Caxumba: como fazer o diagnóstico e tratamento?

A caxumba é uma doença infecciosa viral altamente contagiosa que pode acometer qualquer tecido glandular e nervoso do organismo.

Atualizado por Roberta Esteves.

A caxumba (também conhecida como “papeira” ou parotidite infecciosa) é uma doença viral contagiosa e, historicamente, era bastante frequente. Com a implementação da vacinação generalizada, a incidência de caxumba na população diminuiu de forma substancial [1,2,3].

Durante a pandemia de Covid-19, houve uma queda generalizada na cobertura de imunizações em todo o território nacional, trazendo à tona doenças que já não ocorriam mais ou eram menos comuns, incluindo não somente a caxumba, mas também sarampo, rubéola e varicela [4]. Nesse texto, revisamos o tema “caxumba em pediatria”, sintetizando dados sobre etiologia, fatores de risco, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e prevenção.

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médico examinando criança com caxumba

Etiologia

O vírus da caxumba é um paramixovírus do mesmo grupo do vírus da parainfluenza e da doença de Newcastle, que produzem anticorpos que reagem de forma cruzada com o vírus da caxumba [5]. Ele é um paramixovírus de RNA de fita simples, da família Rubulavirus. Existe apenas um sorotipo conhecido. Nucleoproteína, fosfoproteína e polimerase, juntamente com o RNA genômico, replicam o vírus formando o ribonucleocapsídeo.

Uma bicamada lipídica derivada do hospedeiro envolve o ribonucleocapsídeo. Dentro desta bicamada lipídica estão a neuraminidase viral e as proteínas de fusão, que permitem a ligação celular e a entrada do vírus. Esses complexos de fusão são os principais alvos dos anticorpos neutralizantes virais. O próprio vírus é estável, incapaz de se combinar. Isso torna improvável a mudança antigênica. Essa incapacidade na deriva genética permite que a vacinação geralmente confira imunidade duradoura aos indivíduos [1].

O vírus pode ser isolado ou propagado em culturas de vários tecidos humanos e de macacos e em ovos embrionados. Foi recuperado da saliva, líquido cefalorraquidiano, urina, sangue, sêmen, leite materno e tecidos infectados de pacientes com caxumba. É rapidamente inativado por formalina, éter, clorofórmio, calor e luz ultravioleta [5].

Fatores de risco

Vários fatores de risco foram relatados na infecção por caxumba, incluindo idade, exposição, imunidade comprometida, época do ano, viagem e estado de vacinação [1,6]. Embora não haja evidência de diferença na ocorrência de infecções pelo vírus da caxumba entre os sexos, os homens parecem ter maior risco de apresentar complicações. Estudos sorológicos foram realizados em vários países previamente à introdução das vacinas.

Esses estudos descreveram que metade das crianças de quatro a seis anos e 90% dos adolescentes de 14 a 15 anos eram soropositivos, com um aumento acentuado nos níveis de anticorpos contra caxumba em dois a três anos. Esses resultados indicam que quase todos os indivíduos que não receberam a vacinação contra a caxumba acabarão por se infectar [6].

Epidemiologia

A caxumba era uma doença grave de morbidade e mortalidade significativas em todo o mundo antes do início do programa de vacinação. Na era pré-vacina, a caxumba era uma doença contagiosa grave com alta morbidade, de aproximadamente 40-726 casos por 100.000 habitantes por ano. Nessa época, a caxumba circulava endemicamente com um pico periódico de dois a cinco anos e um pico de incidência de infecção entre crianças de cinco a sete anos de idade em várias regiões do planeta. Frequentemente, as infecções por caxumba ocorriam em centros populacionais lotados (como presídios, jardins de infância, internatos, quartéis e outras aglomerações semelhantes) [6].  

Na era das imunizações, o uso generalizado de vacinas contra a caxumba reduziu substancialmente o risco de ocorrência, bem como o número de complicações graves devido à doença. O padrão epidemiológico é baseado nos diversos programas de vacinação, como número de doses, idade e cobertura vacinal. Se a taxa de cobertura vacinal for insuficiente, pode levar a um aumento da carga de sequelas graves à medida que a doença se desloca para faixas etárias mais avançadas, nas quais as complicações da caxumba são mais prevalentes [6].  

Alguns estudos relataram uma variação na estação de pico de infecções por caxumba entre diferentes anos. Em regiões de clima temperado, as ocorrências de infecções são de forte sazonalidade, com picos no inverno e na primavera [3,6]. Na Ásia, um risco maior de infecções por caxumba foi observado durante os meses de verão do que durante outras estações, e as epidemias se repetem com um padrão sazonal. As razões do padrão sazonal podem ser devidas aos seguintes fatores: flutuações da imunocompetência humana mediadas por fatores sazonais, como níveis de melatonina; fatores comportamentais relacionados à sazonalidade (frequência escolar e aglomeração interna) e fatores meteorológicos (temperatura, sol, vento e umidade relativa). No entanto, os fatores comportamentais humanos por si só não explicam o padrão sazonal observado para certos casos de caxumba [6]. 

No Brasil, não há dados consolidados da caxumba no Ministério da Saúde, visto que a doença não é de notificação compulsória. Todavia, desde 2015 tem sido observado um aumento da incidência da caxumba no país  nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Acre, que apresentaram taxas mais elevadas do que nos anos de pré-implantação da vacina [7].  

Fisiopatologia

Os seres humanos são os únicos hospedeiros naturais do vírus da caxumba. A replicação primária ocorre no epitélio da mucosa das vias aéreas superiores [1]. O vírus é adquirido pela transmissão de gotículas respiratórias, contato direto ou fômites [8]. Ele se replica na nasofaringe e linfonodos regionais e se espalha para vários tecidos durante a viremia, incluindo meninges, glândulas salivares, pâncreas, testículos e ovários. A inflamação nos tecidos infectados leva a sintomas característicos de parotidite e outras complicações, como orquite e meningite asséptica [5].

Manifestações clínicas

O período de incubação da caxumba é geralmente de 16 a 18 dias, mas pode variar de 12 a 25 dias. Os sintomas prodrômicos são inespecíficos e incluem mialgia, anorexia, mal-estar, cefaleia, febre baixa e dor à mastigação e ingestão de líquidos ácidos. A caxumba normalmente se apresenta com aumento das glândulas salivares, como sublinguais, submaxilares e, principalmente, a parótida, com duração de cerca de cinco dias. A parotidite pode ser uni ou bilateral, e o edema de qualquer glândula salivar, única ou múltiplas, pode estar presente. A parotidite pode ser observada, inicialmente, como dor de ouvido e sensibilidade à palpação do ângulo da mandíbula. O vírus da caxumba é o único agente infeccioso conhecido por causar parotidite epidêmica [3, 5].

Em crianças com menos de cinco anos de idade é frequente a presença de sintomas respiratórios [3]. Pode haver apenas sintomas inespecíficos ou primariamente respiratórios ou uma infecção subclínica. Antes da introdução da vacina contra caxumba, aproximadamente 15% a 24% das infecções eram assintomáticas. A frequência de infecção assintomática em pessoas vacinadas é desconhecida, mas a caxumba é geralmente mais leve entre as pessoas vacinadas. Casos de reinfecção por caxumba foram relatados [3, 5].

As complicações decorrentes da caxumba estão resumidas no Quadro 1.

Quadro 1 – Complicações da caxumba 

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes com manifestações clínicas típicas, como parotidite (ou outro edema de glândulas salivares, orquite ou ooforite) e exposição epidemiológica relevante, como contato respiratório ou domiciliar com um indivíduo com caxumba confirmada ou suspeita) [8].  

Indivíduos que são sabidamente não imunizados estão em maior risco de infecção, embora a caxumba também deva ser suspeitada entre indivíduos vacinados com sintomas e sinais relevantes e exposição epidemiológica. Pacientes com suspeita de caxumba ou caxumba confirmada devem ser colocados em precauções de gotículas [8].  

Nos pacientes que apresentam parotidite ou outra inflamação de glândulas salivares, o diagnóstico pode ser estabelecido por testes laboratoriais. A confirmação laboratorial pode ser obtida por meio de um ou mais dos seguintes exames: 

  • Detecção de RNA do vírus da caxumba por reação em cadeia da polimerase transcriptase reversa (RT-PCR) –  realizada no soro ou swab bucal ou oral; a amostra também pode ser usada para cultura de vírus; 
  • Imunoglobulina (Ig) M positiva – normalmente permanece positiva por até quatro semanas. 

Durante a apresentação clínica inicial, devem ser coletadas duas amostras: RT-PCR/cultura por swab e sangue para sorologia de fase aguda e RT-PCR. O swab deve ser obtido o mais rápido possível após o início da parotidite em 3 a 8 dias após o início da parotidite), massageando suavemente a glândula parótida antes de esfregar a área ao redor do ducto de Stensen com um swab sintético. O IgM pode não ser detectável até cinco dias após o início dos sintomas em alguns casos. Portanto, se a amostra de soro da fase aguda foi coletada ≤ 3 dias após o início da parotidite e for negativa para anticorpos IgM da caxumba e RT-PCR do vírus da caxumba, o teste de IgM para caxumba deve ser repetido em uma amostra de soro adicional coletada [8].  

Quando há suspeita de complicações em sistema nervoso central (SNC), a punção lombar está indicada. Pacientes com parâmetros de líquido cefalorraquidiano (LCR) compatíveis com infecção viral merecem mais testes de LCR com RT-PCR e cultura do vírus. O RT-PCR permite o diagnóstico imediato. O vírus é mais facilmente isolado do LCR coletado durante os primeiros três dias de sintomas. No entanto, as técnicas são demoradas e podem levar vários dias para estabelecer um diagnóstico. Há relatos do uso de testes de anticorpos IgM para caxumba no LCR [8].  Possíveis diagnósticos diferenciais estão descritos no Quadro 2.

Quadro 2 – Possíveis diagnósticos diferenciais da caxumba

Tratamento

Não existe um tratamento específico para caxumba. O tratamento é de suporte com o uso de sintomáticos, como como dipirona, ibuprofeno e acetaminofeno, para alívio da dor e da febre. Recomenda-se também uma alimentação com alimentos mais macios para melhora do desconforto associado aos sintomas [10].

Prognóstico

Em geral, o prognóstico é bom. Mesmo após um quadro de meningite asséptica, a recuperação geralmente é completa. A surdez é rara. Todavia, a caxumba durante a gravidez pode aumentar o risco de perda/óbito fetal [1]. Ademais, há risco de infertilidade masculina nos quadros que evoluem com orquite [11].

Prevenção

A prevenção é feita através de vacinação. De acordo com a última atualização do calendário vacinal da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o esquema vacinal proposto é por meio das vacinas tríplice viral (sarampo [S], caxumba [C], rubéola [R] – SCR) ou tetra viral (incluindo varicela [V] – SCRV).  

  • Aos 12 meses de idade: devem ser feitas, ao mesmo tempo, as primeiras doses SCR e V em administrações separadas ou a SCRV. A SCRV se mostrou associada a uma maior frequência de febre em lactentes que recebem a primeira dose com esta vacina quando comparada às vacinas SCR e V separadas; 
  • Aos 15 meses de idade: deverá ser administrada uma segunda dose, de preferência com a SCRV, com intervalo mínimo de três meses da última dose de SCR e V ou SCRV; 
  • Adolescentes não vacinados: deverão receber duas doses de ambas as vacinas, com intervalo mínimo de 4 semanas entre cada dose de SCR e de 3 meses entre as doses de V nos menores de 13 anos e de 1-2 meses nos maiores de 13 anos. A idade máxima para o uso da vacina combinada SCRV é de 12 anos [12].

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