CirurgiaABR 2022

Câncer gástrico: como deve ser a abordagem cirúrgica?

Apesar dos avanços dos quimioterápicos e tratamento, achados operatórios do câncer gástrico continuam sendo um forte preditor do prognóstico.

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Por Felipe Victer
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Apesar de todo o avanço dos quimioterápicos e nos novos protocolos de tratamento, os achados operatórios do câncer gástrico continuam a ser um forte preditor do prognóstico. Todo o tratamento do câncer gástrico com intuito curativo se baseia na ressecção, seja ela cirúrgica ou endoscópica.

O câncer gástrico possui uma alta incidência no oriente, onde o tratamento do câncer gástrico é altamente estudado. No ocidente apesar de menor incidência, possui uma grande tradição no tratamento o que influencia também as condutas adotadas. É por esta diferença de “escolas” que o câncer gástrico possui diversas controvérsias em seu tratamento com artigos apresentando achados discrepantes. Advoga-se que o comportamento biológico do câncer de estômago do oriente seja diferente do ocidental, e apesar de algumas suspeitas e marcadores biológicos isso ainda não foi provado.

Como uma forma de resumir os diferentes achados na literatura, as renomadas revistas publicam revisões sobre algum tema feitas por especialistas com notoriedade no assunto. Portanto, nestas publicações o autor tenta nortear alguns pontos controversos.

Câncer gástrico como deve ser a abordagem cirúrgica

Resumo apresentado no artigo de revisão sobre manejo cirúrgico câncer gástrico na JAMA Surgery:

Câncer gástrico precoce

Por definição, o câncer gástrico precoce é aquele que está restrito à mucosa e submucosa (T1), independente do status linfonodal. Quanto maior a invasão do tumor na parede gástrica maiores são as chances de acometimento linfonodal e isto pode nortear o tratamento.

Leia também: Comparação entre cirurgia aberta e laparoscópica no tratamento do câncer gástrico 

Terapia endoscópica

Tumores menores que 2 cm, bem diferenciados, sem úlceras, ou outros fatores que dificultem a ressecção podem ser curados com a ressecção endoscópica. Para tumores T1a o risco de envolvimento linfonodal é de 1% a 5% e estes valores aumentam para 18% a 32% nos casos de T1b e a gastrostomia cirúrgica pode ser mais vantajosa.

Se por algum motivo os achados da patologia final do espécime ressecado não for favorável, os pacientes devem ser encaminhados para o tratamento cirúrgico tradicional. Além disso, todo paciente com câncer gástrico deve ser pesquisado para a presença de H. pylori e tratado caso necessário.

Linfonodo Sentinela

Apesar do linfonodo sentinela ser melhor estudado em casos de melanoma, alguns pacientes com tumores T1 ou T2N0M0 também podem se beneficiar do uso da estratégia do linfonodo sentinela. Com uso de radiotraçadores ou corantes é possível detectar a primeira cadeia linfonodal que drena o tumor ou as cadeias. Se todos os linfonodos caracterizados como sentinela forem negativos na patologia o pacientes pode se beneficiar de uma gastrectomia atípica com linfadenectomia limitada ou até mesmo sem linfadenectomia. Normalmente esta técnica é utilizada para aqueles casos que se apresentam com tumores em suas fases iniciais e não preencheram critérios para ressecção endoscópica.

Outros tumores gástricos localizados

Qualquer tumor maior ou igual a T2, onde há um elevado risco de metástase linfonodal, deve ter um tratamento agressivo com cirurgia, linfadenectomia e tratamento sistêmico.

Extensão da linfadenectomia

Além da linfadenectomia a margem de segurança também é motivo de debate. Atualmente o NCCN, não mais cita a margem em suas recomendações. A Associação japonesa de câncer gástrico orienta margens de 5cm para tumores T3, T4 enquanto a sociedade europeia tem margem de 5 cm podendo se estender até 8 cm nos casos de tumores pouco diferenciados quando se opta por uma preservação gástrica.

Apesar de alguma controvérsia inicial sobre a extensão da linfadenectomia já está determinado que a linfadenectomia D2 possui melhores resultados no controle de recidiva local regional quando comparada a D1. Um mínimo de 16 linfonodos devem ser analisados para uma real determinação do N. Apesar do número ser importante, ele não caracteriza a extensão da linfadenectomia uma vez que as estações linfonodais devem ser meticulosamente ressecadas durante o ato operatório.

Gastrectomia minimamente invasiva

A maior dificuldade da gastrectomia oncológica laparoscópica é a curva de aprendizado. No entanto, após ultrapassada esta curva, a laparoscopia tem se provado tão eficiente quanto a cirurgia aberta para o controle oncológico do câncer gástrico.  No entanto, a laparoscopia apresenta melhores resultados em relação às comorbidades e menor agressão cirúrgica, com melhores resultados a curto prazo para os pacientes.

Terapia neoadjuvante/perioperatória

Atualmente pacientes com tumores T2 ou maiores, são candidatos a tratamento sistêmico e alguns protocolos iniciados pelo MAGIC Trial, indicam neoadjuvância e uma posterior adjuvância muitas vezes chamada de “periopertótia”. Este tipo de abordagem demonstrou melhores resultados a longo prazo quando comparados com a observação da adjuvância isolada. Algumas investigações com análise do ERBB2 (HER2), e uso de trastuzumab, também tem mostrado algumas eficácias nestes subtipos tumoral.

Saiba mais: ACSCC 2021: Terapia neoadjuvante total (TNT) para câncer de reto: observar e esperar

Terapia adjuvante

Alguns pacientes são submetidos a cirurgia direta e quando determinado pT3, pT4 ou N maior que zero a complementação com terapia sistêmica se faz necessária. Existe ainda muita controvérsia sobre a adição da radioterapia nestes grupos de paciente, e alguns trabalhos como o INT0116 e o ARTIST, não conseguem demonstrar que a radioterapia adicionada ao esquema proporciona algum benefício, visto que o grupo com quimioterapia isoladas apresentavam os mesmos resultados que RxtQt.

Câncer gástrico metastático

Por definição, a doença gástrica avançada não possui proposta cirúrgica com intuito de benefício oncológico e a terapia sistêmica é a base da abordagem.

Doença metastática ressecável

Existe alguma evidência inicial que pacientes com doença metastática em apenas um sítio e totalmente ressecável pode se beneficiar de uma terapia sistêmica seguida de ressecção oncológica, como demonstrada no AIO-FLOT trial, com um aumento da sobrevida global de 16 para 31 meses quando comparada com a quimioterapia isolada. A cirurgia só estaria indicada após 4 ciclos de FLOT não for demonstrada nenhuma progressão de doença e posterior cirurgia R0, seguida de quimioterapia pós-operatória.

Doença peritoneal

Ainda permanece controverso se o uso de hipertermoquimioterapia associada a cirurgia de citorredução possui algum benefício na sobrevida dos pacientes com metástase peritoneal estando restrita a casos isolados em protocolo de pesquisa.

Paliação

A gastrectomia paliativa não melhora a sobrevida do câncer gástrico salvo em situações de sangramento e/ou obstrução. A radioterapia hemostática e uso de próteses endoscópicas podem ser utilizadas como  maneira paliativa, a fim de evitar uma cirurgia delicada neste tipo de pacientes.

Para Levar Para Casa

O tratamento do câncer gástrico é multidisciplinar e como os esquemas terapêuticos variam, é fundamental uma instituição integrada para permitir que o paciente receba a terapia individualizada. Esta revisão apenas relembra alguns tópicos e há diversos outros temas que necessitam ser discutidos antes de se adotar uma conduta.

Apesar de todo o avanço dos quimioterápicos e nos novos protocolos de tratamento, os achados operatórios do câncer gástrico continuam a ser um forte preditor do prognóstico. Todo o tratamento do câncer gástrico com intuito curativo se baseia na ressecção, seja ela cirúrgica ou endoscópica.

O câncer gástrico possui uma alta incidência no oriente, onde o tratamento do câncer gástrico é altamente estudado. No ocidente apesar de menor incidência, possui uma grande tradição no tratamento o que influencia também as condutas adotadas. É por esta diferença de “escolas” que o câncer gástrico possui diversas controvérsias em seu tratamento com artigos apresentando achados discrepantes. Advoga-se que o comportamento biológico do câncer de estômago do oriente seja diferente do ocidental, e apesar de algumas suspeitas e marcadores biológicos isso ainda não foi provado.

Como uma forma de resumir os diferentes achados na literatura, as renomadas revistas publicam revisões sobre algum tema feitas por especialistas com notoriedade no assunto. Portanto, nestas publicações o autor tenta nortear alguns pontos controversos.

Câncer gástrico como deve ser a abordagem cirúrgica

Resumo apresentado no artigo de revisão sobre manejo cirúrgico câncer gástrico na JAMA Surgery:

Câncer gástrico precoce

Por definição, o câncer gástrico precoce é aquele que está restrito à mucosa e submucosa (T1), independente do status linfonodal. Quanto maior a invasão do tumor na parede gástrica maiores são as chances de acometimento linfonodal e isto pode nortear o tratamento.

Leia também: Comparação entre cirurgia aberta e laparoscópica no tratamento do câncer gástrico 

Terapia endoscópica

Tumores menores que 2 cm, bem diferenciados, sem úlceras, ou outros fatores que dificultem a ressecção podem ser curados com a ressecção endoscópica. Para tumores T1a o risco de envolvimento linfonodal é de 1% a 5% e estes valores aumentam para 18% a 32% nos casos de T1b e a gastrostomia cirúrgica pode ser mais vantajosa.

Se por algum motivo os achados da patologia final do espécime ressecado não for favorável, os pacientes devem ser encaminhados para o tratamento cirúrgico tradicional. Além disso, todo paciente com câncer gástrico deve ser pesquisado para a presença de H. pylori e tratado caso necessário.

Linfonodo Sentinela

Apesar do linfonodo sentinela ser melhor estudado em casos de melanoma, alguns pacientes com tumores T1 ou T2N0M0 também podem se beneficiar do uso da estratégia do linfonodo sentinela. Com uso de radiotraçadores ou corantes é possível detectar a primeira cadeia linfonodal que drena o tumor ou as cadeias. Se todos os linfonodos caracterizados como sentinela forem negativos na patologia o pacientes pode se beneficiar de uma gastrectomia atípica com linfadenectomia limitada ou até mesmo sem linfadenectomia. Normalmente esta técnica é utilizada para aqueles casos que se apresentam com tumores em suas fases iniciais e não preencheram critérios para ressecção endoscópica.

Outros tumores gástricos localizados

Qualquer tumor maior ou igual a T2, onde há um elevado risco de metástase linfonodal, deve ter um tratamento agressivo com cirurgia, linfadenectomia e tratamento sistêmico.

Extensão da linfadenectomia

Além da linfadenectomia a margem de segurança também é motivo de debate. Atualmente o NCCN, não mais cita a margem em suas recomendações. A Associação japonesa de câncer gástrico orienta margens de 5cm para tumores T3, T4 enquanto a sociedade europeia tem margem de 5 cm podendo se estender até 8 cm nos casos de tumores pouco diferenciados quando se opta por uma preservação gástrica.

Apesar de alguma controvérsia inicial sobre a extensão da linfadenectomia já está determinado que a linfadenectomia D2 possui melhores resultados no controle de recidiva local regional quando comparada a D1. Um mínimo de 16 linfonodos devem ser analisados para uma real determinação do N. Apesar do número ser importante, ele não caracteriza a extensão da linfadenectomia uma vez que as estações linfonodais devem ser meticulosamente ressecadas durante o ato operatório.

Gastrectomia minimamente invasiva

A maior dificuldade da gastrectomia oncológica laparoscópica é a curva de aprendizado. No entanto, após ultrapassada esta curva, a laparoscopia tem se provado tão eficiente quanto a cirurgia aberta para o controle oncológico do câncer gástrico.  No entanto, a laparoscopia apresenta melhores resultados em relação às comorbidades e menor agressão cirúrgica, com melhores resultados a curto prazo para os pacientes.

Terapia neoadjuvante/perioperatória

Atualmente pacientes com tumores T2 ou maiores, são candidatos a tratamento sistêmico e alguns protocolos iniciados pelo MAGIC Trial, indicam neoadjuvância e uma posterior adjuvância muitas vezes chamada de “periopertótia”. Este tipo de abordagem demonstrou melhores resultados a longo prazo quando comparados com a observação da adjuvância isolada. Algumas investigações com análise do ERBB2 (HER2), e uso de trastuzumab, também tem mostrado algumas eficácias nestes subtipos tumoral.

Saiba mais: ACSCC 2021: Terapia neoadjuvante total (TNT) para câncer de reto: observar e esperar

Terapia adjuvante

Alguns pacientes são submetidos a cirurgia direta e quando determinado pT3, pT4 ou N maior que zero a complementação com terapia sistêmica se faz necessária. Existe ainda muita controvérsia sobre a adição da radioterapia nestes grupos de paciente, e alguns trabalhos como o INT0116 e o ARTIST, não conseguem demonstrar que a radioterapia adicionada ao esquema proporciona algum benefício, visto que o grupo com quimioterapia isoladas apresentavam os mesmos resultados que RxtQt.

Câncer gástrico metastático

Por definição, a doença gástrica avançada não possui proposta cirúrgica com intuito de benefício oncológico e a terapia sistêmica é a base da abordagem.

Doença metastática ressecável

Existe alguma evidência inicial que pacientes com doença metastática em apenas um sítio e totalmente ressecável pode se beneficiar de uma terapia sistêmica seguida de ressecção oncológica, como demonstrada no AIO-FLOT trial, com um aumento da sobrevida global de 16 para 31 meses quando comparada com a quimioterapia isolada. A cirurgia só estaria indicada após 4 ciclos de FLOT não for demonstrada nenhuma progressão de doença e posterior cirurgia R0, seguida de quimioterapia pós-operatória.

Doença peritoneal

Ainda permanece controverso se o uso de hipertermoquimioterapia associada a cirurgia de citorredução possui algum benefício na sobrevida dos pacientes com metástase peritoneal estando restrita a casos isolados em protocolo de pesquisa.

Paliação

A gastrectomia paliativa não melhora a sobrevida do câncer gástrico salvo em situações de sangramento e/ou obstrução. A radioterapia hemostática e uso de próteses endoscópicas podem ser utilizadas como  maneira paliativa, a fim de evitar uma cirurgia delicada neste tipo de pacientes.

Para Levar Para Casa

O tratamento do câncer gástrico é multidisciplinar e como os esquemas terapêuticos variam, é fundamental uma instituição integrada para permitir que o paciente receba a terapia individualizada. Esta revisão apenas relembra alguns tópicos e há diversos outros temas que necessitam ser discutidos antes de se adotar uma conduta.

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Referências bibliográficas

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Felipe VicterFelipe Victer
Editor Médico de Cirurgia Geral da Afya ⦁  Residência em Cirugia Geral pelo Hospital Universitário Clementino fraga filho (UFRJ) ⦁ Felllow do American College of Surgeons ⦁ Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões ⦁ Membro da Sociedade Americana de Cirurgia Gastrointestinal e Endoscópica (Sages) ⦁ Ex-editor adjunto da Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2016 a 2019) ⦁  Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)