Ciclosporina reduz sequelas da cardiopatia na doença de Kawasaki

A doença de Kawasaki é uma vasculite aguda de causa desconhecida que afeta predominantemente lactentes e crianças pequenas.

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A doença de Kawasaki é uma vasculite aguda de causa desconhecida que afeta predominantemente lactentes e crianças pequenas, podendo ocasionar anormalidades nas artérias coronárias, como aneurismas e dilatações em cerca de 25% dos pacientes não tratados. É a principal causa de doença cardíaca adquirida em crianças em países de alta renda. Em cinco décadas que se passaram desde o reconhecimento inicial da doença, os cardiologistas têm se envolvido cada vez mais no manejo de pacientes adultos com esse diagnóstico.

O Japão tem a maior incidência da doença de Kawasaki no mundo: 265 casos por 100 mil crianças <5 anos de idade. Nos Estados Unidos (EUA), a incidência nacional é de 19 por 100 mil em crianças com menos de cinco anos. Uma importante e possível contribuição genética para a susceptibilidade à doença decorre da maior incidência entre os filhos de ascendência japonesa no Havaí (210 por 100 mil) e de ascendência asiática ou das ilhas do Pacífico na Califórnia (50,4 por 100 mil).

A imunoglobulina intravenosa (IGIV) administrada na fase aguda da doença de Kawasaki pode reduzir a incidência de anormalidades nas artérias coronárias. Contudo, cerca de 20% dos pacientes desenvolvem febre persistente ou recrudescente mesmo após terapia padrão com IGIV e aspirina. Ademais, a resistência a IGIV é um fator de risco bem reconhecido para o desenvolvimento de anormalidades coronarianas.

Leia mais: Doença de Kawasaki: quais as características clínicas?

Ensaios clínicos randomizados com o uso de prednisolona e infliximabe sugeriram a eficácia do tratamento combinado com IGIV. Embora várias opções de tratamento tenham sido disponíveis nos últimos 50 anos, o desenvolvimento de anomalias nas artérias coronárias ainda não foi completamente erradicado.

Estudos de todo o genoma identificaram variantes genéticas dos genes ITPKC e CASP3, que conferem suscetibilidade para a doença de Kawasaki. Presumia-se que essas variantes levassem ao aumento da sinalização através do cálcio-nuclear de células T ativadas (NFAT) nas células do sistema imunitário e desencadeassem o excesso de inflamação, além de serem relevantes para o risco de não-responsividade dos pacientes à IGIV, bem como para o desenvolvimento de anormalidades coronarianas.

Estes achados levaram um grupo de pesquisadores japoneses a pensar na hipótese de que a regulação positiva da via do cálcio-nuclear estaria envolvida na fisiopatologia da doença de Kawasaki e que o imunossupressor ciclosporina, seria um tratamento promissor para esta doença. Considerando-se esta hipótese, Hamada e colaboradores (2019) recentemente publicaram o estudo controlado randomizado Efficacy of primary treatment with immunoglobulin plus ciclosporin for prevention of coronary artery abnormalities in patients with Kawasaki disease predicted to be at increased risk of non-response to intravenous immunoglobulin (KAICA), com o objetivo de avaliar a segurança e eficácia da ciclosporina na proteção contra anormalidades da artéria coronária em pacientes com doença de Kawasaki.

Neste estudo, realizado em 22 hospitais do Japão entre 29 de maio de 2014 e 27 de dezembro de 2016, os pacientes foram estratificados por idade, sexo e pelo escore de risco de resistência à IGIV desenvolvido por Kobayashi e colaboradores (Quadro 1). Os pacientes considerados elegíveis tinham maior risco de resistência à IGIV segundo esse escore.

Variável Ponto de corte Pontuação
Sódio 133 mmol/L 2
Dias de doença no início do tratamento 4 2
TGO 100 IU/L 2
Porcentagem de neutrófilos 80 2
PCR 10 mg/mL 1
Idade 12 meses 1
Contagem de plaquetas 300.000/mm³ 1

Quadro 1: Escore de Kobayashi e colaboradores (2006).
Nota: baixo risco – 0 a 3 pontos; alto risco – ≥4 pontos; risco muito alto – ≥ pontos.
Legenda: PCR – proteína C reativa; TGO – transaminase glutâmico- oxalacética.
Fonte: Adaptado de Kobayashi et al. (2006).

Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber IGIV com ciclosporina (5 mg/kg por dia durante cinco dias; tratamento do estudo) ou IGIV sem ciclosporina (tratamento controle). O desfecho primário foi a incidência de anormalidades nas artérias coronárias entre os participantes que receberam pelo menos uma dose do tratamento do estudo e visitaram o hospital pelo menos uma vez durante o tratamento.

Foram incluídos 175 pacientes, com idades entre quatro meses e 15 anos, que foram diagnosticados dentro de sete dias do início da doença (considerando o dia 1 da doença como o dia em que a febre se desenvolveu) e com previsão de não responder à IGIV. Um paciente teve o consentimento retirado após a inclusão e foi excluído e um paciente (no grupo de tratamento do estudo) foi excluído da análise devido perda de dados do ecocardiograma. A idade média dos pacientes foi de cerca de 38 meses; 57% eram do sexo masculino.

A incidência de anormalidades nas artérias coronárias foi menor no grupo de tratamento do estudo do que no grupo de tratamento convencional: 12 [14%] de 86 pacientes versus 27 [31%] de 87 pacientes; razão de risco 0,46; IC95% 0,25–0,86; p=0,010. A incidência de eventos adversos foi semelhante nos dois grupos (9% versus 7%; p = 0,78). Além disso, os pacientes que receberam ciclosporina tiveram menor duração da febre após o início do tratamento (mediana de 0,0 dias versus 1,0 dia) e menores concentrações de proteína C reativa nos dias 3 e 5. No entanto, a recidiva foi mais comum no grupo IGIV mais ciclosporina: 23 pacientes versus sete pacientes.

Os autores acreditam que a ciclosporina é segura mesmo para pacientes com doença de Kawasaki de baixo risco. Para os autores, a sensibilidade e especificidade do escore de risco japonês é de 70 a 80%, o que significa a administração de ciclosporina também ocorreu em pacientes de baixo risco, mostrando alta eficácia sem um aumento de efeitos colaterais adversos.

Os autores concluíram que a terapia primária com IGIV combinada a ciclosporina foi segura e eficaz para desfechos coronarianos favoráveis ​​em pacientes com doença de Kawasaki, cuja não resposta à IGIV era previsível. No entanto, mais pesquisas são necessárias para otimizar o uso de IGIV associada à ciclosporina e determinar quais os pacientes com doença de Kawasaki se beneficiarão mais desta combinação como terapia inicial.

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Referências:

  • KOBAYASHI, T. et al. Prediction of Intravenous Immunoglobulin Unresponsiveness in Patients With Kawasaki Disease. Circulation, v;113, p.2606-12, 2006.
  • HAMADA, H. et al. Efficacy of primary treatment with immunoglobulin plus ciclosporin for prevention of coronary artery abnormalities in patients with Kawasaki disease predicted to be at increased risk of non-response to intravenous immunoglobulin (KAICA): a randomised controlled, open-label, blinded-endpoints, phase 3 trial. Lancet, v.393,p.1128-37, 2019.

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