CBMI 2021: escolhendo o vasopressor ideal

Em uma das mesas de cardiointensivismo do CBMI 2021, foram discutidos os aspectos práticos da escolha do vasopressor ideal.

Em uma das mesas de cardiointensivismo do Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2021), a Dra. Ludhmila Hajjar, intensivista e professora de Cardiologia da FMUSP, discutiu aspectos práticos da escolha do vasopressor ideal.

Entendendo a dinâmica do choque

De forma geral, fazem parte da fisiopatologia do choque fatores como: hipovolemia, disfunção vascular periférica com hipotensão, falência cardíaca e anormalidades na distribuição local e regional do fluxo sanguíneo. Todos esses fatores culminam com oferta inadequada de oxigênio à célula.

A maneira como tratamos o choque do ponto de vista hemodinâmico, na maioria das vezes, passa pela adequação do estado volêmico e do vasopressor. Se olharmos o choque séptico, o mais prevalente de todos em UTI, o passo principal é a estabilização hemodinâmica.

Estabilize primeiro: garanta a perfusão do seu paciente!

Em 2018, a Surviving Sepsis Campaign (SSC) fez atualização do seu bundle de tratamento da sepse (bundle da primeira hora), com a indicação de noradrenalina precoce, mesmo em veia periférica, nos pacientes com hipoperfusão, ainda durante a reposição volêmica. Isso enfatiza a necessidade de garantir a estabilização do paciente o quanto antes. A prática anterior de aguardar a finalização da reposição volêmica inicial para, a partir desse ponto, considerar o agente vasopressor, deixou de ser recomendada.

paciente em uso de vasopressor na terapia intensiva

Vasopressor ideal no choque séptico

A noradrenalina, droga vasoativa bastante utilizada na prática clínica, sendo uma catecolamina, atua aumentando o tônus vascular pela ativação de receptores alfa e beta adrenérgicos. É recomendada como droga de primeira escolha desde 2013 pela SSC.

Além disso, como já mencionado acima, desde abril de 2018, quando da publicação do “1-hour bundle” pela SSC, além do reforço da noradrenalina como vasopressor de primeira escolha, foi enfatizada a indicação do vasopressor precoce no cenário de hipotensão mantida ainda durante a ressuscitação volêmica inicial e dentro da primeira hora, visando PAM > 65 mmHg.

A epinefrina, apesar de ser reconhecida como uma potencial droga vasopressórica, está associada à acidose, disfunção imunológica, glicogenólise e hiperglicemia. Seu uso está sendo cada vez mais desenfatizado. Já a vasopressina, é recomendada como adjuvante ao tratamento com noradrenalina no choque séptico desde 2013. Em relação à vasopressina, novas evidências surgiram desde então.

Considere o conceito da decatecolaminização

Em alguns pacientes, apenas a infusão da noradrenalina não será suficiente para aumento do tônus vascular e da PAM. Essa resposta inadequada às catecolaminas é explicada pelo “downregulation” e “desacoplamento” dos receptores alfa1 adrenérgicos, em parte produzidos pela acidose láctica, característica desse momento do choque séptico. Em geral, 30 a 40% dos pacientes terão choque refratário à catecolamina.

Assim, o choque séptico refratário à catecolamina é identificado clinicamente quando existe hipotensão persistente, a despeito da infusão de noradrenalina > 0,2 a 0,3 ug/kg/min, combinado com um adequado manejo de fluidos e débito cardíaco adequado ou elevado. Nesse momento, a indicação de vasopressor não-catecolaminérgico, com modo de ação diferente, é proeminente. Justamente para evitar o aumento da demanda metabólica, desordens metabólicas, distúrbios imunológicos, redução do fluxo sanguíneo regional e fibrilação atrial.

Vasopressina: quando a primeira linha falha

A vasopressina, conhecida também como hormônio antidiurético, é um vasopressor não-catecolaminérgico. Produz vasoconstricção pela ativação dos receptores V1a (ação direta no vaso), promovendo aumento da pressão arterial por esse mecanismo. Ao contrário de outros análogos sintéticos da vasopressina (meia-vida de 8 horas), a arginina vasopressina possui meia-vida de 5 a 20 minutos. Tal fato permite um maior controle e rápida descontinuação, caso ocorram efeitos indesejáveis. O Surviving Sepsis Campaign recomenda a associação da vasopressina (0,01 a 0,03 U/min) à noradrenalina, como segundo vasopressor, no cenário do choque séptico refratário a catecolaminas.

A associação precoce da vasopressina esteve relacionada à redução da necessidade de terapia de substituição renal, assim como à progressão para falência renal (Gordon et al. 2010). Em revisão sistemática publicada em 2018, o uso combinado de vasopressina e catecolaminas, comparado ao uso isolado das catecolaminas, esteve associado a um menor risco de fibrilação atrial (McIntyre et al. 2018).

Como manejar então pacientes chocados?

Inicie de forma precoce o vasopressor:

  • A duração e grau da hipotensão estão associados à maior mortalidade;
  • Noradrenalina aumenta o débito cardíaco e a contratilidade quando iniciada de forma precoce;
  • O início precoce do vasopressor previne danos relacionados à sobrecarga hídrica;
  • Melhora desfechos.

Nesse aspecto, o CENSER Trial (2019) comparou o uso de noradrenalina precoce em veia periférica, em pacientes com choque séptico, em relação aos pacientes que receberam terapia padrão. O grupo que usou noradrenalina na veia periférica alcançou com maior prevalência o desfecho primário, obtendo o controle do choque quase duas horas antes do grupo que recebeu o cuidado padrão. Além disso, demonstrou-se também que o grupo vasopressor precoce apresentou menor incidência de edema pulmonar e fibrilação atrial.

Medicina personalizada no choque

Quando falamos de choque, falamos sobre pacientes heterogêneos. Com o avanço da genômica, é possível que, no futuro, possamos entender quem responderá a qual tipo de droga específica de forma até mesmo antecipada. Enquanto isso, é necessário se voltar para a beira-leito: exame clínico, ecocardiograma, avaliação dinâmica, resposta clínica…

Mensagens práticas

  1. Uso precoce da noradrenalina: aumenta o débito cardíaco e a contratilidade quando iniciada de forma precoce, além de prevenir danos relacionados à sobrecarga hídrica.
  2. Restaure a perfusão orgânica o quanto antes! Salve a célula!
  3. Se infusão de noradrenalina > 5 ug/min, combinado com um adequado manejo de fluidos e débito cardíaco adequado ou elevado, a associação da vasopressina como segundo vasopressor é recomendada.
  4. No caso de choque séptico, a dose da vasopressina varia de 0,01 a 0,03 U/min. Em caso de vasoplegia, de 0,01 a 0,06 U/min.

Veja mais do CBMI 2021:

Referências bibliográficas:

  • Levy, M.M., Evans, L.E. & Rhodes, A. The Surviving Sepsis Campaign Bundle: 2018 update. Intensive Care Med 44, 925–928 (2018). https://doi.org/10.1007/s00134-018-5085-0
  • Permpikul C, Tongyoo S, Viarasilpa T, Trainarongsakul T, Chakorn T, Udompanturak S. Early Use of Norepinephrine in Septic Shock Resuscitation (CENSER). A Randomized Trial. Am J Respir Crit Care Med. 2019;199(9):1097-1105. doi: 10.1164/rccm.201806-1034OC
  • Jentzer JC, Vallabhajosyula S, Khanna AK, Chawla LS, Busse LW, Kashani KB. Management of Refractory Vasodilatory Shock. Chest. 2018;154(2):416-426. doi: 10.1016/j.chest.2017.12.021
  • Hajjar LA, Vincent JL, Barbosa Gomes Galas FR, et al. Vasopressin versus Norepinephrine in Patients with Vasoplegic Shock after Cardiac Surgery: The VANCS Randomized Controlled Trial. Anesthesiology. 2017;126(1):85-93. doi: 10.1097/ALN.0000000000001434
  • Hajjar LA, Zambolim C, Belletti A, et al. Vasopressin Versus Norepinephrine for the Management of Septic Shock in Cancer Patients: The VANCS II Randomized Clinical Trial. Crit Care Med. 2019;47(12):1743-1750. doi: 10.1097/CCM.0000000000004023

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