Características gerais da atuação psicológica na doença crônica

Sempre que falamos em doença crônica, remetemos a uma experiência permanente, causada por doenças que acarretam múltiplas perdas, limitações e adaptações.

Sempre que falamos em uma doença crônica, tal perspectiva nos remete a uma experiência de vida permanente, causada por doenças que acarretam múltiplas perdas, limitações e adaptações. Este processo adaptativo começa na apresentação dos sintomas, e continua por todo o curso da doença, respondendo às alterações do seu estado.

Essa característica permanente pode ocasionar uma série de respostas adaptativas e patológicas, devido à alteração da funcionalidade, imagem corporal, atividades sociais, status psicológico, além de reformulação do padrão habitual de vida.

Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) já são responsáveis por 58,5% de todas as mortes ocorridas no mundo e por 45,9% da carga global de doença.

Entretanto, ainda assim, o sistema de saúde segue focado na doença aguda, trabalhando de modo interventivo, e não preventivo, e indiretamente contribuindo para pacientes desinformados e despreparados para realizar o autocuidado. O foco da equipe acaba sendo na estabilização e tratamento imediato do quadro, não tendo seguimento no processo de preparação para alta, orientações gerais, psicoeducação e autocuidado, que são fatores diretamente ligados à conscientização e autor-responsabilização em saúde.

Na assistência ao doente crônico, para obter sucesso, o serviço de saúde precisa de reorganização prática que proporcione o funcionamento real de uma rede integrada de serviços. Dessa forma, além das essenciais intervenções ao quadro agudo, na urgência, é possível garantir que haverá informações suficientes, acesso aos cuidados contínuos, consultas e tratamento preventivo/eletivo ao usuário, contemplando um modelo integral de cuidado contínuo.

Sousa, pensando nesta perspectiva, refere sobre a necessidade de mudanças de paradigma e concepções do atual modelo ainda focado na doença, pelo ‘Modelo de Cuidados Crônicos’, que tem a abordagem no indivíduo, considerando portando sua integralidade, e garantindo a participação familiar no processo.

A rede de apoio familiar, por sua função de extensão à pessoa, funciona como a principal estratégia protetiva para o doente crônico pois, a partir do momento que os entes próximos tornam-se participantes do tratamento, o paciente contará com apoio e auxílio fora do ambiente hospitalar, no retorno à sua rotina diária, com maiores chances de manter adesão em médio e longo prazo.

Os cuidados aos doentes crônicos ocorrem dentro de três esferas que se inter-relacionam: a comunidade, o sistema de saúde e a organização fornecedora, seja através de uma unidade básica, um hospital, ou equipes de home care. A filosofia desse modelo deve se basear em uma abordagem pró-ativa, capaz de prevenir, prever e antecipar possíveis complicações e agudizações da doença. Para isso entretanto, é necessário o envolvimento direto dos pacientes, suas famílias e comunidade, além da integração estruturada entre cuidados primários e secundários.

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Psicologia na doença crônica no Brasil

Pelo próprio modelo brasileiro de atenção à saúde, que prioriza a ‘intervenção’ à ‘prevenção’, o trabalho da psicologia da saúde e hospitalar com pacientes crônicos tende a ser iniciado no serviço de alta complexidade, no momento do evento agudo, em contramão ao que seria o ideal. No geral, este é o momento chave da entrada de um indivíduo anteriormente “hígido”, na realidade de cuidados contínuos de saúde.

Pacientes infartados, por exemplo, entram em contato com esse ‘evento’ inesperado, e com recorrência alegam não serem conhecedores de sua doença de base, ou do estágio da doença, levando uma rotina comum de vida. A partir do evento, ainda que não sejam constatadas sequelas importantes, a rotina de exames e consultas, o uso diário de medicações, as mudanças necessárias para melhor controle da patologia e preservação da qualidade de vida, causarão um período de crise adaptativa para o indivíduo.

Nem sempre o paciente se ajustará com facilidade às prescrições necessárias. É característica clássica do adulto, a tentativa de manter atividades que são prazerosas e preferenciais no momento em que o risco maior parece ter passado. É nessa perspectiva de enfrentamento de adversidades, adequação ao presente e estratégias de adaptação futura, que a psicologia iniciará seu trabalho junto ao paciente e seus familiares.

Buscando estratégias eficientes, o empoderamento é um processo educativo destinado a ajudar os pacientes a desenvolverem conhecimentos, habilidades, atitudes e autoconhecimento necessário para assumir efetivamente a responsabilidade com as decisões acerca de sua saúde e sua vida. Doentes crônicos que contam com informações adequadas, tem melhor capacidade de refletir e avaliar suas necessidades e sintomas atípicos, interagindo de forma mais eficaz com os profissionais de saúde, na busca por melhores resultados.

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Adesão ao tratamento

A literatura hoje nos aponta, que a adesão adequada ao tratamento, está ligada a três fatores primordiais: relação entre paciente e profissional de saúde, que deve ser pautada em comunicação acessível, respeito e empatia; a conscientização e autor-responsabilização do paciente quanto à sua saúde e tratamento indicado; o apoio familiar/social.

O paciente que possui bom processo de assimilação sobre a cronicidade da doença, que confia no profissional que o acompanha, e que possui apoio extra-hospitalar, costuma apresentar melhores resultados, menores incidências de descompensação e busca por tratamento mais rapidamente quando necessário.

As três questões apontadas, perpassam pelas atividades do psicólogo, que será o agente a promover o primeiro contato reflexivo do paciente e sua família com a doença, ainda no hospital, buscando trabalhar a postura ativa e o empoderamento em relação à própria vida e à saúde.

Na continuidade dos cuidados prestados na atenção primária e secundária, o psicólogo será o profissional a trabalhar em conjunto com a equipe, na identificação de comportamentos de risco, atendimento direto ao paciente e família, realização de grupos preventivos e interativos, ofertando a assistência necessária para que o usuário mantenha-se aderente, após o retorno às atividades de vida.

Uma outra realidade na doença crônica, são as recorrentes reinternações e pioras clínicas. Em um momento mais avançado da doença, quando as descompensações levam à condição de degradação da funcionalidade e aumento da gravidade, o trabalho terapêutico estará voltado à conscientização de paciente e família sobre a progressão da doença, auxílio adaptativo no enfrentamento dos novos desafios de vida e, por vezes, em vias finais, preparação para o desfecho de morte.

O foco do trabalho terapêutico será variável, conforme o momento da doença, a demanda do usuário e as respostas de enfrentamento apresentadas, sempre buscando viabilizar a dignidade e a condição de autonomia, seja na vida, ou no processo ativo de morte.

Referências bibliográficas:

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