Calculadora para predição de falha em estratégias ventilatórias não invasivas na Covid-19

Com a evolução da pandemia de Covid-19 começou-se a usar estratégias não invasivas de ventilação, evitando assim uma intubação desnecessária.

Logo no início da pandemia, o mundo adotou uma estratégia preemptiva em relação à intubação precoce nos pacientes com Covid-19 e hipoxemia, com base nas recomendações de sociedades, baseados em consensos de especialistas. Com o tempo aprendemos muito no sentido de manejo clínico adequado desses pacientes e se uma coisa ficou bem clara para a terapia intensiva, era de que a intubação precoce além de não ter nenhuma evidência a favor, começou a mostrar evidências contra. Tão logo isso foi ficando claro e com a escassez de recursos devido a pandemia de Covid-19 batendo à porta de todos, começamos a usar estratégias não invasivas de ventilação, postergando e em muitas das vezes, evitando uma intubação desnecessária.

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Aprendemos assim, que o uso de ventilação mecânica invasiva e do cateter nasal de alto fluxo são armas muito importantes no manejo precoce desses pacientes, onde em muitas das vezes conseguimos evitar a intubação e consequentemente, impactar na mortalidade desses pacientes. O problema nessa estratégia é o de encontrar o limite tênue entre um paciente com indicação de estratégia não invasiva com claro objetivo em evitar a intubação, e um paciente com indicação de intubação de imediato, onde o uso da estratégia não invasiva servirá apenas para postergar a intubação já necessária, com impacto direto em aumento de mortalidade.

O objetivo deste estudo, publicado em março de 2021 na revista Lancet, foi o de identificar os principais preditores de falha na estratégia de ventilação não invasiva, com o desenvolvimento de uma calculadora capaz de antecipar essa falha, permitindo o auxílio na tomada de decisão entre intubar de imediato ou de investir na estratégia, sem que isso possa postergar uma intubação já necessária.

Calculadora para predição de falha em estratégias ventilatórias não invasivas na Covid-19

Como o estudo foi realizado

Foi feito como um estudo observacional, retrospectivo e multicêntrico em 23 hospitais dedicados para pacientes com Covid-19 na China. A coorte envolveu pacientes adultos (≥ 18 anos) com síndrome respiratória aguda grave por infecção por Sars-Cov-2 e insuficiência respiratória aguda recebendo suporte ventilatório não invasivo (SVNI).

Uma coorte de 652 pacientes (21 hospitais) foi usada para identificar os preditores precoces de falha de SVNI, definida como a necessidade subsequente de ventilação mecânica invasiva ou morte dentro de 28 dias após a admissão na unidade de terapia intensiva. Um nomograma foi desenvolvido por regressão logística multivariável e as estatísticas de concordância (estatística C) foram analisadas.

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O objetivo primário do estudo foi a falha de SVNI, definida como a necessidade de intubação e mortalidade em 28 dias da admissão. Pacientes que fizeram a transição de cateter nasal de alto fluxo para ventilação não invasiva ou vice-versa, foram considerados como casos de sucesso. Entre os objetivos secundários estavam os dados demográficos, bem como dados clínicos gerais e de desfecho.

Os dados incluídos para o escore foram:

  • Idade;
  • Nível de consciência pela Escala de Coma de Glasgow;
  • Saturação periférica de oxigênio;
  • FiO2 usada no momento;
  • Frequência respiratória;
  • Necessidade de drogas vasoativas;
  • Comorbidades.

Durante o período de análise, 123 pacientes foram elegíveis para inclusão. Desses, 16 pacientes foram excluídos devido à falta de dados, com 107 pacientes na coorte final.

Quais os achados do estudo

Entre os pacientes selecionados, 48 (45%) pacientes foram inscritos no grupo cateter de alto fluxo nasal (CNAF) e 59 (55%) no grupo ventilação não invasiva (VNI). A estratégia não invasiva falhou em 74 (69%) pacientes, com 31 (29%) evoluindo para a ventilação mecânica invasiva e 43 (40%) morreram antes da intubação. O cateter nasal de alto fluxo falhou em 26 (54%) de 48 pacientes e a VNI em 48 (81%) de 59 pacientes. A mortalidade dentro de 28 dias após a admissão na UTI foi relatada em 67 (63%) pacientes (20 [42%] no grupo CNAF e 47 [80%] no grupo VNI).

O nomograma, com base nos dados colhidos no dia um de início do suporte ventilatório não invasivo, teve uma capacidade discriminatória (estatística C) de 0,84 (IC 95% 0,81–0,87) na previsão de uma falha. Os pacientes nos quais o SVNI falhou tiveram um maior risco de morte em 28 dias.

Assim, a previsão antecipada de falha no uso de SVNI nesses pacientes pode ajudar médicos a decidir melhor antes de usar a estratégia que só irá postergar uma intubação necessária, aumentando assim a morbimortalidade desse doente, assim como ajuda também a alocar apropriadamente os recursos materiais dentro da UTI, evitando o desperdício.

Minha impressão

De fato, evoluímos muito no conceito de não intubar precocemente, mas sempre atento para evitar a intubação postergada, normalmente em um doente mais grave comprometido. Decidir se o seu paciente tem boa chance de evoluir bem na estratégia não invasiva ou se você só vai postergar uma intubação necessária e estragar recursos valiosos que poderiam ajudar outras pessoas, é difícil.

O uso dessa calculadora, que é simples e muito prática, pode ajudar a tomar essa decisão de forma mais objetiva e precisa.

Por exemplo, um paciente de 70 anos e hipertenso, com glasgow de 15 e mantendo uma saturação de 92% com FiO2 de 100% em máscara concentradora, fazendo frequência respiratória de 24 irpm (Caso muito comum), teria uma predição de falha em 81%. Esse paciente, a meu ver, não se beneficiaria de uma estratégia não invasiva. Partiria para a intubação orotraqueal.

No outro lado, uma paciente de 70 anos de idade e hipertensa, com glasgow de 15 e mantendo uma saturação de 94% com FiO2 de 65% em Venturi, fazendo frequência respiratória de 20 irpm, teria uma predição de falha de 59%, beneficiando-se de uma estratégia não invasiva. Partiria para o alto fluxo nasal associado à VNI intercalada com boa chance de não precisar da intubação.

O link da calculadora segue aqui: http://www.china-critcare.com/covid/risk_prediction.html

Referências bibliográficas:

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  • Antonelli M, Conti G, Esquinas A, et al. A multiple-center survey on the use in clinical practice of noninvasive ventilation as a first-line intervention for acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med 2007; 35: 18–25.
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