Em um dia atípicamente calmo na Clínica da Família, você atende seus pacientes agendados sem muita pressa. Faltando poucas horas para o fim do expediente, no entanto, o agente comunitário de saúde (ACS) lhe procura relatando que acabara de chegar uma adolescente de 13 anos solicitando por uma consulta de encaixe, mas que não quer contar o motivo. Ela se encontra sem a companhia de pais ou responsáveis, o que motiva dúvida do ACS sobre poder encaminhá-la para atendimento ou não. Você, então, solicita que coloque a paciente na agenda e a chama para a consulta.
I., 13 anos, queixa-se de atraso de mais de um mês na menstruação. Perguntada sobre a existência de parceiros, ela relata que tem um namorado adolescente, de 14 anos, e que eles tiveram uma relação sexual há cerca de quatro semanas. Ainda não realizou nenhum teste de gravidez.
Após as devidas orientações e aconselhamento sobre o teste, você solicita o TIG (teste imunológico para gravidez) e aguarda o resultado. I. parece bem aflita e lhe confessa que, se estiver grávida, vai querer abortar. O teste retorna positivo.
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1. Pergunta
Sobre o caso acima e os possíveis próximos passos diante dele – levando em consideração as recomendações da OMS, das principais entidades médicas brasileiras e da legislação nacional – qual das seguintes alternativas você deve seguir?
Correto
Resposta: B
A paciente pode passar por atendimento médico sozinha, mesmo aos 14 anos de idade. O Ministério da Saúde, amparando-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) orienta que adolescentes e jovens têm direito a ter atendimento sem discriminação de qualquer tipo, com garantia de privacidade, segredo e confidencialidade, ou seja, de serem atendidos sozinhos, em espaço privado, onde possa ser reconhecida sua autonomia e individualidade. O ECA considera “adolescentes” pessoas entre 12 e 18 anos. No entanto, após a identificação de uma situação de suspeita de violência, um adulto responsável deve ser chamado.
No Brasil, relações sexuais com pessoas menores de 14 anos caracterizam o crime de estupro. Mesmo em casos de relações entre duas pessoas menores de idade, esse crime ainda pode ser configurado. O aborto é considerado legal em casos de estupro e não é necessária denúncia à polícia ou realização de boletim de ocorrência para realizar o procedimento. Como toda situação de violência, no entanto, deve ser realizada notificação para fins de vigilância epidemiológica. O Conselho Tutelar também deve ser acionado nesse caso, para acompanhamento conjunto.
Em casos de abortos seguros (que realizam métodos recomendados pela OMS e acompanhados por uma pessoa treinada), as taxas de complicação são baixas, em torno de 2,1%. Diante da decisão de interromper a gravidez, o médico deve fornecer informações sobre situações em que o aborto é permitido por lei, sobre possibilidade de adoção, aconselhar a mulher a conversar com uma pessoa de confiança a respeito e verificar vulnerabilidades sociais e familiares, além de orientar sobre os riscos de práticas inseguras de interrupção de gravidez (como hemorragias, infecções, perfuração uterina e até morte). A autorização para o aborto legal em menores de 16 anos deve ser assinada pelos pais ou responsáveis legais.
Não há na legislação brasileira previsão de período de espera entre a decisão por interromper a gravidez e o procedimento de aborto, nem a necessidade de consentimento do parceiro. A OMS também recomenda explicitamente contra essas práticas. Como a paciente tem menos de 16 anos, será necessária a autorização de um responsável legal.
Apesar de ainda muito utilizada no Brasil, a curetagem não é recomendada pela OMS como um método de aborto seguro, sendo considerada obsoleta, menos segura, mais dolorosa e tendo maiores taxas de complicações. Entre os métodos recomendados pela OMS encontram-se os farmacológicos – misoprostol e misoprostol + mifepristona – e os cirúrgicos – aspiração manual ou elétrica e o método de dilatação e evacuação (DeE). Recomendam-se os métodos farmacológicos para qualquer idade gestacional, enquanto que os cirúrgicos para acima de 12-14 semanas de gestação.
Referências bibliográficas:
- Abortion care guideline. World Health Organization. Geneva, 2022.
- Gravidez indesejada na Atenção Primária à Saúde (APS) : as dúvidas que você sempre teve, mas nunca pôde perguntar. Anis – Instituto de Bioética e Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Letras Livres. Brasília, 2021.
- Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção gestacional prevista em Lei. Interrupções da gravidez com fundamento e amparo legais. Protocolo Febrasgo – Ginecologia, n. 69. São Paulo: Febrasgo, 2021.
- Medical management of abortion. World Health Organization. Geneva, 2018.
- Cadernos de Atenção Básica n 26: Saúde sexual e saúde reprodutiva. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília, 2013.
Incorreto
Resposta: B
A paciente pode passar por atendimento médico sozinha, mesmo aos 14 anos de idade. O Ministério da Saúde, amparando-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) orienta que adolescentes e jovens têm direito a ter atendimento sem discriminação de qualquer tipo, com garantia de privacidade, segredo e confidencialidade, ou seja, de serem atendidos sozinhos, em espaço privado, onde possa ser reconhecida sua autonomia e individualidade. O ECA considera “adolescentes” pessoas entre 12 e 18 anos. No entanto, após a identificação de uma situação de suspeita de violência, um adulto responsável deve ser chamado.
No Brasil, relações sexuais com pessoas menores de 14 anos caracterizam o crime de estupro. Mesmo em casos de relações entre duas pessoas menores de idade, esse crime ainda pode ser configurado. O aborto é considerado legal em casos de estupro e não é necessária denúncia à polícia ou realização de boletim de ocorrência para realizar o procedimento. Como toda situação de violência, no entanto, deve ser realizada notificação para fins de vigilância epidemiológica. O Conselho Tutelar também deve ser acionado nesse caso, para acompanhamento conjunto.
Em casos de abortos seguros (que realizam métodos recomendados pela OMS e acompanhados por uma pessoa treinada), as taxas de complicação são baixas, em torno de 2,1%. Diante da decisão de interromper a gravidez, o médico deve fornecer informações sobre situações em que o aborto é permitido por lei, sobre possibilidade de adoção, aconselhar a mulher a conversar com uma pessoa de confiança a respeito e verificar vulnerabilidades sociais e familiares, além de orientar sobre os riscos de práticas inseguras de interrupção de gravidez (como hemorragias, infecções, perfuração uterina e até morte). A autorização para o aborto legal em menores de 16 anos deve ser assinada pelos pais ou responsáveis legais.
Não há na legislação brasileira previsão de período de espera entre a decisão por interromper a gravidez e o procedimento de aborto, nem a necessidade de consentimento do parceiro. A OMS também recomenda explicitamente contra essas práticas. Como a paciente tem menos de 16 anos, será necessária a autorização de um responsável legal.
Apesar de ainda muito utilizada no Brasil, a curetagem não é recomendada pela OMS como um método de aborto seguro, sendo considerada obsoleta, menos segura, mais dolorosa e tendo maiores taxas de complicações. Entre os métodos recomendados pela OMS encontram-se os farmacológicos – misoprostol e misoprostol + mifepristona – e os cirúrgicos – aspiração manual ou elétrica e o método de dilatação e evacuação (DeE). Recomendam-se os métodos farmacológicos para qualquer idade gestacional, enquanto que os cirúrgicos para acima de 12-14 semanas de gestação.
Referências bibliográficas:
- Abortion care guideline. World Health Organization. Geneva, 2022.
- Gravidez indesejada na Atenção Primária à Saúde (APS) : as dúvidas que você sempre teve, mas nunca pôde perguntar. Anis – Instituto de Bioética e Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Letras Livres. Brasília, 2021.
- Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção gestacional prevista em Lei. Interrupções da gravidez com fundamento e amparo legais. Protocolo Febrasgo – Ginecologia, n. 69. São Paulo: Febrasgo, 2021.
- Medical management of abortion. World Health Organization. Geneva, 2018.
- Cadernos de Atenção Básica n 26: Saúde sexual e saúde reprodutiva. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília, 2013.
Confira a parte II deste caso clínico!