AVE segue como uma das principais causas de morte no mundo

O artigo Global Burden of Stroke aborda o “custo” (material, humano e de saúde) global dos acidentes vasculares encefálicos (AVE) no mundo.

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O artigo Global Burden of Stroke aborda o “custo” (material, humano e de saúde) global dos acidentes vasculares encefálicos (AVE) no mundo. Sendo esta patologia uma das maiores causas de mortalidade em todos os países (possivelmente a maior no Brasil), além de ser uma importante causa de morbidade e dependência para inúmeros pacientes. A morbimortalidade do AVE vem caindo nos países desenvolvidos, graças a novas tecnologias e protocolos para reabilitação e controle de fatores de risco, mas nos países em desenvolvimento ainda é um problema com pouca perspectiva de controle eficaz, além de afetar uma população em geral mais jovem, principalmente por pior controle dos principais fatores de risco (dislipidemia, hipertensão arterial e diabetes melito).

O estudo Global Burden of Disease, Injury and Risk Factors Study (GBD 2015) mostrou a constante tendência das últimas décadas da queda de morbimortalidade global por doenças infecto-contagiosas em contraste com o crescimento de doenças não-contagiosas, notavelmente as vasculares; AVE e doença cardíaca isquêmica foram responsáveis, juntos, por 15,2 milhões de mortes em 2015. Também neste contexto, os AVE isquêmicos são os mais prevalentes, mas os AVE hemorrágicos detêm a liderança como causa grave de morbidade e têm alta mortalidade (cerca de 80%) principalmente em países em desenvolvimento.

O AVE permanece como uma das principais causas de morbidade em todo o mundo, apesar de todos os esforços para o controle de seus principais fatores de risco (obesidade, tabagismo, diabetes melito, hipertensão arterial, dislipidemia, fibrilação atrial, etc) nos países desenvolvidos; isto também ocorre nos países em desenvolvimento; porém, naturalmente, estas estratégias são menos bem-sucedidas e o que vêm se observando é um aumento nestes últimos de AVE hemorrágico em populações mais jovens (20-64 anos). Sequelas motoras são bastante comuns, mas outras formas de morbidade (disfagia, disartria, distúrbios cognitivos, etc) também são observados, principalmente entre os idosos, que compõem a maioria das vítimas em geral.

Os custos materiais deste grave problema de saúde endêmico são enormes; há várias estimativas, e em geral acredita-se que 3-4% de todo orçamento de saúde de países ocidentais vá exclusivamente para cuidados com pacientes vítimas de AVE. Em média, o custo total de um paciente nos EUA chega a mais de US$ 140 mil; em 2010, na união europeia (mais Islândia, Noruega e Suíça) os custos totais foram de € 26,6 bilhões; na Índia, em 2005 os custos com doença coronariana, AVE e diabetes foram de US$ 8,7 bilhões, e atingiram 54 bilhões de pessoas em 2015, além de serem a causa direta de redução de 1% do PIB deste país.

O custo total em países em desenvolvimento não é bem delimitado, muitas vezes por falta de estatísticas precisas sobre os gastos. O custo hospitalar corresponde a 70% do custo total no primeiro ano pós-AVE, sendo que AVE grave (NIHSS >20) custa o dobro de quadros moderados, apesar de serem usados instrumentos propedêuticos similares. Além dos custos totais, deve-se levar em conta a custo-efetividade dos tratamentos e reabilitação; há vários estudos no Reino Unido, Japão e Suíça mostrando que a reabilitação e prevenção secundária diminuem a morbimortalidade em longo prazo.

Pacientes com quadros de sequelas moderadas são mais beneficiados nestas estratégias que aqueles com quadros muito leves ou muito graves. Além disso, todos estes cálculos não levam em conta os quadros subdiagnosticados, chamados “infartos silenciosos”, que acredita-se serem responsáveis por muitos quadros demenciais, distúrbios de marcha e outras comorbidades.

O risco de AVE na população mais jovem vem aumentando, principalmente em países subdesenvolvidos, e notavelmente na Rússia, China e Índia. Paradoxalmente, este risco parece ter relação direta com a melhoria dos níveis socioeconômicos em regiões mais pobres e/ou rurais. Parece que o acesso a novas comodidades leva consigo hábitos de vida com maiores riscos cardiovasculares. É importante ressaltar que nestes países com economias em crescimento o aumento de pacientes vítimas de AVE jovens impacta diretamente no mercado de trabalho e em questões previdenciárias.

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Em termos de etnias, observa-se, por exemplo, um risco significativamente maior entre negros nos EUA do que caucasianos; o mesmo ocorre entre imigrantes latino-americanos naquele país. Isto é observado em países europeus desenvolvidos, comparando-se a população nativa versus minorias étnicas. Acredita-se, portanto, que em grande parte este risco seja devido a fatores socioeconômicos, mas também há um risco biológico intrínseco, o que reforça necessidade de controle de fatores de risco nestas populações. O South London Stroke Registry, por exemplo, revela um risco 75% maior de desfecho desfavorável em AVE na população de menor nível socioeconômico versus a de maior nível.

Também é importante ressaltar que em geral as estatísticas revelam um risco mais elevado de AVE em mulheres do que em homens; em estudos recentes da OMS em 8 países europeus, observou-se um risco que cresce 9% ao ano para homens e 10% para mulheres. Fatores sociais, acesso a serviços de saúde e o fato de que mulheres vivem mais parecem influenciar neste caso, porém acredita-se que fatores biológicos, principalmente relativos a hormônios, coagulação gestação/estado pós-parto estejam envolvidos, além do fato que os fatores de risco clássicos são mais comuns em mulheres que homens.

Comentário

O artigo toca em questões muito importantes no contexto de saúde pública mundial e particularmente no Brasil. As causas cardiovasculares já são as mais importantes na mortalidade do nosso país há algum tempo, e o acidente vascular encefálico em especial é um grande problema, não apenas no SUS como em todo sistema de saúde. Há uma grande deficiência e ineficiência na prevenção primária e secundária em toda rede, o que naturalmente leva a crescente incidência desta doença em nossa população, principalmente porque a expectativa de vida vem crescendo; assim, pacientes hipertensos, dislipidêmicos e diabéticos hoje no Brasil vivem mais, e dessa forma aumentam seu risco individual de desenvolverem um quadro de AVE ao longo da vida, convertendo-se em maior prevalência de sequelas de AVE e maior mortalidade pelo mesmo motivo.

Enquanto no SUS as estratégias de atenção primária são insuficientes e não alcançam toda população (principalmente aqueles sob maior risco, os com menores níveis socioeconômicos), no contexto privado o que se observa é a ausência (ou quase) de atenção primária, visto que os pacientes recorrem exclusivamente a especialistas e por sua própria demanda, que muitas vezes só surge após um evento adverso de saúde.

Qualquer médico, especialmente neurologistas, que tenham contato com pacientes vítimas de AVE no Brasil pode observar que, via de regra, os casos têm causas preveníveis, como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia, porém muitas vezes o próprio paciente só descobre ser portador destas doenças quando sofre um AVE e acaba internado no hospital; seja porque ele não tinha acesso a seguimento médico de rotina (SUS), seja porque no contexto privado, só ia a médicos sob demanda e diretamente com especialistas, que em geral não rastreiam ou questionam sobre estes fatores de risco.

Além deste grande problema na prevenção, sofremos no Brasil com pouca disponibilidade de profissionais capacitados ao atendimento do paciente vítima de AVE nos hospitais; não se restringe à presença de neurologistas, sendo necessária uma equipe multidisciplinar, com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapia ocupacional, serviço de terapia intensiva, entre outros.

A presença ou ausência de tais serviços impacta diretamente no prognóstico a curto, médio e longo prazo do paciente, em todos os tipos de AVE. Por último, fica muito difícil estimar os custos totais do AVE e suas comorbidades no Brasil, sendo que muitos casos não são nem mesmo diagnosticados durante toda a vida do paciente, e naqueles identificados corretamente, esta informação dificilmente chega aos órgãos responsáveis ou está disponível de forma clara para pesquisas. Sendo o AVE uma das maiores causas de mortalidade do país, é uma das que mais sofre, em última análise, com o preenchimento inadequado de atestados de óbito, por exemplo.

Há uma grande margem de erro no preenchimento de AIH e de sumários de alta em hospitais de todo o país também; a falta destas informações dificulta o planejamento e até mesmo enfraquece os argumentos para pressionar o governo a adotar estratégias mais eficazes para lidar com este problema no Brasil.

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Referências:

  • Global Burden of Stroke. Mira Katan, MD, MS; Andreas Luft, MD. Semin Neurol. 2018;38(2):208-211.

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