Bloqueadores neuromusculares: revisão em tempos de Covid-19 — Parte 2

Na segunda parte desta revisão vamos tratar das complicações quando bloqueadores neuromusculares são utilizados em infusão contínua.

Vimos na parte 1 desta revisão os mecanismos de ação, indicações, principais características e complicações referentes ao uso dos bloqueadores neuromusculares quando utilizados em dose única. Vamos nos ater nesta 2ª parte às complicações quando utilizados em infusão contínua. Este tema se torna bastante importante nos dias de hoje, durante a pandemia de Covid-19, quando muitos pacientes necessitam ser curarizados, seja para intubação orotraqueal ou pela manutenção da posição prona na tentativa de melhor troca gasosa durante o processo de ventilação mecânica.

Bloqueadores neuromusculares: revisão em tempos de Covid-19 — Parte 2

Complicações na infusão contínua

A tabela I apresenta as principais complicações com o uso prolongado dos bloqueadores neuromusculares:

Tabela I – Complicações com o uso prolongado de relaxantes musculares

Imobilidade: – TVP (Trombose Venosa Profunda)

– Lesão de nervos periféricos

– Úlcera de decúbito

Incapacidade de tossir: – Retenção de secreção e atelectasia

– Infecção pulmonar

Fraqueza Muscular Persistente: – Bloqueio neuromuscular farmacológico

– Miopatia associada a esteróide

– Neuropatia motora periférica

Efeito de Metabolitos: – Metabolitos 3-desacetil de relaxantes musculares esteroides podem produzir paralisia

– Laudanosina pode causar convulsão

A trombose venosa profunda pode ser prevenida com protocolos de deambulação precoce/anticoagulação química no período perioperatório e em unidade de terapia intensiva. Já a lesão de nervos periféricos e a úlcera de decúbito dependem de uma equipe de enfermagem treinada e da atenção da equipe de cirurgia no posicionamento do paciente com consequente acolchoamento dos pontos de maior pressão com a mesa de cirurgia.

A dificuldade em mobilizar secreção das vias aéreas superiores e inferiores pode ser prevenida com fisioterapia respiratória e cuidados de enfermagem.

Leia também: Destaques: Anestesia em Paciente com Covid-19 e Polifarmácia no Whitebook

A incidência de fraqueza muscular persistente é de aproximadamente 5% em unidades de terapia intensiva e de 20% nos pacientes que receberam relaxantes musculares (RM) por > 6 dias. Essa complicação retarda o desame do paciente da ventilação mecânica, assim como a recuperação plena da força muscular, causando um prejuízo enorme ao paciente. A principal causa é a persistência da droga na circulação sanguínea mesmo após a interrupção da sua infusão. Os metabólitos 3-desacetilados do vecurônio e do pancurônio são os principais vilões. Os principais fatores de risco são: infusão por período > 48 horas; sexo feminino; insuficiência renal.

A miopatia associada com a administração concomitante de corticosteroides e bloqueadores neuromusculares do tipo aminoesteroides (pancurônio e vecurônio) se caracteriza por paralisia flácida, aumento da concentração de creatinoquinase (CK), mionecrose e uma recuperação lenta. Ocorre principalmente em pacientes portadores de asma grave que evoluíram para ventilação mecânica. O tratamento consiste em suporte clínico, diminuição da dose de esteroide e substituição do RM por atracúrio ou cisatracúrio.

Saiba mais: Resistência aos bloqueadores neuromusculares

Também tem sido descrita síndrome de neuropatia motora após uso prolongado de pancurônio, vecurônio e atracúrio. Afeta membros superiores e inferiores, é acompanhado por ausência de reflexos tendinosos e pode estar associado a atrofia muscular. A fraqueza acentuada pode retardar o desame da ventilação mecânica e se prolongar por vários meses. A ocorrência está relacionada com a dose e duração de administração.

A laudanosina, como descrito na parte 1 desta revisão, é um produto da degradação espontânea que ocorre na via de Hofmann. Esta molécula consegue atravessar a barreira hematoencefálica, estimulando o sistema nervoso central, podendo causar convulsão. É mais comum com o atracúrio.

Reversão do bloqueio

A sucicinilcolina difunde-se à partir da junção neuromuscular e é hidrolisada no plasma e no fígado pela pseudocolinesterase  (colinesterase plasmática ou inespecífica). Não há reversor específico para os agentes despolarizantes.

Já os RM adespolarizantes dependem da redistribuição, metabolização e excreção do relaxante pelo corpo, ou da administração de um reversor específico, como:

  • Anticolinesterásicos: inibem a acetilcolinesterase, aumentando a concentração de ACh na fenda sináptica e deslocando o RM adespolarizantes do sítio de ligação com o receptor nicotínico. O principal anticolinesterásico utilizado no Brasil é a neostigmine. Sua dose é de 30 a 70 mcg/kg.
  • Sugamadex: esta molécula engloba a molécula de RM adespolarizante do tipo aminoesteroide e o complexo formado é eliminado pelos rins. Possui maior afinidade pelo rocurônio, vecurônio e pancurônio respectivamente. Sua dose depende do TOF (train of four) e pode variar de 2, 4 ou 16 mg/kg.

Referências bibliográficas:

  • Morgan GE, et al. Clinical Anesthesiology. 4th ed. Rio de Janeiro: Revinter. 2010. 189-202.
  • Caldwell JE. Uso e Complicações dos Relaxantes Musculares na Unidade de Terapia lntensiva. Brazilian Journal of Anesthesiology. 2020;45(2), 117-129. https://bjan-sba.org/article/5e498bd70aec5119028b4814
  • Juul N, Morris GF, Marshall SB, Marshall LF. Neuromuscular blocking agents in neurointensive care. Acta Neurochir Suppl. 2000;76:467-470. doi10.1007/978-3-7091-6346-7_97
  • Jarpe MB. Nursing care of patients receiving long-term infusions of neuromuscular blocking agents. Critical Care Nurse. 1992:58-63. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1478105/

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