CBMI 2021: Novidades no tratamento do tromboembolismo pulmonar

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma condição frequente e de alta letalidade, especialmente nas suas apresentações mais graves. Saiba mais.

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma condição frequente e de alta letalidade, especialmente nas suas apresentações mais graves. A última diretriz americana da AHA (2011) chama essa apresentação de TEP maciço, enquanto o guideline europeu da ESC (2019) usa o termo TEP de alto risco. Essa condição é definida pelo diagnóstico de TEP induzindo hipotensão arterial (pressão arterial sistólica < 90 mmHg) associada a disfunção orgânica; ou hipotensão persistente por mais de 15 minutos; ou necessidade de vasopressores para correção de hipotensão; ou ocorrência de parada cardiorrespiratória (PCR). 

Desses pacientes, 43 a 93% morrem nas primeiras 1 a 2,5 horas do início dos sintomas, em função de choque cardiogênico. Assim, é fundamental o diagnóstico rápido e tratamento eficaz dessa condição, em tempo hábil para evitar a morte desses pacientes.

Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2021) trouxe os principais pontos do tratamento e vamos discuti-los neste texto.

tromboembolismo pulmonar

Fisiopatologia 

A obstrução de um ramo proximal da artéria pulmonar aumenta a pós carga do ventrículo direito (VD), com aumento de sua tensão de parede, aumento do consumo miocárdico de oxigênio, e redução da contratilidade do VD. Esse processo causa redução do débito de VD, com queda na pré-carga do ventrículo esquerdo (VE). Assim, ocorre queda do débito cardíaco do VE, culminando em hipoperfusão sistêmica, inclusive para o próprio VD, o que piora ainda mais sua disfunção. Assim, ocorre uma retroalimentação com “isquemia gerando mais isquemia”. Se a nossa intervenção ocorrer de forma tardia, talvez não exista mais tempo para retirar o paciente dessa “espiral da morte” (figura 1).

Figura 1 (retirado da referência 2): Fisiopatologia do choque cardiogênico no TEP

 

Tratamento 

A abordagem dos casos de TEP maciço ou de alto risco, envolve suporte hemodinâmico enquanto utilizamos alguma terapia para aliviar a pós-carga do VD. Recentemente discutimos o diagnóstico e suporte para a disfunção de VD aqui no portal.  

As principais terapias para promover a reperfusão da artéria pulmonar envolvem o uso de trombolíticos ou tratamentos endovasculares (trombólise química in situ com ou sem embolectomia mecânica). A embolectomia cirúrgica, através de esternotomia, no paciente com TEP agudo possui mortalidade muito elevada de forma que seu uso vem em franco declínio.

  • Trombólise química sistêmica com alteplase 

 Os trombolíticos, associados a anticoagulação, representam a primeira linha no tratamento do TEP, nos pacientes com instabilidade hemodinâmica. Usamos a alteplase na dose de 100 mg, com infusão em 2 horas. Em situações de PCR, podemos usar a dose de 0.6 mg/Kg (máximo: 50 mg), com infusão em 15 minutos 2 

 No entanto, os seus riscos são significativos: 3% dos pacientes apresentam sangramento intracraniano (em comparação a 0.3% no grupo sem uso de trombolíticos); e 21.7% dos pacientes apresentam sangramento grave (versus 8.8% no grupo sem uso da alteplase)5. Além disso, a terapia apresenta um number need to harm (NNH) de 8 para sangramentos não graves  6. Além disso, muitos pacientes apresentam contraindicações absolutas ou relativas à trombólise química sistêmica, de forma que alguns candidatos não podem receber a terapia. 

 Quanto mais proximal é a obstrução da circulação pulmonar, menor será a ação dos trombolíticos sobre aquele local 7. Isso porque o fluxo sanguíneo, que carrega o trombolítico, sempre seguirá naturalmente pelo caminho de menor resistência, dentro da circulação pulmonar. Assim, o local de menor ação dos trombolíticos será justamente onde existe  a maior obstrução ao fluxo de sangue, conforme o experimento demonstrado na figura 2, abaixo.

Dessa forma, os principais avanços da terapia do TEP de alto risco estão relacionados a terapias endovasculares.

Figura 2: Desenho esquemático do modelo de fluxo das artérias pulmonares centrais. A oclusão embólica do tronco da artéria pulmonar direita foi simulado com uso de um balão. Observa-se que o fluxo sanguíneo se direciona preferencialmente para a artéria pulmonar esquerda, que se encontra desobstruída. Existe pouco contato do sangue com a artéria pulmonar direita, onde se encontra a obstrução. Legendas: B – balão; T – tronco pulmonar; RUL – artéria do lobo superior direito; LUL – artéria do lobo superior esquerdo; RI – artéria intermediária direita; LLL – artéria do lobo inferior esquerdo.

 

  • Terapias endovasculares 

Diversos métodos podem ser adotados como terapia endovascular no TEP. Pode ser realizada trombólise química in situ através de cateter endovascular instalado no local do êmbolo, com infusão lenta de alteplase (1 mg/hora), por 12 a 24 horas. Também pode ser realizada embolectomia mecânica, com uso de cateter com basket para extração manual do êmbolo.  

As novidades nesse método, no entanto, misturam ambas abordagens. Nos últimos 5 anos surgiram trabalhos 8,9 avaliando o uso de cateteres que associam trombectomia assistida por ondas de ultrassom, com infusões de baixas doses de trombolíticos.  

Saiba mais: Tromboembolismo pulmonar (TEP) em pacientes com Covid-19

Um estudo demonstrou melhora em parâmetros hemodinâmicos (redução de sobrecarga de VD) com uso dessa estratégia, em pacientes com TEP maciço ou submaciço, porém sem grupo controle para comparação. Outro trabalho comparou essa estratégia contra a anticoagulação isolada, em pacientes com TEP de risco intermediário 8. Também foram observados benefícios em desfechos hemodinâmicos. Note que desfechos clinicamente importantes, como mortalidade, não foram avaliados em nenhum dos dois trabalhos.

Figura 3: Cateter utilizado no trabalho SEATTLE II (EkoSonic Endovascular System) que utiliza ondas de ultrassom para enfraquecer a estrutura do êmbolo, facilitando a ação dos trombolíticos infundidos através do próprio cateter.

 

Recentemente, o trabalho FLARE avaliou o uso de trombectomia, sem uso de trombolíticos, no TEP de risco intermediário. Mais uma vez foi demonstrada redução de parâmetros de sobrecarga de VD, porém sem grupo controle para comparação, ou avaliação de desfechos centrados no paciente.

Figura 4: Cateter usado no trabalho FLARE 11 (Inari FlowTriever Catheter and Aspiration Guide Catheter) que realiza a apreensão e aspiração do êmbolo, sem infusão de trombolítico.

 

ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) no TEP 

Alguns pacientes com TEP de alto risco evoluem com instabilidade hemodinâmica importante a despeito da trombólise, ou apresentam elevado risco durante o transporte para o setor de radiologia intervencionista. Uma estratégia possível nessas situações é o uso de ECMO para ponte até melhora, ou ponte até realização de tratamento endovascular.  

Diversos trabalhos retrospectivos observacionais avaliaram o desfecho dos pacientes submetidos a essa estratégia. Um estudo francês (2017) avaliou 17 pacientes, onde destes 88% apresentaram PCR. A ECMO foi instalada durante a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) em 5 pacientes, ou após retorno da circulação espontânea, em outros 5 pacientes. A sobrevida dos pacientes em 90 dias foi de 47%.  

Uma metanálise publicada em 2021  incluiu 77 estudos, avaliando 301 pacientes, todos com PCR relacionada a TEP maciço. A sobrevida até a alta hospitalar, dos pacientes submetidos à ECMO, foi de 61%. Pacientes submetidos a trombólise química sistêmica antes da canulação da ECMO tiveram a mesma sobrevida daqueles que não foram submetidos a trombólise (67% versus 61%, respectivamente; p=0.48). Apesar dos trombolíticos aumentarem o risco de complicações hemorrágicas durante a inserção da ECMO, nenhum dos pacientes que teve essas complicações morreu. Alguns dos estudos avaliados não relataram desfechos neurológicos. No entanto, dentre os estudos que fizeram essa avaliação, 88% dos pacientes obtiveram excelente prognóstico neurológico na alta hospitalar e durante o seguimento (CPC – Cerebral Performance Category = 1). O CPC de 1 representa: consciência preservada, alerta, capaz de trabalhar e levar uma vida normal, mesmo que existam pequenos déficits psicológicos ou neurológicos (ex: disfasia leve, hemiparesia não incapacitante ou anormalidades menores dos nervos cranianos).

Mensagens finais 

 Pacientes com TEP de alto risco apresentam elevada mortalidade e pouco tempo hábil para início de terapia específica. A trombólise química ainda é o tratamento padrão para essa situação, no entanto, está associada a complicações hemorrágicas, e muitos pacientes não são candidatos à terapia.  

Existem diferentes formas de embolectomia endovascular, com ou sem a infusão de pequenas doses de trombolítico in situ. A terapia endovascular está sendo estudada para pacientes com  TEP de intermediário ou alto risco, com resultados promissores em termos hemodinâmicos. No entanto, ainda faltam estudos com avaliação de desfechos clínicos importantes, como a mortalidade. 

 Pacientes com importante instabilidade hemodinâmica relacionada ao TEP podem ser colocados em ECMO para suporte hemodinâmico. Mesmo os pacientes que apresentam PCR, podem ser colocados em ECMO durante a RCP (eRCP) ou imediatamente após o retorno da circulação espontânea. Independente da realização ou não de trombólise química, a ECMO parece ser segura. Mesmo pacientes que apresentaram PCR, onde essa terapia de resgate foi necessária, apresentam elevada sobrevida, com excelente prognóstico neurológico.

Veja mais do CBMI 2021:

Referências bibliográficas:

  • Jaff MR, McMurtry MS, Archer SL, Cushman M, Goldenberg N, Goldhaber SZ, Jenkins JS, Kline JA, Michaels AD, Thistlethwaite P, Vedantham S, White RJ, Zierler BK; American Heart Association Council on Cardiopulmonary, Critical Care, Perioperative and Resuscitation; American Heart Association Council on Peripheral Vascular Disease; American Heart Association Council on Arteriosclerosis, Thrombosis and Vascular Biology. Management of massive and submassive pulmonary embolism, iliofemoral deep vein thrombosis, and chronic thromboembolic pulmonary hypertension: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2011 Apr 26;123(16):1788-830. doi: 10.1161/CIR.0b013e318214914f
  • Konstantinides SV, Meyer G, Becattini C, Bueno H, Geersing GJ, Harjola VP, Huisman MV, Humbert M, Jennings CS, Jiménez D, Kucher N, Lang IM, Lankeit M, Lorusso R, Mazzolai L, Meneveau N, Áinle FN, Prandoni P, Pruszczyk P, Righini M, Torbicki A, Van Belle E, Zamorano JL; The Task Force for the diagnosis and management of acute pulmonary embolism of the European Society of Cardiology (ESC). 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of acute pulmonary embolism developed in collaboration with the European Respiratory Society (ERS): The Task Force for the diagnosis and management of acute pulmonary embolism of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Respir J. 2019 Oct 9;54(3):1901647. doi: 10.1183/13993003.01647-2019
  • Gifford RW Jr, Groves LK. Limitations in the feasibility of pulmonary embolectomy. A clinicopathologic study of 101 cases of massive pulmonary embolism. Circulation. 1969 Apr;39(4):523-30. doi: 10.1161/01.cir.39.4.523
  • Stein PD, Henry JW. Prevalence of acute pulmonary embolism among patients in a general hospital and at autopsy. Chest. 1995 Oct;108(4):978-81. doi: 10.1378/chest.108.4.978
  • Goldhaber SZ, Visani L, De Rosa M. Acute pulmonary embolism: clinical outcomes in the International Cooperative Pulmonary Embolism Registry (ICOPER). Lancet. 1999 Apr 24;353(9162):1386-9. doi: 10.1016/s0140-6736(98)07534-5
  • Wan S, Quinlan DJ, Agnelli G, Eikelboom JW. Thrombolysis compared with heparin for the initial treatment of pulmonary embolism: a meta-analysis of the randomized controlled trials. Circulation. 2004 Aug 10;110(6):744-9. doi: 10.1161/01.CIR.0000137826.09715.9C
  • Schmitz-Rode T, Kilbinger M, Günther RW. Simulated flow pattern in massive pulmonary embolism: significance for selective intrapulmonary thrombolysis. Cardiovasc Intervent Radiol. 1998 May-Jun;21(3):199-204. doi: 10.1007/s002709900244
  • Kucher N, Boekstegers P, Müller OJ, Kupatt C, Beyer-Westendorf J, Heitzer T, Tebbe U, Horstkotte J, Müller R, Blessing E, Greif M, Lange P, Hoffmann RT, Werth S, Barmeyer A, Härtel D, Grünwald H, Empen K, Baumgartner I. Randomized, controlled trial of ultrasound-assisted catheter-directed thrombolysis for acute intermediate-risk pulmonary embolism. Circulation. 2014 Jan 28;129(4):479-86. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.113.005544
  • Piazza G, Hohlfelder B, Jaff MR, Ouriel K, Engelhardt TC, Sterling KM, Jones NJ, Gurley JC, Bhatheja R, Kennedy RJ, Goswami N, Natarajan K, Rundback J, Sadiq IR, Liu SK, Bhalla N, Raja ML, Weinstock BS, Cynamon J, Elmasri FF, Garcia MJ, Kumar M, Ayerdi J, Soukas P, Kuo W, Liu PY, Goldhaber SZ; SEATTLE II Investigators. A Prospective, Single-Arm, Multicenter Trial of Ultrasound-Facilitated, Catheter-Directed, Low-Dose Fibrinolysis for Acute Massive and Submassive Pulmonary Embolism: The SEATTLE II Study. JACC Cardiovasc Interv. 2015 Aug 24;8(10):1382-1392. doi: 10.1016/j.jcin.2015.04.020
  • Stein PD, Matta F. Thrombolytic therapy in unstable patients with acute pulmonary embolism: saves lives but underused. Am J Med. 2012 May;125(5):465-70. doi: 10.1016/j.amjmed.2011.10.015
  • Tu T, Toma C, Tapson VF, Adams C, Jaber WA, Silver M, Khandhar S, Amin R, Weinberg M, Engelhardt T, Hunter M, Holmes D, Hoots G, Hamdalla H, Maholic RL, Lilly SM, Ouriel K, Rosenfield K; FLARE Investigators. A Prospective, Single-Arm, Multicenter Trial of Catheter-Directed Mechanical Thrombectomy for Intermediate-Risk Acute Pulmonary Embolism: The FLARE Study. JACC Cardiovasc Interv. 2019 May 13;12(9):859-869. doi: 10.1016/j.jcin.2018.12.022
  • Corsi F, Lebreton G, Bréchot N, Hekimian G, Nieszkowska A, Trouillet JL, Luyt CE, Leprince P, Chastre J, Combes A, Schmidt M. Life-threatening massive pulmonary embolism rescued by venoarterial-extracorporeal membrane oxygenation. Crit Care. 2017 Mar 28;21(1):76. doi: 10.1186/s13054-017-1655-8
  • Giraud R, Laurencet M, Assouline B, De Charrière A, Banfi C, Bendjelid K. Can VA-ECMO Be Used as an Adequate Treatment in Massive Pulmonary Embolism?. J Clin Med. 2021;10(15):3376. Published 2021 Jul 30. doi:10.3390/jcm10153376
  • Scott JH, Gordon M, Vender R, Pettigrew S, Desai P, Marchetti N, Mamary AJ, Panaro J, Cohen G, Bashir R, Lakhter V, Roth S, Zhao H, Toyoda Y, Criner G, Moores L, Rali P. Venoarterial Extracorporeal Membrane Oxygenation in Massive Pulmonary Embolism-Related Cardiac Arrest: A Systematic Review. Crit Care Med. 2021 May 1;49(5):760-769. doi: 10.1097/CCM.0000000000004828. 

 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.