentam sobre memória, porém de forma cautelosa e buscando entender qual é de fato o problema em questão. É importante lembrar que não há evidências ou consensos que apoiem ou contradigam a avaliação de rastreamento para déficits cognitivos em idosos, porém é muito comum na prática geriátrica algum tipo de avaliação clínica, pelo menos.

Devemos diferenciar os tipos de alteração cognitiva possíveis: demência (na qual há evidência objetiva de declínio cognitivo e há interferência nas atividades de vida diária); comprometimento cognitivo leve (CCL – no qual há alterações objetivas nas avaliações, porém não há prejuízo nas atividades diárias); alterações cognitivas relacionadas com a idade (ACRI – no qual há objetivamente algumas alterações, especificamente relacionadas a multitarefas, velocidade de raciocínio e memória de longo prazo, porém não afetam a funcionalidade do paciente); e um termo mais recente, o comprometimento cognitivo subjetivo (CCS – no qual o paciente sente-se prejudicado funcionalmente mas não há alterações objetivas).

O grande valor deste tipo de distinção reside no fato que pacientes com CCL têm, em diversos estudos, mostrado uma chance maior (10% ao ano) de apresentarem quadros demenciais, quando comparados a população em geral, enquanto pacientes com ACRI não. Sobre os pacientes com CCS, há alguns indícios de que possam ter uma chance maior de desenvolver quadros demenciais no futuro, mas é um assunto discutível.

Avaliação

A segunda parte do artigo foca na avaliação do paciente com queixas cognitivas. Em relação a anamnese, é fundamental entender quais são os déficits apresentados, e em que circunstâncias, além do tempo de evolução; é interessante entrevistar o paciente e o acompanhante em separado afim de evitar vieses.

Comorbidades associadas a quadros demenciais, como diabetes, hipertensão arterial e carências vitamínicas devem ser pesquisadas. É fundamental a avaliação sobre a possibilidade de quadro de delirium, tanto devido a fatores físicos como ambientais e sociais (isto gera muitas confusões, principalmente com a família e profissionais de saúde não habituados a este tipo de quadro). É também indispensável a avaliação sobre possíveis quadros psiquiátricos, notavelmente depressão.

Em relação à fisiopatologia, tendo em mente que as principais causas de demência são doença de Alzheimer e vascular (muitas vezes simultaneamente, a chamada demência mista), é importante estar atento ao controle dos fatores de risco envolvidos.

No exame físico neurológico, que deve ser sempre realizado, os pacientes com quadros iniciais a moderados raramente apresentarão alterações; quadros avançados de demência podem apresentar sinais típicos, inespecíficos, de liberação frontal. A presença de sinais focais ou alterações significativas, como rigidez, hiperreflexia, paresias, deve sempre levantar a suspeita sobre possibilidade de quadro causado por outra patologia subjacente.

Quanto a ferramenta para avaliação cognitiva, o artigo não ressalta nenhuma como sendo superior as outras. Tudo depende do paciente (grau de instrução, tipo de déficit, gravidade da doença), do tempo e do ambiente disponíveis. É necessário, no entanto, o uso de algum formulário estruturado, para comparabilidade.

Sintomas depressivos e ansiosos se desenvolvem em 90% dos pacientes com demência, dentro de 5 anos de doença, em média. No entanto, sintomas psiquiátricos exuberantes no início do quadro devem chamar atenção sobre a possibilidade de outras doenças não-Alzheimer; por exemplo, sintomas parkinsonianos e alucinações visuais são comuns na doença de corpos de Lewy; sintomas psiquiátricos com preservação de memória e função executiva podem ocorrer na demência frontotemporal.

Sobre exames complementares, apesar de existirem métodos de imagem para detecção de agregados amiloides e pesquisa de proteínas anômalas no liquor, nada disto está largamente disponível ou é recomendado na prática clínica rotineira. Exames laboratoriais para pesquisa de comorbidades, assim como uma avaliação metabólica incluindo função tireoideana e vitamina B12 é sempre indicada. A pesquisa de HIV e sífilis é indicada em pacientes sob risco (pela Academia Americana de Neurologia). Um exame de imagem (TC ou RMN de encéfalo) é recomendado na avaliação inicial, mas exceto por casos em que há alto grau de suspeição de causa secundária (evolução pós-traumatismo craniano, evolução muito rápida, sinais focais) dificilmente ajudará muito na elucidação diagnóstica. A maior parte dos casos apresentará atrofia cortical, difusa ou segmentar, e graus variados de alterações microvasculares.

Casos mais raros e de apresentação incomum, como doença priônica, infecções, doenças autoimunes e paraneoplásicas exigem avaliação de neurologista e outras linhas de raciocínio diagnóstico, fora do escopo deste artigo.

Mais do autor: ‘Efeito placebo no tratamento da insônia – o que dizem as últimas evidências’

Alvos terapêuticos

Na terceira parte, o artigo trata dos alvos terapêuticos dos pacientes com queixas cognitivas. Em todos os casos, a qualidade de vida e tentativa de evitar a progressão da doença são os objetivos principais, só atingidos com um bom relacionamento do médico com os cuidadores e paciente.

No caso do CCS, a tranquilização do paciente, controle de comorbidades e seguimento evolutivo são suficientes. Nos casos de CCL, é importante explicitar que não se tem certeza sobre a evolução do quadro, podendo o mesmo ficar estacionado ou evoluir para demência; em todo caso, é importante otimizar o controle de comorbidades e iniciar a preparação para uma possível evolução desfavorável, garantindo que o paciente tenha suporte futuro. Nos quadros de demência, os objetivos variam conforme a evolução da doença, mas em geral deve-se focar na segurança e suporte do paciente, muitas vezes sendo necessária institucionalização (75% dos casos aos 80 anos, versus 4% da população geral); medicações e tratamentos adicionais são geralmente imprescindíveis.

A atividade física regular e treinamento/exercícios cognitivos são estratégias não farmacológicas, sem efeitos adversos, que podem ajudar a todos os pacientes com queixas cognitivas, tendo demência ou não, tanto pelo controle dos fatores de risco como pela otimização da reserva cognitiva dos mesmos.

O manejo dos sintomas neuropsiquiátricos, tais quais agitação, agressividade e comportamentos repetitivos é a causa mais frequente da necessidade de institucionalização; tratamentos farmacológicos são de pouca utilidade e grande risco, e os melhores resultados exigem equipe multiprofissional qualificada e tempo. Muitas vezes este suporte não é viável financeiramente para a família, e a maioria dos planos de saúde não reembolsa estes gastos.

Sobre o tratamento farmacológico, existem poucas opções e são sempre restritas a quadros demenciais. Os anticolinesterásicos são as drogas mais utilizadas, cujo benefício é modesto, principalmente observado na velocidade de evolução da doença, e a grande maioria dos estudos que envolvem seu uso são sobre doença de Alzheimer. Efeitos gastrointestinais e bradicardia podem ocorrer com certa frequência, e não há um período pré-estabelecido bem definido para seu uso, ficando ao cargo do médico prescritor e do bom senso, conforme evolução do paciente.

A outra classe de fármacos disponíveis, memantina, é indicada apenas em quadros moderados a graves de doença de Alzheimer, e pode ter benefícios modestos na cognição e comportamento. O uso de anticolinesterásicos e memantina em pacientes com CCL não demonstrou benefícios ou evitou a evolução para demência de forma consistente em estudos até esta data, apesar de serem utilizados informalmente com este objetivo.

Suplementos alimentares, inclusive vitamina E (o mais extensivamente estudado), não demonstraram quaisquer benefícios objetivos em estudos realizados, e em alguns casos levaram a malefícios aos pacientes. O único suplemento em estudo, autorizado pela FDA, para doença de Alzheimer é o AC 1202 (Axona), que mostrou aparente benefício em pacientes negativos para mutação APOE-ε4.

Medicações para o controle de sintomas neuropsiquiátricos em geral não são recomendados. Antipsicóticos para agitação e agressividade tem efeitos modestos na melhor das hipóteses, e podem aumentar a mortalidade e gerar outros efeitos colaterais.

O uso de antidepressivos inibidores de recaptação de serotonina em pacientes com demência deprimidos não é bem estudado, e pode levar a efeitos colaterais graves, mas pode ser indicado por especialistas em casos selecionados.

Em relação aos distúrbios do sono, benzodiazepínicos são medicações a serem evitadas, podendo agravar os sintomas; a melatonina parece ser a medicação mais segura e pode ter benefícios na maioria dos quadros. Mirtazapina e trazodona são muitas vezes utilizados, porém pouco estudados neste contexto.

O cuidado do paciente com demência e contínuo e dinâmico, tendo de ser rediscutido constantemente conforme a doença evolui, sendo necessário vínculo entre a família, neurologista (e outros especialistas envolvidos) e a equipe de cuidados diários. Como a imensa maioria dos casos de demência advém de doenças degenerativas irreversíveis, é importante o planejamento prévio e a constante discussão sobre os cuidados paliativos e cuidados de fim de vida que eventualmente o paciente necessitará.

A família e os cuidadores devem compreender que há um limite de utilidade das medicações e tratamentos, tendo em vista que no quadro terminal de todas as demências o paciente tem pouca ou quase nenhuma interação com o meio, não se beneficiando dos mesmos. Deve-se evitar a supermedicação e a distanásia, mudando o foco das intervenções para qualidade de vida e objetivando uma morte digna e com o máximo de conforto possível.

Comentários finais

Esse é um excelente artigo de revisão, muito importante para todos os profissionais que lidam com o paciente idoso. Infelizmente em nossa realidade ainda vemos muitas prescrições nocivas e supermedicação, muitas vezes sem evidências de benefícios aos pacientes, ou até mesmo charlatanismo e fórmulas “milagrosas”.

Os cuidados ideais ao paciente com demência também são, em geral, inatingíveis para população em geral, dado alto custo e tempo que precisam ser dispensados pelos familiares, que tem suas vidas e necessitam trabalhar. Há uma necessidade imperiosa de instituições e programas no âmbito público e privado para o manejo destes pacientes, cujo contingente só deve crescer nos próximos anos, e não vislumbramos a satisfação desta necessidade em curto prazo.

Os custos são enormes, não sendo atrativos comercialmente (para iniciativa privada) ou viáveis para o Estado. É importante que o neurologista e todos os profissionais envolvidos no cuidado deste tipo de paciente esteja preparado para fornecer os melhores tratamentos e opções, dentro do conhecimento científico atual, da forma mais humana e digna possível, pelo bem do paciente e de sua família.

É médico e também quer ser colunista da PEBMED? Clique aqui e inscreva-se!

Referências:

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades

Tags