Cardiomiopatia hipertrófica: uma revisão prática

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma das condições cardiovasculares genéticas mais comuns, com prevalência de 0,2 a 0,5% no mundo.

Em 2020, foi publicada a nova diretriz americana de cardiomiopatia hipertrófica (Cardiomiopatia hipertrófica: veja os principais pontos da diretriz norte-americana – PEBMED) e no último mês a revista Lancet publicou uma revisão prática com as principais recomendações para os pacientes com este diagnóstico. Abaixo, seguem os principais pontos desta revisão.

Cardiomiopatia hipertrófica uma revisão prática

Epidemiologia

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma das condições cardiovasculares genéticas mais comuns, com prevalência de 0,2 a 0,5% da população mundial. Uma definição prática é o aumento da espessura do ventrículo esquerdo (VE) na ausência de condições que causam sobrecarga ventricular, como estenose aórtica e hipertensão arterial sistêmica. É condição autossômica dominante, com chance de transmissão genética de 50% e predomínio um pouco maior em homens.

Fisiopatologia e quadro clínico

Diversas mutações podem resultar na alteração do sarcômero e consequente hipertrofia do miócito. O motivo não é muito claro, mas na maioria das vezes a doença se manifesta com hipertrofia ventricular assimétrica, com alguns segmentos de espessura aumentada e alguns completamente normais. Também é muito frequente a alteração do aparato valvar mitral: alongamento e posicionamento anterior do folheto valvar mitral anterior, músculos papilares deslocados e hipertrofiados e alteração das cordas tendíneas, que resultam em grande parte das vezes em insuficiência mitral.

Como consequência da hipertrofia e “endurecimento” do VE ocorrem disfunção diastólica e alterações funcionais mais graves como obstrução dinâmica da via de saída do VE, presente em 60 a 70% dos pacientes (medida tanto em repouso quanto no esforço). A obstrução gera gradiente de pressão entre o VE e a aorta, com aumento da demanda de O2 e redução da perfusão coronária. O aumento da contratilidade e a redução da pré e da pós-carga aumentam o grau de obstrução.

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A fibrilação atrial (FA) ocorre em 25% dos pacientes, como resultado da disfunção diastólica e/ou insuficiência mitral, e a perda da contração atrial, com prejuízo no enchimento ventricular e consequente redução da pré carga, pode ser muito sintomática. O risco de acidente vascular cerebral (AVC) é estimado em 3% ao ano, equivalente ao score 3 do CHA2DS2VASc, sendo a anticoagulação indicada independente desse score.

Arritmias ventriculares e morte súbita ocorrem em 1% dos pacientes e os mecanismos predisponentes parecem ser aumento do consumo (massa muscular aumentada e aumento do trabalho cardíaco pela obstrução) e diminuição da oferta de oxigênio (rede de capilares menos densa) que podem resultar em isquemia.

Diagnóstico e estratificação de risco

O diagnóstico geralmente ocorre de três formas: em avaliação para sintomas como dispneia, angina, sincope ou pré síncope, como rastreamento quando há história familiar conhecida ou incidentalmente como resultado de exame para avaliação de alguma outra condição médica.

O eletrocardiograma (ECG) é alterado em 95% dos pacientes e o ecocardiograma (eco) é o exame diagnóstico inicial. A ressonância cardíaca é realizada em casos em que o eco é inconclusivo ou de qualidade subótima. O diagnóstico é feito quando há qualquer segmento do ventrículo com espessura maior ou igual a 15 mm (ou maior que 13mm na presença de história familiar positiva), na ausência de outra condição que possa causar hipertrofia.

O holter de 24 horas deve ser realizado como parte da avaliação de risco e o teste de esforço pode ser utilizado para avaliar a capacidade funcional do paciente e detectar obstrução de via de saída do VE no esforço.

O teste genético é importante para o manejo do paciente e seus familiares e quando detectada alguma mutação, os familiares de primeiro grau devem ser testados. Os que tem a mutação presente devem ser seguidos regularmente, com intervalos a depender da idade e comorbidades. Caso não seja realizado o teste genético, recomenda-se screening clínico com ECG e eco periódicos nos familiares de primeiro grau, com início imediato e a cada 3 a 5 anos nos adultos. Nas crianças o screening deve ser iniciado na puberdade e realizado a cada 1 a 3 anos. Pacientes que pretendem ter filhos devem ter orientação em relação ao risco de transmissão.

Avaliação de risco de morte súbita deve ser realizada periodicamente e depende de achados como história de morte súbita abortada ou taquicardia ventricular sustentada, espessura máxima da parede do VE, síncope relacionada a arritmia, história familiar de morte súbita, taquicardia ventricular não sustentada, fração de ejeção reduzida (< 50%), aneurisma apical do VE e fibrose miocárdica extensa na ressonância (> 15-20%). Existem algumas calculadoras de risco que levam em conta essas características e outras como idade, tamanho do átrio esquerdo e gradiente da via de saída do VE. Na prática, acabam sendo usadas para ajudar na indicação de cardiodesfibrilador implantável.

Tratamento

O tratamento farmacológico tem como objetivo aliviar os sintomas, já que nenhuma medicação mostrou alterar a história natural da doença. Pacientes com obstrução da via de saída do VE com gradiente maior que 50mmHg ao repouso ou desencadeado por esforço devem estar com a contratilidade, pré carga e pós carga otimizadas: a ingestão hídrica deve estar adequada e devemos evitar o uso de altas doses de diuréticos e vasodilatadores arteriais.

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Os beta bloqueadores são a medicação de primeira escolha e o verapamil ou diltiazem podem ser utilizados como alternativa. O sucesso do tratamento é baseado na melhora dos sintomas e não na medida do gradiente. Pacientes sem gradiente aumentado podem se beneficiar dos beta bloqueadores e têm benefício com medidas para insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Quando não há melhora com essa medicação, a opção é disopiramida (um inotrópico negativo) ou tratamento intervencionista para reduzir o septo: miectomia cirúrgica ou ablação percutânea do septo.

Uma nova medicação está em estudo para pacientes com CMH. Pertence a uma nova classe que atua inibindo a miosina cardíaca de forma reversível e chama-se mavacamten. O estudo com pacientes sintomáticos com a forma obstrutiva da doença teve resultado positivo, porém ainda não há informações sobre eficácia e segurança com uso mais prolongado.

Conclusão

A MCH é doença que será vista pelo menos uma vez por médicos de todas as especialidades. O diagnóstico na maioria das vezes é realizado por exame de fácil acesso, o ecocardiograma, e pacientes com esta patologia devem ser encaminhados para centros especializados para estratificação de risco adequada e prevenção de morte súbita. Medicações específicas ainda não são disponíveis, porém pode ser que em breve tenhamos uma opção de tratamento para esta população.

Referências bibliográficas:

  • Ommen SR. Hypertrophic cardiomyopathy: a practical approach to guideline directed management. Seminar. 2021;398(10316):2102-2108. doi:10.1016/S0140-6736(21)01205-8

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