Candidíase invasiva no CTI: veja as recomendações da nova diretriz

Nova diretriz lança uma série de recomendações sobre o manejo de candidíase invasiva em pacientes críticos imunocompetentes.

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A candidíase invasiva, definida como infecções de corrente sanguínea ou de tecidos profundos causadas por Candida spp., é uma condição grave, cuja incidência vem aumentando na maioria das regiões do mundo, especialmente em pacientes críticos.

Apresentando uma mortalidade que pode chegar a 40%, a maioria das recomendações de tratamento é baseada em ensaios clínicos que não englobam somente pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva e não focam em pacientes críticos. Diante disso, a European Society of Intensive Care Medicine (ESICM), em conjunto com a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID), lançou uma série de recomendações sobre o manejo de candidíase invasiva em pacientes críticos imunocompetentes.

candidíase invasiva

Candidíase invasiva: recomendações

Pode-se recomendar o uso de modelos de predição de risco na prática clínica diária?

Modelos de predição de risco podem ser usados para selecionar pacientes de alto risco a serem investigados com coleta de biomarcadores e rastreio microbiológico. Esses modelos comumente apresentam alto valor preditivo negativo e moderado a baixo valor preditivo positivo. Por esse motivo, são úteis como ferramenta para excluir candidíase invasiva em pacientes de alto risco, mas não para determinar a necessidade de tratamento empírico e nem como parâmetro para avaliar resposta terapêutica.

Quais técnicas microbiológicas não baseadas em cultura estão disponíveis?

A sensibilidade de hemoculturas para detecção de infecções por Candida é limitada, mesmo com o uso de frascos específicos para fungos. A maior limitação de hemoculturas é o atraso na identificação definitiva da espécie isolada, que tipicamente leva 24-48h após um tempo de 24-72h para detecção de crescimento. Testes não baseados em cultura incluem ensaios baseados em PCR, tecnologia baseada em ressonância magnética miniaturizada e testes sorológicos.

Diversos testes in-house de PCR foram desenvolvidos para a detecção rápida de leveduras, com excelente performance em meta-análises. Entretanto, a falta de padronização é a maior limitação do método e tais testes ainda precisam de validação em grandes coortes. O papel desses testes em pacientes sem candidemia também precisa de maior investigação.

As tecnologias baseadas em ressonância magnética miniaturizada são técnicas que combinam tecnologia de PCR com hibridização de nanopartículas. A plataforma permite identificação de 5 espécies de Candida – a saber, C. albicans, C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei e C. glabrata – em um período de 3-5h, sem necessidade de incubação prévia e mesmo na presença de baixas cargas fúngicas, com uma sensibilidade e especificidade próximas a 100%.

Diversos biomarcadores séricos estão disponíveis para detecção de infecção fúngica. Entre eles, destacam-se antígeno manama, anticorpo anti-manana, 1,3-β-D-glucana (BDG) e anticorpos do tubo germinativo de Candida spp. (CAGTA). Destes, a BDG é a mais amplamente recomendada. Apresentando um alto valor preditivo negativo, sua dosagem é útil para excluir candidíase invasiva em pacientes de alto risco, principalmente quando usada em conjunto com outro biomarcador ou modelo de predição de risco. É importante lembrar, porém, que a BDG também pode ser positiva em pacientes com aspergilose pulmonar invasiva.

Assim, o painel sugere que, na suspeita de infecção invasiva por Candida spp., sejam coletadas amostras de locais estéreis para cultura e análise microscópica e que técnicas não baseadas em culturas sejam incorporadas na rotina diagnóstica de infecções fúngicas. Há a ressalva, entretanto, de que a falta de padronização e de validação em larga escala impedem o uso isolado de técnicas de PCR ou de tecnologia baseada em RM miniaturizada.

Pacientes críticos devem receber profilaxia antifúngica ou terapia preemptiva?

Terapias profiláticas são terapias antifúngicas para pacientes críticos considerados de alto risco de desenvolvimento de candidíase invasiva por fatores relacionados ao hospedeiro, como imunossupressão, e/ou fatores de risco relacionados ao motivo de admissão do paciente no CTI, como choque séptico, cirurgia abdominal, internação prolongada em UTI, uso de antibióticos de largo espectro, entre outros. Já tratamentos antifúngicos administrados em pacientes com risco de candidíase invasiva, com diagnóstico baseado em biomarcadores que sugerem infecção fúngica sem comprovação de infecção invasiva, são considerados terapias preemptivas.

O painel contraindica o uso rotineiro e universal de profilaxia antifúngica em pacientes críticos. As meta-análises que avaliaram essa prática mostraram resultados conflitantes em relação ao impacto na mortalidade e o uso de profilaxia com derivados azólicos está associado ao desenvolvimento de resistência a fluconazol e à emergência de espécies não-albicans.

Da mesma forma, a recomendação do documento é contra o uso de terapia preemptiva em pacientes internados em terapia intensiva, apesar de alguns autores recomendarem o uso de fatores clínicos e de biomarcadores como critérios para o início de tratamento antifúngico.

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Quais pacientes devem receber terapia empírica?

Terapia empírica é definida como a administração de antifúngicos em pacientes que apresentam sinais e sintomas de infecção e que possuem fatores de risco para candidíase invasiva, independente da presença de biomarcadores.

Estudos clínicos não conseguiram mostrar benefício na terapia antifúngica empírica na redução de mortalidade de pacientes críticos. Assim, o painel recomenda considerar o início de tratamento empírico somente em pacientes com choque séptico e falência múltipla de órgãos que possuem mais de um local fora do trato digestivo (urina, boca, garganta, tratos respiratórios superior e inferior, drenos, ferida operatória, dobras cutâneas) com colonização por Candida spp. documentada. O isolamento de Candida spp. de amostras respiratórias deve ser considerado como local extra-digestivo de colonização e não deve levar a tratamento imediato, exceto em pacientes com diagnóstico inequívoco de pneumonia.

Qual a terapia empírica de primeira linha a ser utilizada em pacientes críticos não neutropênicos?

Em pacientes que receberão terapia empírica antifúngica e que se apresentam com choque séptico e falência de múltiplos órgãos, a droga de escolha recomendada é uma equinocandina. Não há recomendação específica de uma equinocandina em relação às outras e, portanto, caspofungina, anidulafungina ou micafungina podem ser utilizadas. Vantagens dessa classe de antifúngicos incluem seu amplo espectro de ação, seu perfil de segurança favorável e menor potencial de interações medicamentosas.

Em cenários com baixa prevalência de resistência a azólicos, pode-se considerar o uso de fluconazol como droga de primeira linha em pacientes críticos sem choque séptico e/ou falência múltipla de órgãos e que não tenham sido expostos a esse agente previamente. Nesses casos, uma dose de ataque de 12mg/kg deve ser administrada, com doses de manutenção de 6mg/kg.

Devido a sua nefrotoxicidade, não há indicação de uso de anfotericina B como terapia de primeira linha em pacientes críticos. Em casos de falha terapêutica a equinocandinas ou azólicos ou no tratamento de infecções fúngicas associadas à formação de biofilme em que se considera o uso de anfotericina B, deve-se dar preferência às formulações lipídicas.

É seguro descalonar o tratamento antifúngico em pacientes críticos não-neutropênicos?

Uma vez que o paciente esteja estável e que haja documentação de sensibilidade, recomenda-se o descalonamento da terapia de equinocandina para fluconazol. Entretanto, essa recomendação não se aplica a casos em que há a presença de acesso venoso central, aparelhos intravasculares ou de outro material protético que não possam ser removidos. Nesses casos, uma equinocandina deve ser usada até o final do tratamento. Nos pacientes com suspeita não confirmada de candidíase invasiva e que apresentam hemoculturas e/ou culturas de amostras clínicas do foco suspeito de infecção negativas, o tratamento antifúngico deve ser interrompido.

Qual o tempo de tratamento recomendado em pacientes com candidemia e candidíase invasiva?

Todos os pacientes com candidemia devem ser submetidos a uma avaliação para detectar a presença de acometimento orgânico, a qual deve incluir ecocardiograma transtorácico ou transesofágico, fundocopia e pesquisa de presença de trombos.

Para casos de candidemia não complicada, isto é, em que a presença de doença disseminada, abscessos ou doença de órgãos-alvo foi excluída, o tratamento deve ser realizado por 14 dias a contar a partir da primeira hemocultura de controle negativa. Pacientes com infecção de tecidos profundos com hemocultura negativa podem ser tratados por 10 – 14 dias. Em todos os casos, deve-se procurar remover dispositivos intravaculares e fazer controle adequado dos focos de infecção, com drenagem de coleções, por exemplo. Quando isso não for possível, o tempo de tratamento deve ser individualizado.

Pacientes adultos com endocardite de valva nativa por Candida spp. devem ser submetidos a tratamento cirúrgico dentro da primeira semana, além de receber tratamento antifúngico (o guideline da ESCMID recomenda uma formulação lipídica de anfotericina B ou caspofungina com ou sem flucitosina) por 6 – 8 semanas, seguido de fluconazol.

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Referências:

  • Martin-Loeches, I, Antonelli, M, Estrella-Cuenca, M, Dimopoulos, G, Einav, S, De Waele, JJ, Garnacho-Montero, J, Kanj, SS, Machado, FR, Montravers, P, Sakr, Y, Sanguinetti, M, Timsit, JF, Bassetti. ESICM/ESCMID task force on practical management of invasive candidiasis in critically ill patients. Intensive Care Medicine 2019. https://doi.org/10.1007/s00134-019-05599-w

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