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Sabe-se que 16 bilhões de dólares são gastos no cuidado com cirurgias eletivas na Inglaterra a cada ano. 10 milhões de pacientes se submetem a procedimentos cirúrgicos anualmente e esse número só cresce. Pacientes considerados de alto risco, submetidos a cirurgia de grande porte constituem a minoria porém são responsáveis por quatro das cinco mortes no pós-operatório. Como avaliar e prever resultados em cirurgias de grande porte foi o tema de uma das palestras do CBMI 2018.
Mas o que é cirurgia de grande porte, afinal?
- Envolve um compartimento do corpo;
- Constitui um risco para a vida ou função de um dado órgão ou tecido, dada sua localidade, condição do paciente, dificuldade técnica do procedimento, duração do mesmo.
A percepção de risco e sua definição varia, a depender de qual ótica é considerado:
PACIENTE | Poderei voltar a trabalhar? Haverá sequelas? A cirurgia será bem sucedida? |
FAMÍLIA | O paciente sobreviverá? O paciente poderá ter uma carreira? |
ENFERMEIRA | Há risco de transmissão? O paciente será agressivo comigo? |
CIRURGIÃO | Quais as probabilidades da cirurgia ser bem sucedida? Quais as possibilidades de intercorrências cirúrgicas? |
ANESTESISTA | Quais as probabilidades de sobrevivência em 30 dias? Quais as probabilidades de sobreviver a anestesia? |
INTENSIVISTA | Quanto tempo irá permanecer no CTI? Quais as probabilidades de sair do CTI? |
ADMINISTRADOR | Qual o déficit causado para a unidade? Gastou-se mais que o planejado com o cuidado? |
São muitas as percepções, porém o olhar subjetivo não é suficiente na avaliação do risco cirúrgico. Como definir, objetivamente, cirurgia de alto risco? Procedimentos que envolvem:
- Doença cardiorrespiratória prévia severa (IAM, DPOC, AVE);
- Grandes ressecções tumorais: esofagectomia, gastrectomia total, cirurgias > 8h;
- Politraumas: > 3 órgãos, > 2 sistemas ou abertura > 2 cavidades;
- Perda massiva de sangue;
- Idade > 70 anos ou evidência de limitação fisiológica severa;
- Choque: PAS < 60 mmHg, pvc < 15 cmh2o, débito urinário < 20 ml/h;
- Evento abdominal agudo + instabilidade hemodinâmica: pancreatite, isquemia mesentérica, peritonite,
- hemorragia intestinal;
- Doença aórtica avançada.
Curiosamente, de acordo com o Paper da revista Chest, esses critérios já eram compreendidos e bem definidos desde 1988. Além dos risco do ato operatório em si, devemos estar atentos no per e pós-operatório. O paciente pode evoluir com inúmeras complicações:
Não específicas e sindrômicas:
• Gastroparesia;
• Distensão abdominal;
• Edema;
• Diarreia,
• Iam.
Relacionados diretamente a cirurgia:
• Isquemia;
• Lesão em tgi;
• Infecção de ferida operatória;
• Sangramento,
• Íleo metabólico.
Falência orgânica:
• Falência hepática;
• Falência pulmonar,
• AVE.
Em face de riscos presentes em todo período cirúrgico -seja no preparo, no procedimento ou na convalescença-, algumas escalas foram construídas no intuito de, ao se estimar o risco, haver atenção especial no atendimento às demandas do paciente em questão.
Leia mais: Conheça as diretrizes da OMS para uma cirurgia segura
A classificação de ASA, tão conhecida, permite inferir a partir de dados clínicos possíveis desfechos pós-operatórios. Dados que seguem foram retirados da revista Critical Care de 2005.
CLASSIFICAÇÃO ASA | MORTALIDADE |
ASA I | 0,1% |
ASA II | 0,7% |
ASA III | 3,5% |
ASA IV | 18,3% |
ASA V | 93,3% |
Outras escalas se somam na “previsão” de desfechos para o paciente pós operatório:
- Sort: com avaliação variando quanto ao tipo de cirurgia, questionando gravidade, asa, critério de urgência, presença de lesão torácica/tgi/vascular, câncer. Saiba mais em www.sortsurgery.com
- Possum: avalia de acordo com idade, lesão cardiorrespiratório sobrejacente, ECG, pulso, ureia, creatinina, sódio e potássio sérico, valor da hemoglobina, pressão sistólica.
- Surgical risk calculator do NSQIP: considera idade, sexo, status funcional, urgência, asa, classificação de ferida, história prévia e comorbidades, imc.
Deve-se ressaltar em meio a tantas escalas, o protocolo ERAS. Ele originalmente foi utilizado em cirurgias colorretais, no qual observou-se considerável redução da incidência de iatrogenia quando utilizado.
Recordando, ERAS é enhanced recovery after surgery, protocolo baseado em evidências, realizado por equipe multidisciplinar em paciente cirúrgico durante os períodos pré, per e pós operatório. A aplicação deste objetiva diminuir o tempo de internação, complicações e morbidade pós-operatória, melhorando a recuperação e a qualidade de vida.
Mas o que já é comprovado cientificamente, na diminuição da morbimortalidade do procedimento?
- Analgesia;
- Optar, quando possível, pela laparoscopia;
- Evitar suturas com muita tensão;
- Dieta enteral precoce;
- Controle pós operatório: drenagem, desbravamento;
- Restrição volêmica.
Neste momento, cabe uma ressalva. Por que restrição volêmica? Não devemos hiper-hidratar um paciente que se submeteu a uma cirurgia de grande porte? Não. Tanto a hipervolemia quanto a hipovolemia são problemáticas no cenário cirúrgico. Enquanto a hipovolemia pode levar ao choque, a hipervolemia, de acordo com prowle et al na revista natural 2010, pode causar:
SISTEMAS | CONSEQUÊNCIA |
RESPIRATÓRIO | ⇩: paO2, paO2/FiO2, volume pulmonar. ⇧: paCO2, edema pulmonar, dificuldade de desmame, esforço. |
HEPÁTICO | ⇩: atividade da citP450. ⇧: colestase, congestão hepática. |
TGI | ⇩: peristalse, fluxo da microcirculação, progressão da dieta enteral. ⇧: ascite, má-absorção, edema de alça, translação bacteriana, íleo. |
PAREDE ABDOMINAL | ⇩: complacência. ⇧: edema, dificuldade de cicatrização, infecção, úlceras de pressão. |
SNC | ⇩: função cognitiva. ⇧: edema cerebral, delirium. |
CARDIO | ⇩: PVC, função diastólica, contratilidade, condução. ⇧: edema do miocárdio, PaOP, derrame pericárdico. |
RENAL | ⇩: FGR, fluxo sanguíneo renal. ⇧: pressão venosa e intersticial, uremia, retenção de sal e água. |
Ao final da palestra, chamou-se atenção para necessidade de se ater a esses riscos e complicações que perpassam todas as etapas. O ERAS deve ser implementado e a hidratação venosa prescrita de forma racional.
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Referências:
- Kain ZN et al. The perioperative surgical home. Anesth Analg 2014; 118:1126.
- Kehlet H et al. Why is the surgical high risk patient still at risk? BJA 2011; 106 (3): 289-291.
- Knott A et al. Enhanced recovery after surgery (ERAS). BNJ Open 2012:2.
- Desfechos após cirurgia de grande porte – como avaliar e prever resultados? Pelo dr manu malbrain (bel)