Transtorno de personalidade borderline: como diagnosticar

O transtorno de personalidade borderline caracteriza-se por humor, comportamento e relações extremamente instáveis.

Apesar de extremamente frequentes no contexto clínico, estima-se que pacientes com transtorno de personalidade borderline (TPB) representem 20% dos pacientes internados e ambulatoriais. É comum que pacientes com TPB despertem sentimentos aversivos na equipe de saúde – 47% dos profissionais em saúde mental relatam que evitariam tratar esses pacientes se tivessem tal opção.  

Há uma impressão clínica generalizada de que esses pacientes precisariam de tratamentos muito específicos e intensivos, de que resistem ao tratamento e de que raramente apresentam melhora. Esses são alguns mitos que envolvem o TPB, e esta falta de conhecimento leva os profissionais a perpetuarem a estigmatização desses pacientes. 

Leia também: Terapia do esquema em grupo é tão eficaz quanto a associação com terapia individual no transtorno de personalidade borderline?

A psicopatologia apresentada por estes pacientes é fundamentalmente explicada pela hipersensibilidade interpessoal. Pessoas com TPB apresentam instabilidade afetiva em diversos aspectos das suas vidas, déficits de autoimagem, sensação de vazio e intensa impulsividade. São frequentes comportamentos de automutilação e tentativas de suicídio associadas (ver tabela com critérios do DSM-V).

Critérios diagnósticos: DSM V – Transtorno de personalidade borderline

Um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:

  • Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado; Nota: não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.
  • Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização;
  • Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo;
  • Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (exemplos: gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar). Nota: não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.
  • Recorrência de comportamentos, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante;
  • Instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade de humor (exemplos: disforia pisódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração de poucas horas e, apenas raramente, de mais de alguns dias);
  • Sentimentos crônicos de vazio;
  • Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (exemplos: mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes);
  • Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.

O TPB acomete cerca de 6% da população ao longo da vida, com igual prevalência entre os gêneros, mas com maior incapacitação social das mulheres.  

transtorno de personalidade borderline

Manejo clínico

O Bom Manejo Clínico (BMC ou GPM, do inglês Good Psychiatric Management) é uma intervenção que visa habilitar os profissionais de saúde mental para tratar a maior parte dos casos de transtorno de personalidade borderline. Tem eficiência comparável à Terapia Comportamental Dialética (tratamento baseado em evidência com maior número de estudos para TPB). O BMC dá alguns nortes para orientarmos nossa prática clínica e evitarmos condutas iatrogênicas nesta população.

Os clínicos que praticam o BMC devem oferecer psicoeducação sobre o transtorno de personalidade borderline, estimulando os pacientes a saberem sobre o transtorno, comunicando o papel da predisposição genética e compartilhando uma expectativa de melhora. Devem apresentar postura ativa, ponderada, evitando dicotomias e ajudando os pacientes a entenderem sua experiência interna.

Além disso, precisam insistir na responsabilidade dos seus pacientes pelo que falam e fazem e, simultameamente, devem mostrar que seus comportamentos disfuncionais são compreensíveis e podem mudar. O tratamento deve ser flexível e adaptável a cada pessoa, focando sempre na vida externa, buscando ajudar o paciente a ter ambientes mais suportivos e estáveis e a se envolverem em atividades vocacionais.  

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É importante lembrar que não há intervenções farmacológicas direcionadas para o TPB e que as medicações são complementares ao tratamento. Inibidores seletivos de receptação de serotonina e antidepressivos tricíclicos são utilizados quando há inequívoco transtorno depressivo, com preferência para os primeiros.

Estabilizadores de humor apresentam impacto limitado sobre a instabilidade afetiva e a psicoterapia é mais útil para esses sintomas. Se forem usados, devem ser em doses análogas ao transtorno bipolar. Antipsicóticos são bons para o controle de raiva e impulsividade. Ansiolíticos devem ser evitados pelo risco de dependência e pela possibilidade de causar desinibição comportamental. Por fim, é importante lembrar que o número de medicações em uso nos pacientes com transtorno de personalidade borderline é inversamente relacionado com a melhora clínica.  

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