Câncer e doenças no pericárdio: o que precisamos saber?

A prevalência de comprometimento cardíaco e de pericárdio em câncer varia entre 5-20% em séries de autópsias e estudos, indicando prognóstico reservado.

A prevalência de comprometimento cardíaco e de pericárdio em neoplasias malignas varia entre 5% e 20% em séries de autópsias e estudos clínicos, sendo indicativo de prognóstico reservado. Os tumores primários do pericárdio são raros. Observa-se com mais frequência invasão pericárdica metastática, surgindo na maioria dos casos de carcinoma de pulmão e mama, malignidades hematológicas e tumores gastrointestinais.

prontuário e estetoscópio de médico cuidando de pacientes com câncer e doenças do pericárdio

Câncer e doenças do pericárdio

Foi publicado recentemente um artigo no jornal Heart, em que se revisava a prevalência e o manejo destes casos. Neste artigo, traremos os principais pontos da publicação.

Prevalência e etiologia

Foram analisados 186 artigos do Pubmed, dos quais 43 foram incluídos na revisão sistemática.

As neoplasias pericárdicas primárias, benignas (fibromas e lipomas) ou malignas (mesotelioma, angiossarcomas, fibrossarcomas), raramente ocorrem. Por outro lado, derrames pericárdicos malignos secundários ao câncer metastático são mais comuns. Um envolvimento direto do câncer no pericárdio é observado em 7% a 44% dos derrames pericárdicos.

Patofisiologia

Em pacientes com câncer, o envolvimento pericárdico resulta de vários mecanismos fisiopatológicos diferentes:

  1. Extensão direta ou disseminação metastática da doença subjacente;
  2. Complicação do tratamento sistêmico do tumor (radioterapia e/ou toxicidade quimioterapêutica);
  3. Infecção oportunista no cenário de terapias antineoplásicas; E
  4. Distúrbios metabólicos no fígado e/ou na função renal e/ou cardíaca do câncer ou da terapia do câncer (menos comum).

O tipo mais comum de envolvimento pericárdico é representado por derrames pericárdicos de moderado a grande. A prevalência de derrame associado a malignidade é de cerca de um terço em pacientes com tamponamento pericárdico, refletindo estágio avançado da doença.

Leia também: Como realizar o manejo da pericardite aguda e recorrente?

Manejo dos derrames pericárdicos

Depois que o derrame pericárdico é detectado, a investigação diagnóstica deve se concentrar sobre a causa potencial e seu impacto hemodinâmico. O tamponamento cardíaco, causando comprometimento hemodinâmico, ocorre em 50% dos pacientes com derrames pericárdicos malignos, expressão de doença terminal avançada.

Derrames pericárdicos moderados a grandes geralmente apresentam etiologias específicas em até 90% dos casos (por exemplo, neoplasias, tuberculose, doenças inflamatórias sistêmicas) e na apresentação clínica é importante suspeitarmos delas.

O que observar na abordagem inicial?

1) Considerar a presença/ausência de tamponamento cardíaco.
2) Avaliar sinais inflamatórios, incluindo proteína C reativa e / ou taxa de sedimentação de eritrócitos (ou seja, pericardite)
3) Investigar a presença de uma condição médica conhecida (em até 60% dos casos) e o tamanho da efusão.

Exame físico

O exame físico pode mostrar sinais de envolvimento pericárdico complicado com tamponamento cardíaco e / ou constrição. Lembram da famosa tríade de Beck? Então, ela é de fato bastante útil.

Tríade de Beck:

  • Hipofonese de bulhas;
  • Hipotensão arterial;
  • Turgência jugular.

 

 

O eletrocardiograma geralmente apresenta achados inespecíficos que podem estar relacionados à presença de um grande derrame pericárdico (por exemplo, baixa voltagem do QRS e alternância elétrica, ou seja, uma variação batida a batida da amplitude do QRS em um coração oscilante dentro de um derrame grande).

A radiografia de tórax pode mostrar sinais do câncer subjacente em caso de envolvimento pleuropulmonar e aumento da silhueta cardíaca para grandes derrames pericárdicos.

O ecocardiograma transtorácico é o exame de imagem de primeira linha em pacientes com suspeita de doença pericárdica porque detecta com precisão o derrame pericárdico e seu impacto hemodinâmico, bem como a função biventricular. O ecocardiograma tem vários papéis: primeira avaliação, acompanhamento e monitoramento da terapia.

A TC torácica e a ressonância magnética cardíaca têm papel complementar na caracterização de derrames pericárdicos, principalmente na presença de derrame hemorrágico, espessamento pericárdico ou na suspeita de pericardite efusivo-constritiva.

Embora o envolvimento pericárdico seja comum em pacientes com malignidade ativa conhecida, o derrame pericárdico grande também pode ser a apresentação inicial de uma malignidade oculta. Portanto, a malignidade deve ser excluída nos casos de doenças pericárdicas agudas que se apresentam como tamponamento cardíaco, mas também em derrames moderados a grandes de origem inexplicável, sem sinais inflamatórios e que não respondem à terapia anti-inflamatória empírica convencional.

De acordo com as diretrizes mais recentes da ESC, a pericardiocentese (se tecnicamente viável) é uma indicação absoluta do derrame pericárdico quando houver suspeita de envolvimento neoplásico do pericárdio.

Um diagnóstico definitivo requer análise do líquido citológico e exame citopatológico em pacientes submetidos à drenagem pericárdica. A avaliação citológica é o padrão-ouro para o diagnóstico de derrame pericárdico neoplásico com sensibilidade de 71% a 92,1% e especificidade de quase 100%, conforme relatado em diferentes estudos. A sensibilidade e especificidade da citologia são marcadamente superiores à sensibilidade (55% a 64%) e especificidade (85%) relatada para biópsia pericárdica.

Um ponto que chama atenção na revisão foi a citação de um estudo recente de Rooper e colaboradores, que demonstraram que o volume de líquido submetido à citologia exerce profunda influência no diagnóstico de malignidade. Em particular, a sensibilidade da citologia de efusão para fluidos de 60 mL ou menos foi de 70,0%, um pouco pior que a da biópsia pericárdica, enquanto a sensibilidade com >60 mL de líquido pericárdico atingiu 91,7%.

Recomenda-se coletar a maior quantidade possível de líquido pericárdico para análise citológica sempre que um diagnóstico citológico for solicitado.

Após a drenagem do líquido pericárdico, as amostras são enviadas aos laboratórios de microbiologia e patologia para cultura, testes químicos e testes de marcadores neoplásicos. O fluido restante deve ser enviado imediatamente ao laboratório de patologia para centrifugação e diagnóstico citológico ou refrigerado a 4 ° C. As análises de fluido de laboratório devem incluir parâmetros bioquímicos básicos (gravidade específica, teor de proteínas, glicose, ureia, lactato desidrogenase, colesterol), citologia, culturas bacterianas e análise por PCR para identificação de agentes infecciosos de acordo com suspeita clínica e disponibilidade de tratamentos específicos a serem oferecidos após o diagnóstico. Marcadores imuno-histoquímicos devem ser realizados principalmente para confirmar a presença de células malignas e para distingui-las das células mesoteliais reativas.

Em conclusão, o uso de ambas as modalidades, citologia e biópsia pericárdica, pode fornecer o maior rendimento diagnóstico.

cadastro portal

Tratamento

Os possíveis cenários de tratamento variam de pericardiocentese e pericardiotomia com balão a cirurgia cardiotorácica. Além disso, o tratamento da doença neoplásica local é aconselhável com o objetivo de prolongar a sobrevida, com base no estado clínico e no prognóstico do paciente. Na presença de malignidade, o tratamento ideal do derrame pericárdico neoplásico deve equilibrar a eficácia do tratamento com a expectativa de vida.

A radioterapia ou quimioterapia sistêmica deve ser reservada a tumores radiossensíveis e quimiossensíveis (como linfomas e câncer de mama). Para a prevenção a longo prazo de recorrências, várias abordagens foram propostas de acordo com as diretrizes da ESC de 2015, e outras recomendações: pericardiocentese com drenagem prolongada; janela pleuropericárdica ou pleuroperitoneal por pericardiotomia percutânea com balão ou por cirurgia; instilação intrapericárdica de agentes citostáticos ou esclerosantes; quimioterapia local e/ou sistêmica e radioterapia.

Em derrames pericárdicos malignos, a combinação de quimioterapia sistêmica com janela pericárdica é provavelmente a opção de tratamento mais eficaz para a prevenção de recorrências.

Mais da autora: Coronavírus: quais as orientações para o manejo dos pacientes críticos?

Take-home message

  • Os tumores primários do pericárdio são raros. Observa-se com mais frequência Invasão pericárdica metastática, surgindo na maioria dos casos de carcinoma de pulmão e mama, malignidades hematológicas e tumores gastrointestinais. Devemos ter em mente as possíveis etiologias para direcionarmos a investigação.
  • Na abordagem inicial, fique atento aos sinais de tamponamento cardíaco. No exame físico, não podemos esquecer da Tríade de Beck;
  • A avaliação citológica é o padrão ouro para o diagnóstico de derrame pericárdico neoplásico. O uso de várias modalidades, citologia e biópsia pericárdica, pode fornecer o maior rendimento diagnóstico.
  • Recomenda-se coletar a maior quantidade possível de líquido pericárdico para análise citológica sempre que um diagnóstico citológico for solicitado (> 60 mL);
  • Os possíveis cenários de tratamento variam de pericardiocentese e pericardiotomia com balão a cirurgia cardiotorácica. Além disso, o tratamento da doença neoplásica local é aconselhável com o objetivo de prolongar a sobrevida, com base no estado clínico e no prognóstico do paciente;
  • Em derrames pericárdicos malignos, a combinação de quimioterapia sistêmica com janela pericárdica é provavelmente a opção de tratamento mais eficaz para a prevenção de recorrências.

Referências bibliográficas:

  • Imazio M, Colopi M, De Ferrari GM Pericardial diseases in patients with cancer: contemporary prevalence, management and outcomes Heart Published Online First: 24 January 2020. doi: 10.1136/heartjnl-2019-315852
  • Rooper LM, Ali SZ, Olson MT A minimum volume of more than 60 mL is necessary for adequate cytologic diagnosis of malignant pericardial effusions. Am J Clin Pathol2016;145:101–6.doi:10.1093/ajcp/aqv021

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.