Casos de síndrome nefroneural: laudo sugere intoxicação por dietilenoglicol

Foi encontrado dietilenoglicol (DEG) em duas amostras da cerveja artesanal Belorizontina, encontradas em casas de pacientes com síndrome nefroneural.

Texto publicado em 10/01/2020, às 16h19; atualizado em 13/01/2020, às 16h52

A Polícia Civil divulgou, na noite do último dia 9, um laudo que pode dar um fim ao mistério dos casos de insuficiência renal e alterações neurológicas, “síndrome nefroneural”, como está sendo divulgado, em Minas Gerais. Segundo o documento, foi encontrado dietilenoglicol (DEG) em duas amostras da cerveja artesanal Belorizontina, encontradas em casas de pacientes, e a intoxicação pela substância é a principal suspeita até o momento.

A substância tóxica pode ser utilizada no processo de refrigeração de cervejas. Ainda não há informação, porém, se a responsabilidade da possível contaminação seja da empresa fabricante, Backer, que declarou não utilizar o dietilenoglicol na fabricação. A fábrica foi interditada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no último dia 10, que recolheu mais de 16 mil litros da cerveja investigada para análises em todos os lotes.

Em nota, a cervejaria informou que começou uma vistoria interna, no último sábado (11). O Ministério da Justiça estipulou um prazo, até o dia 13, para que a empresa apresente um plano para os consumidores que já compraram a Belorizontina e apresente provas de que não é responsável pela contaminação.

Atualizações:

  • Um novo laudo, apresentado pela Polícia na manhã desta segunda-feira (13), aponta que um terceiro lote da cerveja Belorizontina apresentou o DEG e mais uma substância: o monoetilenoglicol;
  • Em coletiva de imprensa, ainda nesta segunda, foi confirmado que as duas substâncias foram encontrados em um dos tanques da cervejaria. O monoetilenoglicol, porém, não possui a mesma toxicidade que o dietilenoglicol;
  • A Polícia realizou também um estudo de carbonatação, para conferir se as embalagens foram violadas, e o resultado foi negativo.

Veja mais atualizações em: Intoxicação por dietilenoglicol em Minas: segunda morte é confirmada

Sobre os casos

Os casos começaram a aparecer por volta do dia 30 de dezembro, quando o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde CIEVS-MINAS recebeu a primeira notificação. Até o momento, 11 casos são investigados por apresentarem os mesmos sintomas. Deles, dez seguem internados e um paciente morreu. Quatro dos pacientes internados tiveram exames positivos para DEG.

Os últimos novos casos confirmados foram: uma mulher em Viçosa e um homem de São Lourenço, que foi internado em Belo Horizonte.

Definição de caso

Atualização da definição de caso: “Indivíduo residente ou visitante de Minas Gerais que ingeriu cerveja da marca Backer, a partir de novembro de 2019, e iniciou, em até 72 horas, sintomas gastrointestinais (náuseas e/ou vômitos e/ou dor abdominal) associados à oligúria de evolução rápida para insuficiência renal aguda, seguidos ou não de uma ou mais alterações neurológicas: paralisia facial, borramento visual, amaurose, alterações de sensório, paralisia descendente e crise convulsiva.”

Segundo a última nota técnica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, divulgada no último dia 10, dos dez casos suspeitos notificados, os primeiros sintomas apareceram a partir do dia 05 de dezembro do último ano.

Todos os pacientes identificados até a divulgação da nota possuem as seguintes características:

  • Dez dos 11 pacientes são do sexo masculino;
  • Mediana de idade 55 anos (23 a 76 anos);
  • Sete pacientes residentes de Belo Horizonte, um de Ubá (que evolui para óbito em Juiz de Fora), um de Nova Lima, um de São Lourenço e uma mulher de Viçosa;
  • A média de dias entre início dos primeiros sintomas e a internação foi de dois a três dias;
  • Todos com insuficiência renal aguda de rápida evolução (até 72 horas) e alterações neurológicas centrais e periféricas.

Para os quatro casos confirmados após os exames, o protocolo de abordagem da Secretaria de Saúde de Minas Gerais indica iniciar etanol como antídoto, além do suporte avançado de vida que já deve ser feito assim que os pacientes derem entrada com os mesmos sintomas.

Leia também: Como cuidar de alguém com intoxicação alcoólica no plantão?

Casos de intoxicação por dietilenoglicol

De acordo com alguns relatos de casos, os sintomas apresentados pelos pacientes mineiros são os mesmos de alguns casos de intoxicação alcoólica pela substância em outros países. O dietilenoglicol aparece como causadora, por exemplo, de um envenenamento em massa por um xarope contaminado no Panamá, em 2006.

Envenenamento no Panamá

Os casos do Panamá foram descritos e publicados na Annals of Emergency Medicine, em 2014. Na situação, 46 pacientes preencheram os critérios de inclusão, onde 24 (52%) eram pacientes do sexo feminino; a idade média foi de 67 anos (faixa de 25 a 91 anos). Na admissão, eles se apresentavam lesão renal aguda ou exacerbação crônica da insuficiência renal (nível médio de creatinina sérica 10,0 mg/dL) uma mediana de 5 dias após o início dos sintomas.

Desses, 40 (87%; intervalo de confiança de 95% [IC] 74% a 95%) apresentavam sinais neurológicos, incluindo paresia facial (n = 27 ; 68%; IC 95%: 51% a 81%) ou em membros (n = 31; 77%; IC 95% 62% a 89%). O eletro em 21 pacientes com paresia demonstrou neuropatia periférica grave (n = 19; 90%; IC 95% 70% a 99%). Em 14 pacientes sem achados neurológicos iniciais, foram observadas concentrações elevadas de proteína do líquido cefalorraquidiano sem pleocitose: quase todos desenvolveram doença neurológica evidente (n = 13; 93%; IC 95% 66% a 100%). Apesar do uso de terapia intensiva e terapias de hemodiálise, 27 (59%) morreram em média 19 dias (2 a 50 dias) após a apresentação.

Segundo a conclusão dos autores, paresia facial ou dos membros com lesão renal aguda inexplicada deve levar os médicos a considerar o envenenamento por dietilenoglicol. Concentrações elevadas de proteína do líquido cefalorraquidiano sem pleocitose entre pessoas expostas à substância com lesão renal aguda podem ser um preditor de doença neurológica progressiva.

Bebida especial

Em outro caso, Cranial nerve palsy and acute renal failure after a ‘special drink’, publicado em 2010 no Kidney International, um homem de 40 anos é internado com náuseas, paresia, dor abdominal, diarreia e oligoanúria progressiva. Os dados laboratoriais mostravam insuficiência renal aguda e acidose metabólica.

Após alguns questionamentos posteriores à internação, o homem disse que ingeriu uma bebida incolor e de sabor doce, oferecida por um colega como “bebida especial”. Mas a triagem toxicológica não identificou metanol, etilenoglicol nem etanol. Após sete dias, ele desenvolveu tetraparesia flácida, perda aguda de acuidade visual – 1/10 (esquerda) e 3/10 (direita) – e diplegia facial periférica. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) revelou
alta concentração proteica isolada (183 mg/dL).

Segundo os autores, a intoxicação por dietilenoglicol foi fortemente sugerida pela associação sintomas neurológicos e hepatite leve com pancreatite, junto da história do paciente.

Segundo os artigos, as primeiras manifestações da intoxicação podem incluir sintomas gastrointestinais, estado mental alterado e acidose metabólica. Depois, podem ocorrer alterações hepáticas e lesão tubular renal. Anormalidades do nervo craniano (paresia facial, paralisia, neurite óptica) e neuropatia periférica com aumento da concentração de proteínas no LCR podem ser vistas a seguir em muitos pacientes, assim como paralisia do nervo facial.

Veja mais: Intoxicação por dietilenoglicol: como identificar e o que fazer?

Notificação

No Brasil, os casos suspeitos exigem notificação imediata (em até 24 horas) ao CIEVS BH (para os casos de Belo Horizonte) e CIEVS Minas (para o restante do Estado) pelo telefone e e-mail. Para casos fora dessas regiões, também é importante que haja a notificação aos serviços de vigilância responsáveis.

A notificação deve ser feita preenchendo a Ficha de Notificação de Intoxicação Exógena do SINAN e anexando o relatório médico com: descrição do caso, resultados dos exames, evolução clínica e hipótese diagnóstica.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

Referências bibliográficas:

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