Características clínicas associadas a excreção viral prolongada de SARS-CoV-2 na doença grave

Uma preocupação sobre o SARS-CoV-2 é sua alta capacidade de transmissão, mas pouco se sabe sobre os fatores de persistência na excreção viral.

Uma das preocupações da infecção pelo SARS-CoV-2 é sua capacidade de transmissão pessoa a pessoa por meio de gotículas e, em determinadas circunstâncias, de aerossóis.

Assume-se que uma pessoa infectada seja capaz de transmitir o vírus por um período de aproximadamente 14 dias. Entretanto, estudos realizados com a técnica de RT-PCR demonstraram que a excreção viral pode ser prolongada em alguns indivíduos, notadamente os que desenvolvem doença grave.

Pouco se sabe sobre os fatores que determinam maior persistência na excreção viral. Um grupo chinês, em uma publicação recente, comparou as características clínicas de pacientes internados com Covid-19 que apresentaram negativação da detecção viral com os que apresentaram persistência de excreção do SARS-CoV-2.

imagem digital do sars-cov-2 representando sua excreção viral

Excreção viral do SARS-CoV-2

Trata-se de um estudo de coorte unicêntrico e retrospectivo, conduzido em um hospital universitário chinês. Foram incluídos 99 participantes, os quais foram observados por 28 dias ou até alta hospitalar. Todos os participantes possuíam infecção laboratorialmente confirmada. O critério de alta adotado foi permanecer afebril por pelo menos três dias, com melhora clínica e radiológica e duas amostras respiratórias (swab nasofaríngeo, escarro ou aspirado endotraqueal) com exames de RT-PCR negativos coletados com pelo menos 24h de intervalo.

De acordo com os resultados de RT-PCR, os participantes eram classificados como tendo negativado para o vírus – nos casos em que as amostras consecutivas eram negativas – ou como estando positivos para o vírus – nos casos em que as amostras respiratórias eram persistentemente positivas durante a hospitalização.

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Foram coletados dados sociodemográficos, presença de comorbidades, achados laboratoriais, evolução e tratamentos. As comorbidades de interesse reportadas incluíram hipertensão, diabetes mellitus, cardiopatias, pneumopatias crônicas, gestação e doença imunossupressora.

A duração da excreção viral foi definida como o tempo decorrido entre o início dos sintomas e o término da excreção viral (dois resultados negativos de RT-PCR em amostra respiratória com intervalo de pelo menos 24h). Foram considerados como sintomas de doença a presença de febre, dor de garganta, tosse, congestão nasal, náuseas e vômitos, diarreia, fadiga, entre outros.

Resultados

Durante o período de hospitalização, 61 dos 99 participantes (61,6%) apresentaram negativação de RT-PCR e 38 (38,4%) apresentaram excreção viral prolongada. A média de idade dos indivíduos que permaneceram positivos foi significativamente maior do que a dos que apresentaram negativação, assim como o número de indivíduos com > 65 anos de idade. As comorbidades mais frequentes foram hipertensão e diabetes mellitus. Não houve diferença entre os grupos na prevalência de comorbidades.

Parâmetros inflamatórios, como PCR e procalcitonina, estavam significativamente mais elevados nos participantes que apresentaram excreção viral prolongada em comparação com os que negativaram RT-PCR durante a internação.

Ao mesmo tempo, o índice de oxigênio, contagem de linfócitos, albumina e contagem de células T-CD4, T-CD8 e B foram significativamente menores no primeiro grupo. Outros marcadores, como leucograma, hemoglobina, contagem de plaquetas, coagulograma, dosagem de creatinina, função hepática ou enzimas miocárdicas, não foram diferentes entre os grupos.

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O tempo médio de excreção viral foi de 16 dias, sendo de 19 dias no grupo com persistência na excreção viral e de 15 dias no grupo que negativou RT-PCR, diferença que foi estatisticamente significativa. Destaca-se que a maioria (80,3%) dos participantes testou negativo dentro de 20 dias do início dos sintomas, mas um subgrupo apresentou detecção viral até 30 dias após o início da doença. Detecção de SARS-CoV-2 nas fezes também foi relatada, podendo manter-se positiva mesmo após negativação viral em amostras de escarro.

A maioria dos participantes recebeu algum tipo de terapia antiviral: 81,8% receberam combinação de arbidol e lopinavir/ritonavir e 16,2% receberam monoterapia com um desses dois agentes. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao tempo para início da administração dos antivirais. Da mesma forma, não houve diferença entre os grupos em relação ao uso de corticoides ou antibióticos. A proporção de participantes que recebeu imunoglobulina foi muito maior no grupo que apresentou persistência de excreção viral (63,2% vs. 31,1%; p = 0,002).

Em relação à gravidade, os participantes com persistência de RT-PCR positivo apresentaram doença mais grave, com maior taxa de internação em CTI (52,6% vs. 16,4%; p < 0,01) e maior tempo de internação em unidades intensivas (8,5 dias vs. 4 dias; p < 0,01). Além disso, os participantes com exames persistentemente positivos apresentaram maiores valores de APACHE II e de necessidade de ventilação mecânica (26,3% vs. 3,3%; p < 0,01). Todos os participantes que necessitaram de ECMO apresentaram persistência de exames positivos.

Em análise multivariada, foram identificados como fatores de risco independentes para detecção viral prolongada: sexo masculino, uso de imunoglobulina, escore de APACHE II e contagem de linfócitos.

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Mensagens práticas

  1. Sexo masculino, gravidade de doença e linfopenia foram fatores de risco independentes para excreção viral prolongada nessa coorte.
  2. Uso de antibióticos, corticoides ou antivirais não esteve associado a maior ou menor tempo de excreção viral.
  3. Importante ressaltar que o estudo usou como método de avaliação a presença de RT-PCR positivo, sem confirmação de capacidade de replicação por meio de cultura. Portanto, não é possível determinar que maior tempo de detecção de material genético viral corresponda a maior período de transmissibilidade.
  4. Em nota técnica, a Anvisa recomenda que pacientes com Covid-19 que apresentem doença grave ou crítica permaneçam em precaução de contato e respiratória por pelo menos 20 dias após o início dos sintomas, desde que afebris por pelo menos 24h e com melhora sintomática.

Referências bibliográficas:

  • Shi, D, Wu, W, Wang, Q, Xu, K, Xie, J, Wu, J, Lv, L, Sheng, J, Guo, J, Wang, K, Fang, D, Li, Y, Li, L. Clinical Characteristics and Factors Associated With Long-Term Viral Excretion in Patients With Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 Infection: a Single-Center 28-Day Study. The Journal of Infectious Diseases. 2020;222:910–8. DOI: 10.1093/infdis/jiaa388
  • ANVISA. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 07/2020. Orientações para prevenção e vigilância epidemiológica das infecções por SARS-CoV-2 (COVID-19) dentro dos serviços de saúde. (Complementar à Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020). Publicada em 08/05/2020 e revisada em 05/08/2020.

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